Vamos pensar um pouco sobre envelhecer? Quando você acha que alguém está velho? Como você imagina a sua velhice? Neste texto eu descrevo a minha experiência em um projeto de pesquisa na Universidade de Cardiff em que analisei representação de casais idosos em propagandas de revistas. Ao final, espero levantar uma reflexão sobre como representamos a velhice e propor que repensemos o que estamos fazendo.
O Scicast 443, que saiu recentemente, me fez lembrar de uma pesquisa que fiz em uma disciplina aqui no mestrado sobre a representação de casais idosos em propagadas de saúde em revistas. Sim, revistas daquelas de papel, que a gente comprava na banca de jornal. Aqui no Reino Unido, aparentemente, ainda são bastante usadas (talvez até pela idade mais avançada da população).
Enfim, propagandas, como toda prática social, tanto constroem como são constituídas de significado [1]. Portanto, elas não só representam o que há no mundo, mas ajudam a forjar a realidade. Dessa forma, estudar a representação de pessoas idosas em propagandas é importante para entender a ideia que temos do que é ser velho [2]. Além disso, a saúde é um aspecto importante na construção da identidade do idoso [3].
Um aspecto bem complicado da pesquisa foi definir quem era idoso nas imagens. No Brasil, você é considerado idoso aos 60 anos, mas numa foto não dá para saber exatamente a idade das pessoas, né? Cabelos brancos e sinais de expressão foram alguns dos critérios que usei. Outro critério foram os próprios produtos e serviços oferecidos nas propagandas. Como eram produtos e serviços que visavam a melhorar a saúde das pessoas, podemos partir do pressuposto de que são pessoas que têm aqueles problemas que precisam ser resolvidos, como dores nas juntas, perda de audição, problemas de coração.
É interessante pensar que essas propagandas englobam tanto representações tradicionais como novas do que significa ser idoso e podem reproduzir discursos que reforçam relações desiguais de poder que vão influenciar nessa construção de identidade. Como assim, Debbie? Isso significa que homens e mulheres / brancos e outas etnias/ pessoas cis e outras identidades de gênero serão representações diferentemente, ou até mesmo não serão representadas (Quem quiser saber mais leia [4] e [5]).
Quando comecei a pesquisa, eu parti do pressuposto da teoria feminista [6] de que homens e mulheres têm uma relação de poder desigual na sociedade e, portanto, uma análise de como um casal é representado pode dar uma ideia de como essa desigualdade é construída. Só que aí eu me toquei que, ao fazer essa escolha, eu estava ignorando casais homossexuais. O primeiro problema que encontrei foi como determinar que duas pessoas em uma foto de propaganda são, então, um casal. Na minha cabeça, regida por esses discursos poderosos de heteronormatividade (em que o ‘normal’ é ser hetero), eu conseguia ver quando um homem e uma mulher eram um casal, mas academicamente justificar a escolha de fotos com duas pessoas como casal foi um desafio.
Eu terminei usando os critérios do Goffman [7], que fez um estudo profundo de imagens e que encontrou 4 ‘comportamentos’ principais que dizem que as pessoas estão “juntas” em uma foto:
- Microecologia: a ideia de família com dois adultos e crianças (sim, é uma ideia restrita de família, mas ele escreveu isso em 1979, então vamos dar um desconto)
- Braços dados
- Abraço pelo ombro
- Mãos dadas
A análise semiótica (de imagens) é muito interessante. Dá para analisar as imagens sob uma perspectiva conceitual: quem são essas pessoas, quais seus atributos. Ou sob uma perspectiva de narrativa: que história essa imagem conta. Para isso, vemos que absolutamente tudo na imagem tem um significado. Cada quadrante em que o objeto/pessoa/letra é colocado tem um significado. A parte superior está relacionada ao ideal, enquanto a inferior é a realidade. A esquerda é o que entendemos como conhecido, enquanto a direita é o novo. As posições mais a frente dão destaque, as mais ao fundo têm menos importância [5] [7] [8]. Quase todas as propagandas analisadas apresentaram o casal na parte superior à esquerda, o que reforça a ideia de que ter um parceiro na velhice é o que entendemos como o ideal conhecido.
Em análises de narrativa vemos que a imagem costuma indicar mudança. Como se contasse uma história mesmo: “Antes você não conseguia fazer ____, depois de usar nosso produto, você agora consegue”. Vemos isso nos exemplos abaixo:
Não por coincidência, essas imagens estão à direita na propaganda. Lembra? Esse é o lado do novo!
Apesar dessa análise toda ser fascinante (espero que vocês concordem), meu objetivo quando pensei nesse texto era fazer uma reflexão sobre o que é envelhecer. Em 7 das 12 propagandas que analisei, as pessoas representadas são portadoras de atributos negativos que serão resolvidos pelos produtos e serviços oferecidos e 3 entendem como uma boa ‘mudança’ não envelhecer Isso sem falar da falta de representatividade de outras etnias ou de casais não heterossexuais.
Aparentemente, a imagem mais positiva da velhice é… não ser velho. É conseguir fazer coisas que fazemos quando mais jovens. Pode ser que a escolha de analisar propagandas relacionadas à saúde tenham influenciado nessa percepção. Afinal, não tem muita propaganda de remédio para pessoas mais jovens. Mas acho que vale a reflexão de quem são nossos idosos, o que eles consomem, o que os faz feliz.
Da mesma forma que é um problema ter apenas pessoas brancas heterossexuais produzindo propagandas, porque isso leva a uma representação da sua própria realidade, é um problema não conhecermos nossos idosos porque eles não têm como se representar. Assim, a gente entra em um ciclo vicioso, em que jovens produzem representações de velhos a partir dos seus valores, e pessoas velhas não aceitam a velhice porque ela não é nada parecida com a ideia que lhes é vendida do que é envelhecer.
Então, pergunto: como você imagina a sua velhice?
Se você respondeu “podendo fazer o que eu faço hoje”, talvez esteja na hora de repensar. Há uma forma boa de ser velho. Você tem mais conhecimento da vida, você tem mais tempo livre. Você tem um círculo de amizades fortes.
Em um mundo ideal, eu imagino que quando eu tiver meus 100 anos estarei em uma casa afastada do barulho do centro urbano, em um condomínio (ou casa de retiro) com pelo menos dois amigos próximos pra jogar pôquer, paciência e scrabble. Terei internet para poder falar com a família e amigos e fazer cursos on-line. E, se a saúde permitir, ainda dançar um candomblé de vez em quando. Se não, fico feliz de só assistir a festa.