Continuando a escrever sobre melhorias na fabricação de alimentos nos últimos anos (para acessar o primeiro texto, clique aqui), eu não poderia demorar para falar da inovação baseada em princípios de sustentabilidade dentro da indústria de alimentos. Existe só uma forma de se explorar a sustentabilidade? Como cada indústria pode adaptar sua necessidade para a construção de sua postura ambientalista ou eco-friendly? Existe problema em sermos sustentáveis “pela metade”? Tudo isso espero ajudar a responder hoje. Lembrando que este é um texto que aborda exemplos reais e possibilidades futuras, ainda existe muito a ser estudado sobre sistemas mais complexos de qualidade ambiental, zoneamentos e certificações. Mas fica a possibilidade em aberto para mais textos sobre o assunto!

O Brasil foi um país consolidado em um ambiente rico em matérias primas (no linguajar popular dos países, “criado no leite com pêra”), onde o cuidado com relação ao ambiente laboral, cultural e natural nunca foi dado como prioridade para a qualidade de vida no trabalho [8]. As pegadas ecológicas das indústrias do ramo alimentício sempre foram altas, representando alta quantidade de fluxos de material e energia para sustentar o setor e para manter o consumo das pessoas.

Países e empresas viram a necessidade de se adequarem aos protocolos internacionais como o protocolo de Quioto (1992) para mitigar suas externalidades negativas (seus efeitos ruins na produção) e tentar angariar lucros onde normalmente não haviam possibilidades. Diferentes metodologias para fazer esta transição de paradigma ecológico foram necessárias para chegar onde estamos, como a metodologia Zeri que preconiza princípios de ecologia para dentro da organização de trabalho [4]. Tentando manter uma relação entre empresas e acadêmicos, descobriu-se que muitos resíduos de algumas empresas são riquezas para outras companhias, demarcando redes de contato para diminuir os custos ambientais da produção e descobrir novas formas de conseguir dinheiro onde antes não se imaginava! O pensamento sistêmico desta filosofia tem ajudado na fabricação de algumas medidas que iremos ler mais adiante.

Indústrias alimentícias ao redor do mundo têm trabalhado com medidas de controle e gestão ambiental (eco-auditoria, green marketing, registros de controle, análises de risco e impacto potencial) e com medidas de pesquisa e desenvolvimento (biotecnologia, hidrólise, fermentação, aproveitamento de subprodutos, embalagens biodegradáveis etc).

Um exemplo bem prática da indústria do coco foi a utilização do resto do fruto para manter as caldeiras de pasteurização da água de coco aquecidas (a pasteurização é a morte de microrganismos por calores extremos), diminuindo significativamente o desperdício e o custo de transporte deste recurso. Partes como a fibra do coco, o coco ralado e o leite de coco ajudam a indústria a angariar outros lucros que antes seriam completamente desperdiçados, sendo que hoje em dia essa metodologia de trabalho já está bem mais consolidado do que há 20 anos atrás, quando ainda era uma novidade a idade de reaproveitamento [9].

O principal objetivo com as medidas de qualidade ambiental usando tecnologia é a diminuição de impactos dos resíduos, causando a minimização dos danos ambientes pelos coprodutos. A implicação do valor de resíduos produzidos na indústria só pode ser feita com a valoração ambiental (colocar valor nesses descartes). O valor do resíduo pode ser dado não somente pelo custo do mesmo (transporte para descarte, espaço e efeitos na saúde etc) mas também pela perda de matéria-prima e de rendimento que o mesmo representa, já que se ele existe, algo poderia ter sido feito de forma melhor [1]!

 

O soro de leite (resíduo líquido da indústria queijeira) já foi tido como algo negativo para as fábricas, levando a descartes imensos em rios e riachos próximos. Agora, o subproduto é completamente valorizado, sendo utilizado na fabricação de biscoitos, massas, bolos, iogurtes, bebidas lácteas e é o principal ingrediente do whey protein devido a sua alta taxa proteica [11]!

