Aproximadamente no século IV antes da Era Comum viveu Aristóteles, filósofo e polímata grego. Foi aluno de Platão e é muito conhecido em Ciências pois vários de seus pensamentos foram dominantes até o surgimento da chamada Ciência Moderna, ou do Pensamento Científico Moderno com Galileu Galilei, Isaac Newton, Gottfried Leibniz, etc. Este texto, já adianto, não é sobre a Física Aristotélica, mas deixo este início citando Aristóteles devido às chamadas Quatro Causas de Aristóteles.
As Quatro Causas de Aristóteles
Um dos pensamentos que, aparentemente, permeava a mente de Aristóteles era: Como saber que uma determinada “coisa” é de fato esta “coisa”? Como alguém sabe que uma “coisa” é de fato algo? À primeira vista estas perguntas podem parecer ingênuas, pois alguém pode, por exemplo, ao ver uma mesa, dizer imediatamente “isto é uma mesa”, e ponto final. Mas Aristóteles argumentava que podemos pensar em alguns “porquês” para responder o que de fato é alguma coisa; às respostas dadas a estes “porquês” Aristóteles deu o nome de Causas. Responder às Causas de uma “coisa” dava o significado real daquela “coisa”. De acordo com Aristóteles existem Quatro Causas para caracterizar o conhecimento sobre uma certa “coisa”, são elas[1]:
- Causa Material: do que é feita a “coisa”.
- Causa Formal: o formato da “coisa”.
- Causa Eficiente (ou Agente): quem ou o que fez a “coisa”.
- Causa Final: o propósito da “coisa”.
Por enquanto, vamos continuar com o exemplo da mesa para tentar entender as Quatro Causas Aristotélicas. Uma mesa pode possuir as seguintes causas:
- Causa Material: do que é feita a mesa, por exemplo madeira.
- Causa Formal: o design da mesa.
- Causa Eficiente: a pessoa que trabalhou a madeira e executou o design, um(a) marceneiro(a).
- Causa Final: o objetivo da mesa, por exemplo ser uma mesa de jantar.
Ao responder a estas Quatro Causas podemos ter conhecimento completo, segundo Aristóteles, acerca da mesa em questão, pois dessa forma saberemos que não é uma mesa de sinuca, ou uma mesa de centro, mas uma mesa de jantar. Também saberemos que é uma mesa feita de madeira por algum artesão, e também qual o design da mesa. Sendo assim, pelo menos em princípio, podemos encontrar as Quatro Causas de Aristóteles para alguma “coisa” em questão, com o objetivo final de ter conhecimento sobre esta determinada “coisa” e, de repente, para podermos estudar uma destas Causas para realizar alguma mudança na “coisa” que estamos interessados(as).
As Quatro Causas no Processo Ensino-Aprendizado
Nossa ideia neste texto é abordar de maneira sucinta o Processo Ensino-Aprendizagem sob a perspectiva das Quatro Causas de Aristóteles. Para o Processo Ensino-Aprendizagem podemos conjecturar que suas Quatro Causas Aristotélicas são[2]:
- Causa Material: os(as) estudantes da turma.
- Causa Eficiente: os agentes causadores do processo ensino-aprendizagem; no caso podemos enxergar para fins desta Introdução esta causa como estudantes e professor(a), mas não seria talvez suficiente pois envolve também toda a estrutura e gestão escolar como agentes neste processo.
- Causa Formal: a sala de aula, virtual ou presencial.
- Causa Final: qual tipo de conhecimento o(a) estudante deva possuir ao final da disciplina ou curso.
Quando falamos das chamadas “Metodologias Tradicionais de Ensino”, em geral pensamos nas Quatro Causas da seguinte maneira (neste ponto, estamos generalizando a abordagem, correndo risco sim de não abordarmos todos os pontos):
- Causa Material: os(as) estudantes da turma.
- Causa Eficiente: em geral o(a) docente é agente de “transformação”, ou é um agente de transferência de conhecimento. O(a) docente é a Causa Eficiente central.
