Em 27 de fevereiro, o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change — Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) divulgou uma nova parte do AR6 (Sixth Assessment Report) com a contribuição do Grupo de Trabalho 3 (WG3). Esse grupo trata das questões dos impactos, adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
O IPCC faz um apanhado de toda a produção científica do mundo que trata das mudanças climáticas. O painel conta com cientistas renomados do mundo inteiro para fazer essa curadoria de artigos e elaborar os relatórios. Através desses relatórios, sabemos que a temperatura média da Terra subiu 1,1ºC desde o início da era industrial (século XIX). É importante destacar que esse valor é uma média. Os oceanos tiveram um aumento médio de 0,8ºC, enquanto os continentes tiveram um aumento médio de 1,5ºC.
Com a elevação das temperaturas, temos também efeitos nas taxas de evaporação e nos regimes de precipitação. Destacamos que as mudanças climáticas não são um efeito isolado. Cidades construídas sem planejamento, falta de aplicação de uma política de resíduos sólidos, desmatamento e alterações nos cursos dos rios são alguns exemplos de alterações no ambiente que contribuem para as mudanças climáticas e para eventos extremos.
O Brasil, um país com um território muito grande, naturalmente está apresentando efeitos muito variados das mudanças climáticas. Com relação à agricultura, esses ainda serão diferentes dependendo dos plantios.
Algumas culturas já sofreram esses efeitos, como é o caso do café no oeste de São Paulo, cuja área plantada diminuiu nos últimos anos como consequência da elevação das temperaturas. A tendência, de acordo com pesquisadores, é que o café desapareça dessa região nos próximos anos.
Os cientistas vêm alertando para o aumento do número de episódios de eventos extremos no Brasil. Thelma Krug, cientista brasileira que trabalha para o IPCC, falou com o Globo Rural em fevereiro e expressou sua preocupação com a questão do agronegócio brasileiro e as mudanças climáticas. O CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) destaca:
O setor absorve praticamente 1 de cada 3 trabalhadores brasileiros. Em 2015, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 32,3% (30,5 milhões) do total de 94,4 milhões de trabalhadores brasileiros eram do agronegócio. Desses 30,5 milhões, 13 milhões (42,7%) desenvolviam atividades de agropecuária, 6,43 milhões (21,1%) no comércio agropecuário, 6,4 milhões (21%) nos agrosserviços e 4,64 milhões (15,2%) na agroindústria.
Ou seja, se o agronegócio brasileiro quebrar, seja por razões econômicas ou ambientais, enfrentaremos uma grande crise socioeconômica. Muito além da questão das importações de soja e carne, as mudanças climáticas aterrorizam a já ameaçada segurança alimentar dos brasileiros.
É necessário mudar a maneira de fazer agronegócio, implantando de fato a gestão ambiental responsável, respeitando o tripé ambiental, social e econômico. Conter o desmatamento, fazer manejo responsável do solo e produzir para o mercado interno são algumas medidas que precisam ser incentivadas através de educação ambiental, leis e fiscalização.
Exemplos recentes
Vou citar alguns exemplos recentes de perdas agrícolas que comentei no Spin de Notícias #1584. Para o agricultor, a seca não é nada bem vinda, porém a chuva em excesso, adiantada ou atrasada também não é. Como mencionei no Spin de Notícias #1555 tivemos alguns episódios de Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) na última estação chuvosa, que também estava sob efeito do fenômeno La Niña. Com a La Niña, as ZCAS acabam se formando mais deslocadas para N-NE, provocando chuvas intensas em partes do MG, BA, ES, norte do RJ, norte da Região Centro-Oeste e leste da Região Norte.
Produtores rurais do Espírito Santo, por exemplo, tiveram muito prejuízo com o excesso de chuvas, como foi destacado em uma edição do Globo Rural em fevereiro. No município de Alfredo Chaves, as chuvas intensas danificaram as estradas rurais. A produção de tomates foi a mais prejudicada, muitos produtores relataram queda de 50% na produção. A produção de mandioquinha e inhame também foi prejudicada na mesma região.
Com relação à produção de olerícolas (verduras), temos o exemplo da seca intensa no Rio Grande do Sul. De acordo com o portal Tempo Agora, várias hortas de autoconsumo foram abandonadas em fevereiro porque não havia água para irrigação. As temperaturas elevadas e o tempo seco também favoreceram infestações de várias pragas de difícil controle, como a trípes, a mosca branca e a diabrótica. Muitos produtores de Ijuí-RS tiveram que usar água de poço para a irrigação das hortas, já que os pequenos riachos de onde a água é captada para isso estavam ressecados
Separei esses exemplos recentes pois mostram dois cenários distintos: chuvas intensas x secas intensas. São dois exemplos de impactos das mudanças climáticas na agricultura, mas se você acompanhar o Globo Rural todo fim de semana vai observar que notícias do tipo estão se tornando cada vez mais comuns por todo o Brasil e, claro, também em outros países.
Como mencionei anteriormente, acredito que precisamos mudar completamente a maneira de fazer agronegócio no país. Dessa maneira poderemos ter chances diante do implacável cenário das mudanças climáticas.