Água, terra, fogo, ar. Há muito tempo as nações viviam em paz e harmonia, mas tudo mudou quando a Nação do Fogo atacou. Só o Avatar domina os quatro elementos e pode impedi-los, mas quando o mundo mais precisa dele, ele desaparece. Cem anos se passaram e dois irmãos descobrem o novo Avatar, um garoto dominador de ar. Embora sua habilidade com o ar seja ótima, ele tem muito o que aprender antes que possa dizer: “Eu sou o Avatar”.
Num mundo onde as pessoas podem dobrar/dominar os elementos da natureza (água, fogo, terra e ar), o Avatar nasce com o espírito capaz de dobrar todos os elementos em equilíbrio. Cada elemento possui um “dobrador original” de onde a arte/técnica da dobra derivaram, sendo que a água é o único que não possui um animal nesse posto… Se você já assistiu Avatar: a lenda de Aang, hoje você vai entender porque o dobrador original da água faz muito sentido na vida real! E se ainda não assistiu, fica a recomendação para entender o que esse texto tem a ver com essa animação.
Livro 1: Conceitos
A Lei da Gravitação Universal afirma que dois corpos com massa irão se atrair de forma mútua com força proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa seus centros de massa. Para entender o que isso significa, vamos imaginar dois corpos A e B bem distantes um do outro. A força, FA, que A sente devido ao campo gravitacional de B será dada por:
Onde G é a constante gravitacional universal, mA e mB são as massas dos corpos A e B, respectivamente, e r é a distância entre os centros de massa dos corpos A e B. Como os corpos estão muito distantes entre si, eles podem ser tratados como massas pontuais, ou seja, seus tamanhos são “desconsiderados” e é como se toda a sua massa estivesse nos pontos amarelos da figura (o centro de massa de cada corpo). Com isso a força é calculada como sendo sentida somente no centro de massa do corpo. Além disso, pela fórmula podemos ver que para dois corpos, quanto mais próximos eles estiverem, maior será a força sentida por eles devido ao campo gravitacional do outro.
Porém, se os corpos estão próximos o suficiente para que seus tamanhos sejam uma fração considerável dessa distância (ou seja, r não é muito grande em comparação com o tamanho do corpo), não se pode mais supor que a força gravitacional estará agindo somente nos centros de massa. Então vamos supor que os corpos A e B sejam aproximados entre si, como mostra a figura abaixo.
Agora que os corpos estão mais próximos conseguimos perceber que os pontos 1 e 2 pertencentes à superfície do corpo A estão distantes entre si e do centro de massa do corpo A. Sabendo disso e que agora a distância entre os corpos A e B é relativamente pequena, devemos considerar que cada ponto do corpo A está a uma distância (r + dr) do centro de massa do corpo B, onde dr tem um valor diferente para cada ponto da superfície do corpo A. Consequentemente, cada um desses pontos sentirá o campo gravitacional de B de formas diferentes.
Portanto, cada ponto n na extensão do corpo A sentirá uma força diferente, Fn, dada por:
Onde FA ainda é a força calculada como se toda a massa estivesse concentrada no centro de massa do corpo (também podemos dizer que é a força média sentida pelo corpo A) e dFn é a chamada força gravitacional diferencial, dada por:
Caso você esteja interessado na dedução da fórmula, é possível encontrá-la aqui.
Livro 2: Aplicação na vida real
Agora vamos trocar os corpos A e B pela Terra e pela Lua, respectivamente. Apesar da Lua ter somente um centésimo da massa do nosso planeta, a distância entre eles permite que um sinta o campo gravitacional do outro de forma que haja algum tipo de interferência perceptível a nós. E como a Terra é bastante extensa, diferentes pontos sentirão diferentes forças gravitacionais devido à presença da Lua.
Além disso, como você já sabe, nosso planeta não fica parado no lugar, sendo que um de seus movimentos é a rotação em torno de seu próprio eixo e a Lua também tem um movimento de translação ao redor da Terra. Como isso ocorre, a cada momento a atração da Lua, devido à gravidade, é sentida por diferentes partes da Terra. A não ser que usemos aparelhos específicos para fazer a medição, não percebemos essa atração no solo do nosso planeta, porém a água por estar mais “solta” se movimenta mais facilmente quando é atraída pela Lua. Essas movimentações da água, devido ao campo gravitacional da Lua, são as conhecidas marés.
Dada uma região do planeta, quando esta passa pelo ponto em que o campo gravitacional da Lua provoca a maior projeção da água, temos a maré alta. Com o tempo, devido aos movimentos dos corpos (Terra e Lua) essa maré vai diminuindo até o ponto em que há a menor força sentida pela Terra devido ao campo gravitacional da Lua; nesse caso temos a maré baixa. Dessa forma, na maioria das linhas costeiras do mundo, ocorre um ciclo de duas marés altas e duas marés baixas por dia.
