“O seu maior inimigo é o seu próprio medo” afirmam os livros de autoajuda e as suas personificações, os coaches. Não sei se ele é o seu maior inimigo, mas ele pode ser um grande desafio na sua vida! Principalmente se ele for sutil o suficiente para se enraizar na sua rotina sem ser percebido.

Distinguir as nossas emoções, aprendendo a reconhecer as suas características físicas e psicológicas e a lidar com as suas consequências, é essencial para o nosso bem-estar e uma vida social mais saudável. A importância de entender como as emoções funcionam fica bastante clara quando pensamos sobre os nossos medos. Esta é uma emoção com causas e efeitos quase sempre muito evidentes. A maioria de nós saberá quais são os nossos maiores medos e até como evitá-los. O medo é uma emoção rápida e intensa, que não deixa margem para muitas dúvidas. Mas, quando o que sentimos é mais sutil?

O reconhecimento não é tão imediato assim quando sentimos a versão mais vaga e corriqueira do medo. Estamos falando da ansiedade! Ela é menos intensa, mas muito mais duradoura que o medo. Ela é o que chamamos de humor, uma emoção diluída e de longo-prazo. Para diferenciar um pouco mais, o medo é o que sentimos como uma resposta imediata a algo ameaçador ou perigoso, enquanto a ansiedade ocorre pela expectativa da ameaça e do risco. É uma forma de lidar com as incertezas.

Todos nos sentimos ansiedade. Sentir isso é absolutamente normal e pode funcionar como um mecanismo de autopreservação. No entanto, quando em excesso, pode se tornar problema de saúde. Aproximadamente 12% da população é afetada por algum transtorno de ansiedade. Mais do que isto, 1 em cada 4 pessoas vivenciará tal quadro clínico em algum momento de suas vidas. Algumas pessoas não fazem ideia que talvez deveriam ser diagnosticadas com algum transtorno de ansiedade, enquanto outras chamam equivocadamente seus sintomas por outros nomes, como depressão ou bipolaridade.

Por isso, precisamos conhecer um pouco mais sobre a ansiedade. Vamos juntos explorar essa caverna assustadora, chamada ansiedade, e conhecer as bases primitivas que a sustentam.

Ansiedade

A alegoria da caverna ansiogênica de Platão: Estás vendo essa sombra assustadora na parede? O nome dela é ansiedade! (Não tenha tanta resistência a um tratamento, se necessário! As sombras ameaçadoras não são a sua realidade. Você está acreditando que elas são perigosas, mas não precisam ser. Não resista tanto (a um tratamento), que achar a saída fica bem mais fácil!)
[Imagem de Markus Maurer Wikimedia Commons, Plato’s Allegory of the Cave]

 

SENTIR ANSIEDADE É NORMAL E SAUDÁVEL

Para entender bem essa história de ansiedade precisamos começar por algo bem importante que precisa ficar extremamente claro: sentir ansiedade é natural e saudável. Não há nada errado em sentir ansiedade de vez em quando. Como disse antes, todos nós sentimos.

Quem nunca ficou com dificuldades para dormir na noite anterior a um evento importante ou uma grande reunião? Ou ficou com “borboletas no estômago” (que é uma expressão mais bonita que náuseas ou ânsia de vômito) durante o início de um romance na adolescência? Ou, ainda, com as mãos tremendo ou boca seca quando foi fazer uma apresentação relevante em público? Sem falar no coração saltando do peito, nas idas mais frequentes ao banheiro ou no suor excessivo quando os problemas se acumulam no trabalho, quando os prazos estão estourados ou quando algum parente tem um problema mais grave de saúde.

Se identificou? Isto tudo faz parte da ansiedade. Isto tudo é normal e natural! Ela está aí para te ajudar… embora nem sempre pareça.

 

A ORIGEM E A NATUREZA DA ANSIEDADE

O medo evoluiu para que evitássemos perigos que colocam em risco as nossas vidas. A ansiedade é, por sua vez, uma antecipação cognitiva destes perigos; para que possamos nos preparar e lidar com eles com mais eficácia e prontidão. Portanto, a ansiedade é uma forma de aumentar a nossa vigilância para potenciais riscos à nossa sobrevivência.

O que foi bom no passado, não é necessariamente bom hoje. Estes mecanismos evoluíram para que lidássemos com riscos naturais, de milhares de anos atrás, quando a decisão entre lutar ou fugir era determinante para a nossa sobrevivência. Hoje, esse mecanismo ainda prepara os nossos corpos para a luta ou fuga. Mas, o inimigo agora é outro. O risco de um predador tirar a sua vida deu espaço ao chefe chato e sem noção, à rotina desgastante e às contas que não param de chegar. Estamos expostos a uma sobrecarga constante de estresse, contra a qual não podemos nem lutar, nem fugir (só nos resta resistir).

