Bom dia e bem-vindos e bem-vindas ao episódio de número 2122 do Spin de Notícias em forma de texto. Aqui é o Marcel Ribeiro-Dantas, falando de Natal. Colaboradores do Portal Deviante já produziram bastante conteúdo sobre câncer. A propósito, se você ainda não conhece a série Reimagine o Câncer, e tem interesse no tema, recomendo que já ache um espacinho na sua agenda para assistir o mais rápido possível. Vale muito a pena!
Como você verá lá em mais detalhes, câncer se refere a centenas de doenças diferentes, com seus inúmeros tipos, subtipos, subsubtipos, divisões de acordo com critérios diferentes, blá blá blá. É muito mais complexo do que parece. No entanto, evidentemente, existe uma razão para todas essas doenças receberam o nome de câncer: são grupos de células que por alguma razão desenvolveram características que em conjunto, e no contexto em que estão, são prejudiciais à nossa saúde.
Algumas dessas características são crescimento desordenado, capacidade de aderência gerando massas tumorais e capacidade de invasão de outros tecidos, o que inclui tecidos diversos e distantes do agrupamento original, o que costumamos chamar de metástase. Essas novas características ocorrem devido a alterações em algum mecanismo das células, como mutações no DNA destas células.
Oncologia é um assunto que me debruço há muitos anos, e que desenvolvi inúmeras pesquisas, de modo que se deixar eu passo o dia inteiro falando aqui. Para evitar isso, e até sair do foco original desse texto de hoje, vou tentar me prender ao que preparei para vocês: Alguns avanços na compreensão do efeito da imunoterapia.
Como falei no início, existem inúmeros tipos de câncer, inclusive subtipos e essas diferenças entre eles são a razão de existirem tantos tratamentos diferentes, ás vezes até para o mesmo, entre aspas, tipo de câncer. No câncer de mama, uma expressão que engloba vários tipos de câncer no tecido mamário, temos inúmeros tratamentos.
A hormonoterapia costuma ser efetiva em tumores com células que possuem receptores para alguns hormônios específicos, mas não para por aí. Temos o procedimento cirúrgico, quimioterapia, radioterapia, imunoterapia, e mesmo esses tratamentos tem modos diferentes de serem feitos, drogas diferentes, etc. A imunoterapia, que daremos um maior foco hoje, é um tipo de tratamento contra o câncer que manipula o próprio sistema imunológico do paciente para conter o avanço da doença.
As células cancerígenas, às vezes, usam pontos de controle (do inglês checkpoints) para evitar serem atacadas pelo sistema imunológico. Elas fazem isso apresentando proteínas em suas superfícies que prejudicam a capacidade das células de defesa do corpo de reconhecerem-nas e destruí-las. Imunoterápicos conhecidos como inibidores de checkpoint provaram ser eficazes para alguns pacientes com câncer ao inibirem essa estratégia do câncer, permitindo que nosso sistema de defesa possa identificá-las e destruí-las à vontade.
Ainda assim, não está muito clara a razão de ás vezes essa terapia funcionar e outras vezes não. Como comentei há pouco, células cancerígenas são repletas de mutações, e alguns estudos identificaram que esta terapia é mais efetiva quando as células cancerígenas possuem um grande número de proteínas que sofreram mutação, já que supostamente essas oferecem bastante alvos para as células de defesa atacarem.
Ainda assim, em cerca de 50% dos pacientes nessa situação, os inibidores de checkpoint não funcionam! Um novo estudo de pesquisadores do Instituto Europeu de Bioinformática da EMBL (EMBL-EBI), Laboratório Cold Spring Harbor (CSHL) e Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) ofereceu uma possível explicação para isso.
Em experimentos com camundongos, os pesquisadores descobriram que medir a diversidade de mutações dentro de um tumor, que é um conjunto de células, gerava previsões muito mais precisas sobre se o tratamento teria sucesso do que medir o número total de mutações. Se estas observações forem validadas em ensaios clínicos com humanos, isso poderia oferecer um melhor planejamento terapêutico para os pacientes, utilizando as terapias com maior chances de sucesso o mais cedo possível.
Houve bastante avanço nos últimos anos em imunoterapia utilizando esses inibidores de checkpoint, inclusive porque vários cânceres diferentes podem surgir com uma grande quantidade de mutações, do termo em inglês high tumor mutational burden, e embora alguns pacientes se beneficiem bastante, infelizmente em vários casos ou a resposta é muito pequena ou não há efeito algum no tratamento.
Essa observação pegou muitos pesquisadores de surpresa e foi um grande balde de água fria em algo que parecia ser um grande avanço no tratamento oncológico. O que os pesquisadores do MIT acreditam ter encontrado, no entanto, retoma o ânimo ao sugerirem não só uma hipótese de por que isso ocorre, como também um modo de identificar em quais pacientes o tratamento tem mais chances de ter êxito.
O que acontece é que por mais que tenhamos tumores com uma alta quantidade de mutações, o que parece influenciar a reposta imunológica é a heterogeneidade intratumoral, isto é, a diversidade de mutações entre grupos de células do tumor.
Os pesquisadores observaram que quando o tumor tinha muitas mutações, mas parecidas em várias destas células tumorais, os inibidores de checkpoint funcionavam muito bem. Já quando o tumor tinha muitas mutações, e que eram diferentes entre estas células, os inibidores de checkpoint pareciam não ter efeito algum. De acordo com um dos autores do estudo, “Não há antígeno suficiente que as células T reconheçam, então elas não são suficientemente preparadas e não adquirem a capacidade de matar células tumorais.”
Para verificar se estes resultados se aplicavam a humanos, os pesquisadores sequenciaram tumores de dois pequenos ensaios clínicos de pacientes tratados com inibidores de checkpoint acometidos por câncer colorretal ou de estômago e identificaram que pacientes com tumores mais homogêneos, no contexto de mutações, tiveram uma melhor resposta ao tratamento.
Uma analogia interessante utilizada por Isidro Cortes-Ciriano, líder do grupo no EMBL_EBI, é a seguinte:
Uma forma de entender isto é imaginar uma multidão, onde cada pessoa segura uma lanterna amarela. Se todos acenderem a lanterna, o feixe de luz amarela poderá ser visto de longe. Da mesma forma, quanto mais células com as mesmas mutações num tumor, mais forte será o sinal e maior será a probabilidade de desencadear uma resposta imune. Contudo, se cada pessoa na multidão tiver uma lanterna de cor diferente, a luz que emana da multidão é menos clara e o sinal fica confuso. Da mesma forma, se as células cancerígenas tiverem mutações diferentes, o sinal será mais difícil de detectar e o sistema imune não é ativado adequadamente, razão pela qual os inibidores de checkpoint não funcionam adequadamente.
Por hoje é só!