Autora: Safira Barbosa Mascena*
O seriado Friends ficou famoso por contar as histórias de seis grandes amigos: Monica, Rachel, Phoebe, Ross, Joey e Chandler. Assim, se você foi um telespectador dessa época ou, até mesmo, assistiu recentemente, deve ter notado que cada um deles tem uma personalidade única carregada de características marcantes. Neste contexto, iremos explorar, por meio de uma lente psicofisiológica, o perfil intrigante de Monica Geller.
A princípio, desde criança, Monica percebe que seus pais a tratam com uma certa indiferença, o que fica nítido devido às críticas exageradas e grosseiras que recebe constantemente. Já seu irmão, Ross, é tratado com muito afeto e favoritismo.
Uma cena emblemática retrata bem esta situação: a casa de sua família é alagada e as caixas com os pertences de Ross são salvos com prioridade, em contrapartida, as coisas de Monica são usadas para proteger o carro da enchente.
Consequentemente, a personagem cresceu com uma tendência a achar que sempre precisava agradar os outros, caso contrário, as pessoas não gostariam dela. Nas atitudes, ela demonstra buscar a perfeição e a aprovação em tudo que faz, pois, automaticamente, pensa que se cometer um erro será julgada e deixada de lado, como seus pais fizeram.
Diante disso, há um estudo que explica que crianças podem desenvolver o perfeccionismo como forma de lidar com as pressões do ambiente. Logo, essa vontade de ser perfeita em tudo preenche uma lacuna deixada pela família e se transfigura, no cotidiano, em uma compulsão e obsessão por limpeza, organização e controle.
Dessa forma, a obsessão por organização vem acompanhada de pensamentos indesejados que geram sentimento de ansiedade, que só é controlada com a compulsão, ou seja, os comportamentos persistentes, regrados e irracionais que são quase sempre executados de forma ritualística e repetitiva.
Ainda, neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, podem ter relação com isso, uma vez que estas substâncias estão ligadas ao humor e à recompensa. Estas são sentidas pelas pessoas antes e após, respectivamente, realizar esses comportamentos compulsórios. Portanto, tais ações irracionais tendem a ser repetidas no futuro por serem reforçadas (recompensadas) ao suavizarem o humor angustiante prévio.
Além do mais, embora a Monica não entenda de maneira racional e consciente o porquê de fazer isso, ela se sente aliviada ao cumprir os seus rituais e suas rotinas. Isso traz percepção de segurança e previsibilidade. Desta forma, seu ambiente passa a ser altamente controlado. No caso, ela sabe quando movem os ímãs de sua geladeira, tem um aspirador de pó pequeno para limpar o grande, cria pastas organizadoras, tem onze categorias de toalhas e afirma que “quando estou ansiosa, eu limpo”.
Muitas vezes, as compulsões são acompanhadas de pensamentos recorrentes e indesejados que causam forte ansiedade e angústia, que são conhecidas como obsessões. Em certos casos, esses padrões comportamentais e cognitivos excedem o que seria esperado em condições normais e podem ser classificados como um transtorno obsessivo-compulsivo.
Pessoas altamente obsessivas e com comportamentos compulsivos significativos possuem alterações morfológicas e funcionais em uma região chamada de núcleo caudado. Esta região possui uma série de funções essenciais para o nosso funcionamento diário, incluindo a aprendizagem motora e de recompensa.
Além disso, estudos têm indicado consistentemente que pessoas obsessivas e compulsivas apresentam alterações no córtex pré-frontal, uma região localizada na parte da frente do cérebro que é responsável pela nossa capacidade de planejamento, tomada de decisão e controle das nossas emoções. Tal configuração cerebral deve dificultar o controle de pensamentos indesejados e preponderantes, ao mesmo tempo que facilita a aprendizagem de tudo aquilo que alivia a angustia provocada por pensamentos indesejados.
Isso reforça a manifestação dos comportamentos compulsivos, uma vez que se forma um ciclo vicioso: a insatisfação com a compulsão pode aumentar a ansiedade e os pensamentos obsessivos, alavancando as chances de repetir os rituais e rotinas para mitigar esses sentimentos e pensamentos incontrolados, o que vai gerar mais insatisfação.
A compulsão facilitada pela ansiedade e falta de controle pode ser vista de uma maneira mais objetiva em Friends. Em uma das cenas da série, Monica é desafiada pelos amigos a dormir sem arrumar alguns objetos que estão espalhados pela casa, o que deveria ser algo insignificante. Entretanto, ela fica agoniada e não consegue dormir, ao ponto em que precisa levantar durante a noite para arrumar tudo.
Por fim, também vale citar a ocitocina, que é um neuropeptídeo responsável por influenciar a criação de laços entre as pessoas, as cognições sociais, a ansiedade, o humor e a forma que lidamos com o medo e o estresse. Esta substância, por exemplo, vai ser liberada em abundância durante demonstrações de afeto e contato carinhoso entre pais e filhos, o que vai propiciar um forte vínculo nesta relação.
Dado o distanciamento dos pais com Mônica, é possível que esse hormônio tenha faltado durante seu desenvolvimento. Isso pode ter acarretado nessa tendência ansiosa, a qual ela descarrega nos seus padrões compulsivos já mencionados. De fato, estudos recentes têm encontrado uma significativa associação entre a expressão de genes de ocitocina, mais especificamente de seus receptores, e sintomas obsessivo-compulsivos.
Será que o vínculo parental de Monica propiciou inseguranças e dúvidas sobre as ações da personagem, promovendo preocupações em cometer erros, decisões para atender expectativas parentais e formas de evitar críticas? Certamente podemos observar em Monica que o bem-estar de uma pessoa adulta sofre uma influência significativa das relações sociais que ela estabelece com indivíduos próximos desde o início de seu desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
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* Safira Barbosa Mascena é acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).