Como evoluímos para ter uma resposta mais aguda do que crônica aos perigos, o nosso corpo tem muita dificuldade em lidar com o estresse diário. Quando nos sentimos ameaçados um protocolo de autopreservação e de luta pela sobrevivência é acionado no nosso cérebro. Esta é a origem de muitas das principais características da ansiedade.

No corpo, o medo e a ansiedade são praticamente idênticos. Em resumo, ambos provocam uma ativação do nosso sistema nervoso autônomo – que, neste caso, é simpático –, resultando na liberação de adrenalina (e noradrenalina). Esta resposta fisiológica é uma preparação para ação e é a principal responsável pelos sintomas físicos e mais conhecidos da ansiedade: palpitações, suores, tremores, boca seca, dilatação da pupila, aumento da frequência respiratória etc. Além disso, também é ativado o eixo HPA (hipotalâmico-pituitário-adrenal), que resultará em níveis mais elevados de cortisol, o principal hormônio “do estresse” em humanos. (Há uma série de outras ativações neuronais envolvidas na ansiedade, como as respostas das amígdalas; mas evitarei aqui pelo caráter introdutório deste texto.) Esses ajustes fisiológicos servem, inicialmente, para preparar o organismo para um conflito ou uma fuga apressada, mobilizando mais sangue e energia para os músculos e interrompendo funções de órgãos desnecessários para ação (exemplo: intestino).

Em períodos especialmente difíceis e angustiantes, a nossa natureza ansiosa pode se revelar com mais força e com menos filtros. Sem tratamento, isso pode se tornar progressivamente preocupante. É aí que esse mecanismo benigno de autopreservação se torna um problema de saúde.

 

QUANDO A ANSIEDADE SE TORNA UMA CONDIÇÃO CLÍNICA?

Quando temos a tempestade perfeita; quando um organismo mais reativo ao estresse encontra uma pressão ambiental excessiva; quando o ambiente cronicamente estressante se soma a outros fatores de risco, como genética, desenvolvimento cerebral e endócrino influenciado por uma infância difícil, podem surgir os chamados transtornos de ansiedade. Estes transtornos são um quadro não-saudável da nossa ansiedade. As reações de preocupação e medo costumam ser exageradas, desproporcionais, descontroladas e/ou constantes, o que pode causar intenso sofrimento psicológico e prejuízos sociais para as pessoas acometidas.

Mantenha a Calma e… Não Entre em Pânico

Muita gente associa simplesmente os transtornos de ansiedade a uma preocupação descomunal, como se a pessoa só ficasse pensando sobre a vida, o universo e tudo mais. Quem dera fosse tão fácil diagnosticar. Tais condições ficam menos claras quando são acompanhadas por outros rótulos, como, por exemplo, perfeccionismo e procrastinação. Então, vamos conhecer um pouco mais dos sintomas comuns a maioria dos transtornos de ansiedade.

 

Sintomas

Há alguns transtornos de ansiedade e eles divergem um pouco quanto aos sintomas. No entanto, em termos gerais, a ansiedade clínica apresenta algumas características recorrentemente.

  • O medo intenso e/ou preocupação constante;
  • Sentimento difuso que algo ruim e nocivo pode ocorrer;
  • Problemas com o sono, de atenção e memória;
  • Elevada insegurança e irritabilidade;
  • Sintomas ligados a ativação do sistema nervoso simpático, como:
      • Taquicardia e alteração da pressão arterial;
      • Boca seca;
      • Sudorese e tremores nas mãos;
      • Hiperventilação (respiração ofegante) e tontura;
      • Náuseas e problemas intestinais;
      • Tensão muscular.

Dependendo do transtorno e de sua gravidade, esses sintomas podem ser mais brandos ou muito intensos. Assim, não é incomum a identificação inicial de um quadro de ansiedade patológica ocorrer em um pronto-socorro ou por um cardiologista. Em uma condição extrema, como um ataque de pânico, se soma aos sintomas descritos anteriormente, a sensação de morte iminente. Muitos pacientes acreditam piamente que estão sofrendo um ataque cardíaco.

TRANSTORNOS DE ANSIEDADE

Como disse antes, há diversos transtornos de ansiedade. Vamos fazer um apanhado geral sobre os principais e mais frequentes.

Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): É um dos transtornos de ansiedade mais comuns, afetando cerca de 5% da população mundial. Em adolescentes, a prevalência da TAG pode ultrapassar os 10%. A preocupação constante e excessiva é a principal característica desse transtorno. O cansaço, a insônia, a insegurança e as preocupações descontroladas provocadas pela TAG afetam as atividades cotidianas, causam significativos prejuízos pessoais e sociais para os pacientes. A persistência e a intensidade dos sintomas são determinantes para um eventual diagnóstico.