A manutenção ruim de um programa de gerenciamento ambiental e de descartes representa a criação de diversos tipos de custos: custos diretos (manufatura, operação, P&D etc), custos ocultos (processos trabalhistas e de advogados ligados ao rejeito) e de contingência (reação e mitigação). Somente com processos de tecnologia mais eficientes conseguiremos diminuir os problemas ligados aos resíduos [1]. Vamos agora dar uma olhada em um exemplo prático que existe no mercado sobre o assunto!

A utilização de embalagens de plástico se tornou um custo de imagem muito grande para as empresas. Por um lado, observamos a sua adoção desenfreada e, por outro, clientes observando o impacto dos mesmos em oceanos, alagamentos e na paisagem [2]. Pensando nisso, indústrias de embalagens de alimentos estão testando novas ferramentas de supply chain conectadas, usando o gerenciamento do ciclo de vida do produto (PLM, da sigla em inglês), ajudando em estratégias de testes, preços, rastreamento e monitoramento das suas embalagens! Uma estratégia única para a valoração ambiental e, também, para descobrir os impactos holísticos de alteração em embalagens, bem como saber sobre o progresso da transição para modelos menos poluentes.

Desta forma, tendo por base o rastreamento dos produtos, a indústria pode saber onde a embalagem vai estar e por quanto tempo (algo que, antigamente, não era de sua responsabilidade), ajudando na definição de estratégias de mitigação de danos ambientais condizentes com sua atuação. Não será só mais uma indústria inflexível, fazendo pouco caso de seu papel no mercado. O mesmo pode ser feito usando alimentos, rastreando suas origens para saber mais sobre o seu processo de produção.

A maior empresa de processamento de alimentos da China irá começar a usar o rastreamento de alimentos para descobrir se a Soja comprada no Brasil seria de origem legal ou de áreas degradadas, com a fiscalização por terceiros do processo de produção já para 2021 [12]. O governo brasileiro pode querer implantar melhores medidas de controle sobre o desmatamento amazônico para que os investidores internacionais invistam mais no Brasil, sem medo dos danos ambientais do desmatamento ilegal para a produção de soja e carne em áreas do cerrado e da floresta amazônica. O dinheiro dos investidores internacionais fornece um bom estímulo para melhores estratégias de controle e diminuição do desmatamento, sendo um estigma que o país irá passar nos próximos anos

E por falar em carne, um exemplo bastante “futurista” batendo na nossa porta está acontecendo em laboratórios de P&D e de universidades em diversas partes do mundo. Células-tronco musculares de um bovino vivo em reprodução assistida representa o surgimento de uma nova indústria da carne, totalmente feita em laboratório e com zero mortes de animais! Com a utilização de outros componentes, como microfibras de gelatina para dar formato e suco de beterraba para a coloração, a carne de laboratório promete a criação de componentes inteiros e de alto valor comercial utilizando células pluripotentes. Um dos maiores problemas pode ser a falta de gordura (o “marmoreio”, responsável pelo sabor tão palatável), representando um desafio na consistência desses produtos [3].

Sabendo que a produção de produtos cárneos pode não conseguir devido ao aumento da sua pressão ambiental até 2050, este tipo de inovação a base de células pluripotentes ou células-tronco musculares pode ajudar a na adaptação para modelos de vida mais sustentáveis, aumentando as áreas agrícolas para outros usos [3]. Vai ser interessante acompanhar o crescimento desta tendência mundial nos próximos anos.