- Causa Formal: a sala de aula, virtual ou presencial, com estudantes enfileirados (presencial), com salas em possível formato de arena, em silêncio, com poucas perguntas, anotando o conhecimento transferido pelo(a) docente. A sala de aula é a Causa Formal, e o(a) docente é ponto focal neste ambiente.
- Causa Final: o(a) estudante adquire o conhecimento (total ou parcial), e é avaliado(a) para fins de aprovação, em geral a avaliação é individual e realizada de maneira estatística, com grande número de estudantes em cada avaliação/turma.
Desta forma, podemos pensar as “Metodologias Tradicionais de Ensino” como um Ensino Centrado no(a) Docente, ou na Figura do(a) Professor(a). É aquela aula “cuspe e giz”, tradicional e conhecida (acho) da maioria das pessoas.
Nas últimas décadas tem-se estudado bastante (será que só atualmente?) as chamadas “Metodologias Alternativas de Ensino”, ou “Salas de Aula Invertidas”, ou “Metodologias ‘Ativas’”. Neste tipo de abordagem metodológica, em geral a figura do(a) estudante é vista como central no Processo Ensino-Aprendizagem, como pode ser observado nas Quatro Causas Aristotélicas que propostas neste texto para este tipo de metodologia:
- Causa Material: continua sendo os(as) estudantes da turma.
- Causa Eficiente: o(a) estudante é o próprio objeto de “transformação”, ou é seu próprio agente de aquisição de conhecimento. O(a) estudante é a Causa Eficiente central, e o(a) docente é um guia, um(a) Tutor(a) para orientar o(a) estudante em sua busca por conhecimento.
- Causa Formal: a sala de aula, virtual ou presencial, com estudantes organizados em subgrupos, dispostos em pequenos círculos (se presencial) ou sub-salas virtuais (se remoto), em geral a turma discute e debate os problemas de maneira entusiasmada (ou isto é o que se espera), perguntas surgem a todo momento. Os subgrupos da sala de aula, formado por estudantes, tornam-se a Causa Formal.
- Causa Final: o aprendizado pode ser medido também por avaliações, porém o processo de obtenção do conhecimento em subgrupos e com Metodologias diferenciadas torna-se parte integrante da avaliação. Além disto, habilidades sociais dos(as) estudantes acabam sendo desenvolvidas em cada tipo de Metodologia que pode ser trabalhado.
Ensino Tradicional versus “Ativo”
Comparando as Quatro Causas apresentadas acima para cada tipo de abordagem Metodológica, Tradicional ou Alternativa, notamos que a primeira é claramente centrada na figura do(a) Docente, como dito acima, e a segunda se torna um Ensino Centrado no(a) Estudante. Evitaremos rotular certo tipo de Metodologia como “Passiva” ou “Ativa” como é comum na Literatura do assunto, pois entendemos que seja improvável um tipo de aquisição de conhecimento completamente “Passivo” por parte dos(as) estudantes. Chamaremos de Ensino Centrado no(a) Estudante estes tipos de Metodologia.
São vários (e quando eu digo vários, são VÁRIOS MESMO) os tipos de Metodologias Alternativas de Ensino disponíveis no “mercado”, o que acaba também por se tornar ponto de crítica entre pesquisadores da área, visto que várias destas “Metodologias de Ensino” não necessariamente possuem embasamento de pesquisa, podendo ser utilizada apenas no sentido de Marketing. Mas, listamos algumas abaixo para que o(a) leitor(a) quem tenha curiosidade possa pesquisar:
- Think-Pair-Share (pensar, compartilhar, socializar): professor/a dá uma questão aberta, estudantes refletem sozinhos, depois compartilham com um ou dois colegas, e por mim pede-se que alguém deste subgrupo socialize com a turma;
- Instrução por Pares (Peer Instruction): turma tem atividade de leitura antes da aula; em sala, o/a docente projeta alguma pergunta (múltipla escolha), e estudantes escolhem uma resposta; se a porcentagem de resposta fica entre 40-70%, estudantes são convidados/as a discutirem a questão entre eles até que se encontre a resolução do problema.