Se você mora em região de linha costeira talvez esteja pensando que não vê essa diferença de marés durante o dia… e isso é porque a superfície do planeta não é 100% oceano. Como a terra fica no caminho da água, os continentes impedem que a água siga perfeitamente a atração da Lua e é por isso que em algumas regiões a diferença entre as marés alta e baixa pode ser de menos de 1 m, enquanto em outros lugares a diferença pode chegar a 20 m.
Mas por que ocorre esse ciclo de duas marés altas e duas marés baixas?
De forma resumida é porque a projeção da água dos oceanos ocorre tanto no ponto mais próximo da Lua, quanto no mais distante, mas vamos entender melhor como isso acontece.
Lembrando que cada ponto da Terra irá sentir uma força diferente devido ao campo gravitacional da Lua, podemos pensar num diagrama como o da figura, onde as setas representam os vetores da força gravitacional sentida por cada ponto da Terra:
Como pode ser visto pelo diagrama acima, a força gravitacional sentida é maior nos pontos da Terra que estão mais próximos da Lua, menor nos pontos mais distantes e no centro temos um vetor que, como já vimos, representa aproximadamente a média da força gravitacional sentida em todos os pontos do planeta.
Entretanto, como todo o planeta sente a força gravitacional da Lua, e não somente a superfície, para entendermos as marés precisamos utilizar a força gravitacional de cada ponto comparada com a força no centro do planeta. Assim, a força de maré é calculada subtraindo a força gravitacional média (o vetor no centro da elipse do diagrama) da força gravitacional sentida em cada ponto da superfície da Terra:
E se você acha que já viu isso antes é porque já viu mesmo! A força de maré é a própria força gravitacional diferencial! Podemos ver o resultado dessa subtração em cada ponto no diagrama abaixo:
Para facilitar o entendimento, lembre-se que a subtração de vetores (X – Y) é dada pela soma do vetor X com um vetor de mesmo módulo, mesma direção, mas de sentido oposto ao do vetor Y. Usando os diagramas anteriores e escolhendo um dos pontos, podemos representar essa subtração pela figura abaixo:
Caso você queira se aprofundar mais nos valores das forças diferenciais, é possível ver os cálculos aqui.
Por fim, as forças de maré alongam o corpo como um todo nos equadores, fazendo com que a maré alta ocorra no eixo Terra-Lua, e comprimem o planeta nos polos onde, consequentemente, ocorrem as marés baixas. E como a Terra gira em torno de seu próprio eixo, cada região passa pelos dois pontos de maré alta e de maré baixa todo dia, resultando no ciclo anteriormente mencionado.
No mundo de Avatar, o movimento básico dos dobradores de água consiste em puxar e empurrar a água, tal como as marés. Em geral, esse tipo de dobrador é mais defensivo, porém a dobra de água pode ser bem poderosa, assim também como as marés que podem devastar grandes áreas de linhas costeiras pelo planeta.
Dessa forma, a Lua é sim uma dobradora de água na vida real!
Livro 3: Indo além
Já que o campo gravitacional da Lua causa marés, talvez você esteja pensando que o Sol, por ser muito maior deve agir parecido, certo?
Sim e não. Apesar da massa do Sol ser muito maior que a massa da Lua, a distância que nossa estrela está da Terra é muito grande também. Dessa forma, as marés causadas pelo Sol sozinho são bem menores. Porém, quando há o alinhamento da Terra, Lua e Sol, as marés lunar e solar se reforçam. E isso é bem normal de acontecer… ocorre quando temos a Lua cheia e a Lua nova. Nesses períodos, as marés ficam mais extremas e são chamadas de marés vivas. Já quando as marés lunar e solar agem uma contra a outra, as marés são menores do que o normal (e são chamadas de marés mortas).
Então, apesar do Sol estar ligado aos dobradores de fogo na animação, na vida real nossa estrela também poderia ser considerada um dobrador de água! Ainda, se formos mais além, já vimos que as forças gravitacionais são sentidas também pelo solo… então a Lua e o Sol poderiam também ser dobradores de terra! Além disso, os próprios padrões de vento que temos no planeta tem certa relação com esses dois corpos, logo também poderíamos considerá-los como dobradores de vento, certo? Seriam os corpos celestes avatares? E ainda que seja imperceptível a nossos olhos, todos os corpos com massa promovem campos gravitacionais e, portanto, também poderíamos dizer que temos o poder de dobra dos elementos?
Vou parar a divagação por aqui, mas você pode continuar nos comentários!
Referências:
Forças gravitacionais diferenciais ou Forças de maré.
Agradecimentos ao André Bessa pela ajuda na consultoria anti-spoiler.