Fechando a série de textos sobre a resistência a antimicrobianos, hoje vou listar algumas ações para a diminuição da resistência a antimicrobianos que estão acontecendo no mundo, inclusive no Brasil.
Para saber mais sobre a série, você pode acessar os textos anteriores por aqui: ideia geral do tema, diferenças entre antibióticos e anti-inflamatórios, morfologia bacteriana, mecanismos de resistência bacteriana a antimicrobianos e uso de antibióticos na agropecuária.
Em 2015, a OMS lançou um plano de ação global visando a diminuição da resistência a antimicrobianos no mundo. Essas ações são voltadas ao uso de antimicrobianos ambulatorialmente (por exemplo quando utilizamos o antibiótico em casa), nos hospitais (para tratamento de infecções hospitalares ou de forma preventiva em cirurgias), na agricultura (o texto anterior abordou bastante sobre o uso de antibióticos na agropecuária) e para melhora da vigilância laboratorial e atuação de forma preventiva, como vacinas ou saneamento básico.
Neste último contexto parece mais difícil entender como o uso de vacinas pode ajudar na diminuição da resistência a antimicrobianos, mas se pensarmos que uma pessoa vacinada não adoecerá por uma infecção de determinada bactéria, ela não precisará utilizar antibiótico e, dessa forma, menos bactérias resistentes àquele medicamento serão selecionadas. Para exemplificar, uma criança vacinada contra meningite meningocócica que deixa de adoecer não precisará utilizar o tratamento para essa grave enfermidade.
Da mesma forma, se os governos investirem em saneamento básico, menos doenças relacionadas à falta dele acontecerão. Por exemplo as diarreias, sejam elas bacterianas ou não, visto que, como já discutimos no passado, não é incomum a prescrição de antibióticos para doenças causadas por vírus.
Um exemplo real da importância desses dois itens na diminuição da resistência a antimicrobianos aconteceu no Zimbábue entre 2017 e 2019. O país africano sofreu com diversos surtos de febre tifoide e cólera, doenças causadas pelas bactérias Salmonella typhi e Vibrio cholerae. Eles identificaram que a primeira bactéria era resistente ao antibiótico comumente usado para o tratamento da doença, sendo necessária a mudança para outra droga mais cara. Da mesma forma, o bacilo da cólera tinha 14 genes de resistência e por isso tinha opções bastante reduzidas de tratamento.
Consequentemente, além de intensificar ações voltadas ao saneamento básico e higiene das mãos, o país iniciou uma campanha de vacinação contra as duas doenças, voltada principalmente às crianças. Diante da resposta positiva à vacinação, a vacina contra febre tifoide passou a fazer parte do calendário nacional de imunização.
Alguns esforços são direcionados a determinados patógenos. Já comentamos sobre o problema da N. gonorrhoeae resistente, bactéria responsável por mais de 80 milhões de casos ao ano de infecção sexualmente transmissível (IST). Considerado o problema de saúde pública global, justamente pelo aumento nas taxas de resistência, em dezembro de 2021 o CDC ampliou o financiamento para a vigilância dessa bactéria para mais 30 centros.
Outras doenças estão no radar da OMS. A Tuberculose, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, foi a segunda doença infecciosa que mais matou em 2020, atrás apenas da Covid-19.
Neste mesmo ano, apenas um terço das pessoas com tuberculose resistente aos medicamentos de primeira linha tiveram acesso ao tratamento. Uma das grandes dificuldades é o fato de parte do tratamento nos casos de resistência necessitar de antibióticos injetáveis.
Recentemente, o Brasil disponibilizou dois medicamentos para o tratamento da tuberculose multidrogarresistente, tornando o tratamento completamente por via oral. Ainda que a duração de tratamento seja longa, chegando a 18 meses, facilita a adesão por parte do paciente, diminuindo transmissão e resistência a outros antimicrobianos.
E a resistência não atinge apenas bactérias. Após a descoberta da Aids, há 40 anos, antivirais começaram a ser desenvolvidos para o tratamento da doença. Em 1986, o AZT (zidovudina) começou a ser utilizado no tratamento, mas ainda com pouca eficiência. O vírus possui alta capacidade de mutação e criava resistência ao tratamento realizado com apenas uma ou duas drogas da mesma classe. Outros medicamentos surgiram, mas foi só em 1995, quando iniciou o uso do “coquetel” que a Aids passou a ser uma doença passível de controle. Hoje há ensaios clínicos em andamento que propõem o uso de medicamentos semanais ou com aplicação subcutânea a cada seis meses.
Já a malária, doença causada pelo protozoário Plasmodium sp., também tem casos de resistência documentados. Em 2018, pesquisadores de Ruanda identificaram os primeiros casos de resistência à Artemisinina, medicamento de primeira linha no tratamento do Plasmodium falciparum, causador da forma mais letal da doença. Em 2021, a OMS passou a recomendar a vacinação de crianças na África subsaariana baseada nos resultados do projeto piloto que acontece em Gana, Quênia e Malawi. Cabe ressaltar que esta vacina ainda não está disponível comercialmente e, em caso de viagem a locais com alta prevalência da doença, outras formas de prevenção são indicadas.
E o que temos feito por aqui em termos de política pública para a diminuição da resistência a antimicrobianos?
Em 2018, o Brasil lançou o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única – PAN-BR. O Plano prevê:
- Educação dos profissionais e gestores da saúde – melhora da prescrição e gerenciamento dos medicamentos,
- Fomento à pesquisa relacionada ao tema,
- Estruturação de laboratórios para melhorar a identificação de microrganismos de interesse,
- Desenvolvimento da vigilância também na agropecuária, tanto laboratorial quanto no uso de medicamentos – até então, a vigilância era restrita à saúde humana (quem nunca comprou antibiótico em farmácia veterinária sem receita?). Esta etapa começou a ser implementada em 2021
- Ampliação da cobertura vacinal conforme PNI,
- Saneamento básico e acesso à água potável.
Por isso, ainda que os dados sejam assustadores, há muito que pode ser feito na tentativa de diminuir ou ao menos reverter o problema. Muitos esforços são necessários por parte dos governantes, é verdade, mas cada um pode fazer a sua parte para contribuir com a diminuição da resistência a antimicrobianos.
Cabe a nós cobrarmos políticas públicas voltadas ao tema, escolhermos produtos que tenham menor impacto no ecossistema e descartarmos adequadamente restos de medicamentos. Só com a ação de todos poderemos combater esses microrganismos (im)batíveis.
Referências:
https://www.cdc.gov/drugresistance/solutions-initiative/global.html
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/tuberculosis
https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04143594