- Sala de aula invertida: informações básicas são pesquisadas pelo/a estudante; estudante compartilha com a turma sua compreensão do tema; debate é estimulado. Aparenta muito ser apresentação de trabalho, com o diferencial de que o debate é muito estimulado.
- Aprendizagem baseada em problemas/Aprendizagem baseada em projetos: estudantes, sob orientação do/a docente, desenvolvem habilidade de levantar questões e problemas; buscam a interpretação e possíveis soluções em grupo; envolve pesquisa, avaliação, aprender pela descoberta, etc. Além de apresentar bastante interdisciplinaridade.
- Gamificação: Usar jogos ou aulas roteirizadas com linguagem de jogos; pode-se usar jogos de computador, jogos de cartas/tabuleiros, ou mesmo elementos de jogos para tentar abordar algum tema (como um RPG). Características intrínsecas de jogos, como desafios, recompensas, competição, “progressão”, motivação, cooperação aparentemente são importantes para que estudantes se empenhem.
Em textos futuros tentarei abordar um pouco alguns destes tipos de Metodologias diferenciadas de Ensino, em especial a Instrução por Pares e a Gamificação (usando RPG).
Algumas Teorias do processo Ensino-Aprendizado
Queria retornar a uma pergunta que coloquei ao longo deste texto: “…tem-se estudado bastante (será que só atualmente?) as chamadas “Metodologias Alternativas de Ensino””. Será que só atualmente, digamos nas últimas 2 ou 3 décadas, estes estudos de Metodologias Alternativas de Ensino foram criados e aplicados? Bom… talvez eles ficaram populares nas últimas décadas, mas as Teorias Construtivistas na educação existem há bem mais tempo. Podemos citar aqui as Teorias de Desenvolvimento Mental e Cognitivo de Piaget[3] que dizia que “para a construção do conhecimento é importante a introdução de uma situação-problema, que faz com o(a) estudante saia de sua posição de conforto de modo a raciocinar e construir seu conhecimento”; também a Teoria Socioconstrutivista desenvolvida por Vygotsky[4], que enxergava o desenvolvimento de uma pessoa sob uma perspectiva sócio-cultural (ou sócio-histórica), isto é, um(a) indivíduo(a) se estabelece em sua interação com o meio que está inserido. Sendo assim, a própria abordagem de Vygotsky nos leva a pensar um tipo de Metodologia Alternativa no processo Ensino-Aprendizado, que diverge do tipo de aula tradicional. O aclamado Paulo Freire em sua Pedagogia da Autonomia[5], afirma que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
Concluindo
Para finalizar, queria deixar um exemplo e uma dica de livro, no caso da sensacional Marie Curie. Sim, ela mesma, ganhadora de dois prêmios Nobel, em 1903 e 1934, pioneira na pesquisa de materiais radioativos, desenvolvedora da teoria da radioatividade, descobridora de DOIS ELEMENTOS químicos (Rádio e Polônio), unidades móveis de raio-x para serem usadas na Primeira Grande Guerra, realizadora de técnicas experimentais inovadoras e essenciais para o estudo de radioatividade e aplicações da mesma, etc etc etc. Não vou me estender tanto nos feitos da Marie Curie, deixo como referência os links do Portal Deviante: Scicast #126: Marie Curie, Lugar de mulher é na ciência! Parte 1, Lugar de mulher é na ciência. Part. 2. Queria neste texto comentar um feito da Marie Curie que é pouco comentado: por iniciativa DELA, e em conjunto com um grupo de amigos, foi criada “A Cooperativa” como eles a chamavam, para que uma experiência de Ensino original fosse dirigida para seus filhos.
Na “Cooperativa” (Cooperativa de Ensino) os pais repartiram as disciplinas entre eles, com uma turma pequena, com poucos estudantes compostos por seus filhos. A idade das crianças era de aproximadamente 10 anos e o esforço de cada pessoa que lecionava era que as próprias crianças realizassem as experiências, aprendendo ao fazer.
