A resposta clássica de um biólogo, se você já conversou alguma vez com um biólogo, é: depende.

Começando pelo começo, a biologia é a ciência que nasceu e cresceu na inerente vontade humana de classificar organismos vivos e, hoje em dia, é muito mais do que isso.

Mas eu acho a parte de classificação muito legal! O ramo da biologia que classifica os seres vivos é a Sistemática e, até hoje, você ouve notícias de um animal ou outro “mudando de nome científico”. Ainda é um assunto em alta.

Então, falando somente sobre animais, quais seriam os critérios de classificação para separá-los eles em grupos?

Talvez tamanho? Cheiro? Formato da pupila?

Sim, houve a tentativa de agrupar animais por características arbitrárias. Essa tentativa fazia com que fosse possível agrupar coisas que claramente não pertenciam ao mesmo grupo. (Você sabia? A urina do Lobo-Guará tem cheiro de cannabis!)

Quem sabe o número de nadadeiras? Pernas? Penas?

Então os gregos decidiram que iriam usar critérios de presença ou ausência de características morfológicas. Aristóteles propôs separar os animais entre “com sangue” e “sem sangue”.

Os com sangue ainda eram divididos em quatro grupos: quadrúpedes vivíparos (mamíferos), quadrúpedes e ápodes ovíparos (répteis), aves e peixes.; Já os “sem sangue”, continham polvos, crustáceos, insetos e moluscos com concha.

Mas esses critérios são pobres! Insuficientes! Tem de haver uma classificação com características mais específicas!

Sim! E daí surgiu o famoso Carolus Linnaeus, conhecido como Lineu (também escrito como Karl von Linné). Ele era um suéco do século XVIII que popularizou a sequência “reino, classe, ordem, gênero e espécie”, terminando com a formalização da nomenclatura bi-nomial dos animais (que não era originalmente dele, quem propôs foi o Gaspard Bauhin). A sistemática de separar os organismos vivos com dois nomes, por exemplo: Canis lupus, “canis” sendo o gênero dos canídeos, e “lupus” sendo “lobo”, persiste até hoje.

Lineu acreditava que deveria haver um “método natural que fosse a tradução do reino animal, tal como O Criador o fez.”, e, dessa forma, deveria haver uma sucessão de informações que passariam entre os animais. Mesmo que a relação de parentesco não fosse considerada, pois sua base era uma crença criacionista.

Agora, no decorrer dos últimos séculos, tecnologias novas surgiram que permitem olhar os animais “mais de perto”, podemos usar microscopia e genética e, com isso, descobrir que muitos animais separados em um grupo na verdade pertencem a outro. Um exemplo são as cracas. Devido às suas conchas, sempre consideraram que cracas eram moluscos, mas, com uso de microscópio, viram que as larvas de craca eram indistinguíveis das larvas de outros crustáceos e, assim, realocaram as cracas na árvore taxonômica.

 

Peraí. Árvore Taxonômica?

Sim! Hoje em dia a sistemática é graficamente representada pela árvore taxonômica, ou árvore filogenética (taxonomia vem do grego “taxis” — arrumar, e “nomia” — método. Já filogenia vem de “filo” — existência, e “genia” “gênesis” — origem no proto indo-europeu). É uma representação em que você separa uma linha em duas no momento em que surge uma característica evolutiva nova, considerando uma linha do tempo desde o surgimento da primeira vida na Terra.

Na Origem das Espécies, Darwin usou o diagrama da “Árvore da Vida” para representar a evolução e esse formato é bem auto explicativo. A cladística (vindo do grego “clado” — galho, ramo) é a ciência que estabelece os critérios de bifurcação da árvore, baseando-se no ancestral comum mais recente entre organismos.

Existiam vermes marinhos que, no momento em que evoluíram a mandíbula, separaram-se os dois grupos na árvore, surgindo o “braço” dos mandibulares.

Então, segundo a cladística, quando surge uma característica nova, tudo o que vem depois do surgimento dessa característica está no mesmo grupo (mesmo que tenha perdido a característica depois). Um exemplo são os quadrúpedes! Em algum momento, um animal marinho com nadadeiras evoluiu para ser terrestre e ter “quatro pernas” (famoso Tiktaalik roseae) e todos os animais que vieram depois dele são os quadrúpedes, incluindo as cobras, que serpentearam e perderam as pernas em seu caminho evolutivo.

Sendo assim, pelas regras da cladística, você não pode juntar braços aleatórios de grupos que não estão conectados por um ponto da árvore. Por exemplo, o grupo que inclui todos os “répteis” inclui o grupo “aves”, porque as aves evoluíram dos Archosauria (grupo que hoje inclui aves, crocodilos e tartarugas). Se você excluir aves do grupo “répteis”, você cria um grupo “polifilético”, pois lagartos e serpentes são mais distantes das aves do que os crocodilos. Grupos polifiléticos são “roubar nas regras” da cladística, mas são comuns pois agrupam animais que “são meio parecidos”. Hoje os biólogos chamam de “répteis” o conjunto de “aves e répteis não-avianos”.

 

Tá, mas e os peixes?

Para pessoas que não são biólogas, “peixe” significa “peixes ósseos e peixes cartilaginosos” (Osteichthyes e Chondrichthyes), ou animais com formato de peixe num geral, pisciformes, compridos com nadadeiras e fendas branquiais. Ambos os grupos fazem parte do clado “Chordata”, cujas características em comum são: notocorda, sistema nervoso central no oco da coluna vertebral, endóstilo, cauda pós anal  e fendas faringeanas (essas características precisam ser apresentadas em pelo menos um estágio do ciclo de vida do animal. Humanos têm a cauda e as fendas em estágio embrionário).

Então, na linha temporal da evolução dos vertebrados você tinha algo com cara de peixe cartilaginoso, daí você evoluiu a ossificação do esqueleto e daí você tem o resto da evolução dos vertebrados ósseos.

 

Mas… peraí?

Sim. Chamar de “peixes” os osteichthyes e chondrichthyes é fazer um grupo polifilético “roubado”. Se você juntar tudo evolutivamente em comum entre todos os “peixes”, do tubarão, passando pelo cavalo marinho, até a enguia e o baiacu, você junta todas as características em comum dos vertebrados.

Então, se você for uma pessoa que gosta de causar polêmicas, como alguns biólogos são, você pode usar “peixe” como grupo monofilético sinônimo de “vertebrado”, porque seria a “definição correta seguindo as regras de classificação dos animais”. Assim, as baleias seriam peixes.

Mas, como sempre, depende.