Sim, desculpem a indecência, mas estou escrevendo desde o hemisfério Norte. Por aqui acabamos de passar pelo equinócio de Outono. Especificamente no Japão, parece quase mágico (ou um acaso providencial) que, em questão de uma semana, os dias extremamente quentes e úmidos e o calor incessante tenham dado lugar a uma brisa refrescante.
Já começaram a surgir nos cafés as bebidas lácteas sabor de “abóbora e especiarias” e “batata doce” — algo típico do gosto japonês.
Mas o espetáculo mais aguardado, a explosão de cores quentes e vibrantes das folhas das árvores cobrindo as paisagens urbanas e rurais, deve demorar mais um pouco para começar… ou mais um muito.
As previsões da época de “koyo” — folhas vermelhas — apontam para uma chegada tardia da estação. Em Kyoto, por exemplo, devem chegar apenas no começo de dezembro, quando o “esperado” seria começarmos a ver a folhagem de outono ainda em outubro.
Esse atraso não é tão surpreendente. Neste ano, a época da floração das cerejeiras também veio tarde (embora nem tanto). Ano após ano parece que as previsões do clima são superadas. Já estamos nos acostumando com isso, né?
Enquanto aguardo ansiosamente pelo espetáculo reservado aos cantos (climaticamente) temperados do planeta, me pergunto: Como isso acontece? O que dá às folhas essa coloração avermelhada e o que faz elas mudarem na época “certa”? Por que não temos isso em outras zonas climáticas? E por que a Amendoeira sozinha desafia a norma nas terras Brasileiras?
As folhas vão gradativamente perdendo sua coloração verde, ganhando tons de amarelo, laranja, vermelho e púrpura. Todas essas cores são resultados de pigmentos já presentes nas folhas. Durante a maior parte do ano, o verde da clorofila domina. Ela é essencial para a fotossíntese, o processo pelo qual as plantas convertem luz solar em energia. Conforme os dias ficam mais curtos e a incidência de luz solar diminui, a produção de clorofila também diminui gradativamente. Sem a clorofila para mascarar, os outros pigmentos presentes nas folhas começam a aparecer.
Os carotenoides, que incluem xantofilas (responsáveis pela cor amarela) e caroteno (laranja), estão presentes nas folhas ao longo de toda a estação de crescimento. Eles ajudam no processo da fotossíntese, dissipando o excesso de luz solar que poderia danificar os tecidos foliares.
Já o vermelho e o púrpura são atribuídos às antocianinas, pigmentos que se formam apenas no outono. Durante as noites frias do outono, as árvores acumulam açúcar nas folhas, e, sob luz solar intensa, esse açúcar se transforma em antocianina, resultando nos tons avermelhados. Esse processo é favorecido por dias claros e ensolarados, seguidos de noites frescas. Por isso, um outono mais quente pode atrasar o processo de mudança de cores, ou resultar em uma coloração mais suave.
A antocianina também atua como antioxidante, ajudando a reduzir o estresse oxidativo nas folhas enquanto os nutrientes presentes nelas são recuperados e redistribuídos para os galhos e raízes, preparando a planta para o inverno.
O processo de senescência foliar — o envelhecimento e a degradação das folhas — é ativado por uma combinação de fatores ambientais e genéticos. Os dois principais fatores ambientais são o fotoperíodo (a duração do dia) e a temperatura.
Nas regiões temperadas, a mudança nas estações é muito marcada, com quedas significativas de temperatura e luz durante o outono e inverno. Isso faz com que as árvores precisem economizar energia e conservar recursos para sobreviver ao frio, período em que a fotossíntese é menos eficaz. Assim, elas entram em dormência e descartam as folhas para evitar perda de água e energia.
A redução da luz solar é um sinal crítico para as plantas de que o inverno está se aproximando. Essa mudança é percebida por um conjunto de genes que regulam o processo de senescência. Em resposta à diminuição da luz, as plantas começam a desligar o processo de fotossíntese, reciclando nutrientes, como o nitrogênio e o fósforo, das folhas para outras partes da planta.
Além disso, quando o resto do ano é muito produtivo, a planta pode acumular nutrientes suficientes para ativar o processo de senescência. Estudos observaram que em algumas regiões temperadas o processo tem começado mais cedo do que era observado algumas décadas antes, devido a verões e primaveras cada vez mais quentes.
Algumas espécies, como o bordo e o momiji — típico do Japão, são altamente sensíveis a mudanças de temperatura e luz, respondendo com colorações intensas. Já plantas com simbiontes fixadores de nitrogênio (como o amieiro), não chegam a ter folhas amarelas ou vermelhas. Essas plantas não precisam se preocupar em reabsorver o nitrogênio de suas folhas (resultado da degradação da clorofila), já que têm acesso a ele por outros meios. Assim, elas simplesmente perdem as folhas enquanto ainda estão verdes.
No Brasil, a maior parte do território se encontra em climas tropicais e subtropicais, em que as temperaturas e a luz solar não atingem mínimas tão baixas. As árvores não precisam se proteger de invernos rigorosos e, por isso, não precisam descartar suas folhas, podendo manter a fotossíntese durante todo o ano. Assim, não há pressão ambiental para favorecer espécies com senescência foliar.
Algumas árvores tropicais também perdem folhas sazonalmente, especialmente nas regiões mais secas, como a Caatinga e o Cerrado. Nessas áreas, a seca é um fator de estresse tão importante quanto o frio em regiões temperadas, e algumas árvores perdem suas folhas para reduzir a evapotranspiração, a perda de água. Mas elas não passam pelo mesmo processo de senescência que apresenta a mudança de cores.
Porém, especialmente uma árvore bastante conhecida no Brasil ainda nos presenteia com o outono colorido. A amendoeira (Terminalia catappa), amendoeira-da-índia, sete-copas ou chapéu de sol, é comumente avistada em regiões praianas, ou mesmo em grandes centros urbanos, em diversas regiões do país.
Introduzida da Ásia, essa árvore, conhecida por sua grande copa e folhagem densa, é uma das poucas que exibe um ciclo sazonal de coloração e queda de folhas em áreas tropicais, reagindo à variação de luz e temperatura de maneira similar às árvores temperadas. Suas folhas enormes, inicialmente verdes, passam por uma transformação gradual, assumindo tons de amarelo, laranja, vermelho e púrpura, antes de se desprenderem. A grandiosidade da amendoeira e sua capacidade de sobreviver em ambientes arenosos e salinos a tornam uma árvore icônica nas áreas litorâneas brasileiras. No entanto, suas folhas, que são bem grandes e caem em grande quantidade, acabam se tornando um problema quando se acumulam nas ruas, entopem bueiros e levantam calçadas — o que levou várias cidades, como o Rio de Janeiro, a proibir o plantio de novas amendoeiras.
Mas as folhas da amendoeira também têm utilidades. Elas podem, claro, ser usadas como matéria orgânica para compostagem ou outros fins, mas também servem como “papel de fundo” no preparo de assados, e cozidos. É um substituto para papel manteiga e afins (mas cuidado com a higiene ao catar folhas do chão e levar pra cozinhar, viu?).
E apesar de atualmente serem mais apreciados pelas maritacas e outros pistascídeos, os frutos e sementes da amendoeira são comestíveis. A casca externa é fibrosa e levemente amarga, e envolve o endocarpo, que é uma camada dura e lenhosa que protege a semente, bem diminuta, cujo sabor lembra o da amêndoa tradicional. A polpa fibrosa também pode ser utilizada para preparar sucos, geleias e afins.