Transtorno do Pânico (TA): A ocorrência de sucessivos ataques de pânico pode caracterizar o transtorno do pânico, popularmente conhecido como síndrome do pânico. Os ataques desencadeiam um medo extremo e um sentimento de que algo horrível está prestes a acontecer. Juntamente com os sintomas físicos anteriormente descritos, essa condição causa uma forte percepção que a pessoa poderá morrer a qualquer momento.

Embora os ataques sejam breves, a intensidade dos sintomas e a sua recorrência causam efeitos profundos na vida do paciente. Uma pessoa com transtorno de pânico pode desenvolver agorafobia, que é o medo (fobia) de locais abertos e considerados desprotegidos. A pessoa passa a ter um grande medo de sentir medo, e acaba por ficar extremamente reclusa.

O não-tratamento ou a sua interrupção indevida pode acarretar em novos e intensos ataques de pânico.

Transtorno de Ansiedade Social (TAS): Mais conhecido como Fobia Social (e erroneamente chamado de antissocial), o TAS é o medo provocado pela exposição a interações sociais. Para pessoas acometidas por este transtorno, uma corriqueira socialização pode provocar taquicardia e tremores, e muitos dos outros sintomas associados com a adrenalina. Mas, a sua principal característica é a intensa preocupação e temor de avaliações sociais negativas. Dentre as principais consequências estão a dificuldade de interagir socialmente, o isolamento social e uma baixa autoestima.

 

Fearless Girl

Superando o medo

TRATAMENTOS PARA ANSIEDADE

Não quero acabar este texto aumentando a sua ansiedade e só falando das desgraceiras. Vamos falar de coisa boa, vamos falar das soluções e tratamentos.

Na manutenção do meio ansiogênico e na ausência de tratamento, os transtornos de ansiedade tentem a permanecer ou se agravar. Ainda bem que há diversos tratamento eficientes para ansiedade. A psicoterapia e a orientação psicológica apresentam um nível de eficácia bastante elevado para tais quadros clínicos. Quanto à medicação, se ela for necessária para o seu caso, o psiquiatra buscará um fármaco mais adequados para você e para os seus sintomas (tenha paciência, alguns testes podem ser feitos no início). Talvez o médico comece testando a classe de fármaco mais comumente usada para ansiedade, os benzodiazepínicos. Eles possuem efeitos colaterais. Na verdade, qualquer fármaco que mexa com os seus neurotransmissores possui efeitos colaterais; mas nunca interrompa um tratamento sem o acompanhamento médico. Também não se assuste com a forma como os medicamentos são chamados. Alguns fármacos são chamados de “antidepressivos” (como os inibidores seletivos de receptação da serotonina e os inibidores da monoamina oxidase), mas eles também são normalmente usados para ansiedade. O psiquiatra não errou (não necessariamente, pelo menos) ao receitar um antidepressivo.

Sem dúvida, as alterações na rotina e no estilo de vida são um dos pontos centrais de qualquer bom tratamento para ansiedade. Dicas simples já ajudam muito. Uma alimentação equilibrada, uma quantidade e qualidade adequada de sono e práticas de atividade física regular auxiliam consideravelmente na redução dos sintomas de ansiedade. Isto ajuda a diminuir o estresse, favorecendo o equilíbrio dos hormônios e neurotransmissores. Ainda, práticas como meditação vem ganhando espaço no tratamento da ansiedade. Os resultados que o mindfulness e outros tipos de meditação têm obtido para o manejo da ansiedade e do estresse são extremamente promissores.

Além disso, não adianta muita coisa fazer um tratamento caprichado e não reduzir outros fatores de risco. A manutenção de uma rotina estressante, de uma carga horária de trabalho do século XIX, e da falta de tempo para o merecido descanso e lazer, irá sabotar o tratamento. Teremos assim um cabo-de-guerra entre o tratamento e o transtorno. Ou seja, um tratamento eficiente e completo para ansiedade precisa levar em consideração a busca por uma rotina equilibrada e saudável.

Não, o seu medo não é o seu pior inimigo. O pior inimigo de qualquer pessoa é a ignorância, é não se conhecer o suficiente, é não controlar as suas reações, é não ouvir o seu corpo. Sócrates já deu a dica: conhece-te a ti mesmo (…), se o que procuras não achares primeiro dentro de ti mesmo, não acharas em lugar nenhum. Conheça bem os teus sentimentos, as suas aflições, e se preciso for, busque ajuda… sem medo de ser feliz.