Algumas das aulas da “Cooperativa” estão contidas no excelente livro “Aulas de Marie Curie”, escrito por Isabelle Chavannes, uma das estudantes da turma da “Cooperativa”. As anotações feitas por Isabelle durante as aulas foram encontradas, e depois reescritas em livro. Neste livro, que aconselho DEMAIS para leitura tanto de pessoas iniciadas em Física quanto leigos(as), Marie Curie ensina à turma conceitos básicos e avançados, de uma maneira que hoje, e dada a discussão no início deste texto, pode ser considerada como uma Metodologia Centrada no(a) Estudante.
Um exemplo retirado do livro, ao se ensinar o conceito de “vácuo”, as crianças são apresentadas a equipamentos como Peras de Borracha para que elas próprias (!) vejam que água ou um fluido pode ser aspirado pelo equipamento, até que as crianças cheguem a equipamentos mais avançados como uma Trompa d’Água, utilizado para retirar ar de um recipiente (e assim gerar certo nível de vácuo no recipiente). As crianças são, a todo momento, convidadas a colocar a mão, cutucar, mexer nos equipamentos. Em geral as perguntas da turma não são respondidas de “bate-pronto”, mas sim são geradas outras questões de forma que a turma debata e chegue à conclusão sobre o tema. Fica então muito claro, ao menos para mim, que este tipo de Metodologia de Ensino, centrada no(a) estudante e não na figura do(a) Docente, não é uma coisa recente, tendo sido realizada com sucesso pela fantástica Marie Curie em sua “Cooperativa”.
Finalizando este texto enorme, e cheio de reviravoltas, deixo as seguintes questões:
- Dado o tipo de matriz curricular dos cursos de licenciatura no Brasil, qual o tipo de treinamento uma pessoa que se forma em licenciatura possui para tentar realizar algum tipo de Metodologia Alternativa de Ensino?
- Numa turma grande, de 40, 50 ou até 80 estudantes, é possível realizar alguma abordagem Alternativa de Ensino? Se sim, quais as principais dificuldades para se realizar?
- Existe motivação para que uma pessoa tente algum tipo de Metodologia Alternativa de Ensino em sala de aula? Há motivação financeira, de equipamentos, de estrutura física, etc para tentarmos algo desse tipo na maior parte das escolas do Brasil?
- E por último, dando talvez um gancho para um texto futuro: Metodologias Alternativas de Ensino “FUNCIONAM”? Isto é, existe um ganho de aprendizado ao se trabalhar com este tipo de abordagem?
Acho que é isso, aguardo vocês em próximos textos.
Forte abraço,
Leo.
[1] Para saber mais: https://www.b9.com.br/shows/naruhodo/naruhodo-186-o-que-sao-as-4-causas-de-aristoteles/
[2] Aqui estou pensando somente na causa material como os(as) estudantes da turma, mas podemos também pensar que a causa material fundamental seja o próprio cérebro dos(as) estudantes da turma.
[3] PIAGET, Jean (*1896-1980†). A linguagem e o pensamento da criança. Martins Fontes (1999).
[4] VYGOTSKI, Lev Semenovitch (*1896-1934†). A formação social da mente. Psicologia, v. 153, p. V631 (1989).
[5] FREIRE, Paulo (*1921-1997†). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro/São Paulo, Paz e Terra (1996).
[6] GONÇALVES-MAIA, Raquel. Marie Sklodowska Curie: imagens de outra face. São Paulo: Editora Livraria da Física (2012).
[7] Curie, Eve. Madame Curie: A Biography. Paris: Gallimard (1938).
[8] CHAVANNES, I.. Aulas de Marie Curie: anotadas por Isabelle Chavannes em 1907. EdUSP. (2007)
[9] Texto baseado em projeto de pesquisa em Ensino escrito pelo próprio autor em 2021.