Inovações em sustentabilidade que não saem da boca dos especialistas sempre envolvem pelo menos essa palavra: biotecnologia. Ela foi responsável por angariar fortes recursos nos maiores polos de inovação pelo mundo e promete revolucionar antigos costumes e processos dentro e fora da indústria de alimentos. Regiões ricas em recursos genéticos únicos e em biodiversidade como a Amazônia representam potencialidades maravilhosas para o cenário nacional, tanto que podemos vivenciar a revitalização de um novo polo de biotecnologia tão importante na Zona Franca de Manaus [10]! O centro pode ser responsável por produtos mais baratos e novas tecnologias em corantes, aromatizantes, pigmentos para alimentos e a produção de óleos essenciais, usando microrganismos cultivados in vitro ou em biorreatores para a formações dos compostos esperados. O polo também pode atuar na diminuição de rejeitos industriais pelo tratamento bioquímico, acarretando em valores sociais em conhecimento industrial e acadêmico, e quem sabe mudar algumas visões sobre o real papel da conservação e da bioeconomia na vida das pessoas…

 

Visando à diminuição dos efeitos sanitários e ambientais da utilização de antibióticos (e a proibição deste tipo de promotor de crescimento em alguns países), estuda-se a possibilidade de uso dos óleos essenciais – óleos extraídos de ingredientes naturais – para o controle microbiano, como o orégano para inibir o aparecimento de Escherichia coli. O Brasil é o maior exportador de frango do mundo e saber sobre as novas tendências será de crucial importância para manter sua posição. Foto da reportagem de Christiane de Fernanda de Queiroz [7].

Mesmo ditando todos estes benefícios de ecomarketing e de melhoria organizacional, algumas empresas esperam a utilização de partes destas tecnologias pra querer se passar como boazinha perante o público-alvo. Utilizar uma postura eco-friendly enquanto por trás pode estar, por exemplo, cometendo crimes e injúrias ambientais, sendo uma postura dita greenwashing [6]. Para sermos verdadeiramente “eco amigos” de dentro do ambiente industrial precisamos estar investindo em ações e passivos ambientais, propondo melhorias, optar por energias renováveis e buscar sempre o que há de melhor em certificações ambientais. Todas essas mudanças precisam surgir de forma espontânea e em ambientes colaborativos aos novos empreendimentos. A falta de flexibilidade de serviços públicos de alguns estados, por exemplo, é responsável pelo aumento de empresas na informalidade, condição do qual a pessoa não vê grandes estímulos para o meio ecológico circundante, sendo impraticável pensar em melhorias de qualidade ambiental e em licenciamento [5].

Todos estes esforços são passos para a consolidação da economia ecológica (que surge por cima da economia ambiental ou verde) e de um modelo de sociedade dita ecocêntrica (acima do modelo antropocêntrico já existente, que impõe o homem no centro dos objetivos). A abordagem do modelo de sociedade baseada na ecologia de populações nos coloca em posição de equidade aos animais e demais seres do planeta, porém com responsabilidades perante a proteção dos recursos terrestres.

Espero ter ajudado a responder algumas dúvidas sobre o tema. Ajudar na postura ambientalista na indústria de alimentos pode parecer laborioso, burocrático e sem sentido muitas vezes, mas qualquer solução tecnológica, operacional ou de paradigma é um passo na consolidação destes novos estigmas! Quer ajudar na criação de mais textos como este? Por favor, compartilhe e comente suas experiências prévias, cada informação incrementa muito nesta nova área de estudos, até a próxima!

 

Referências:

 

[1]: TIMOFIECSYK, Fabiana do Rocio; PAWLOWSKY, URIVALD. Minimização de resíduos na indústria de alimentos: revisão. Boletim do Centro de Pesquisa de Processamento de Alimentos, v. 18, n. 2, 2000. Disponível em: < https://revistas.ufpr.br/alimentos/article/viewFile/1212/1012> Acesso em 22 mar. 2020;

[2]: RIBEIRO, Willians. Indústria da embalagem em tempos de sustentabilidade. Segs, 17 mar. 2020. Disponível em: <https://www.segs.com.br/demais/221410-industria-da-embalagem-em-tempos-de-sustentabilidade> Acesso em 22 mar. 2020;

[3]: VITAL, Ana Carolina Pelaes et al. Produção de carne in vitro: nova realidade da sociedade moderna. PUBVET, v. 11, p. 840-946, 2017. Disponível em: <https://www.pubvet.com.br/artigo/4144/produccedilatildeo-de-carne-in-vitro-nova-realidade-da-sociedade-moderna> Acesso em 02 jul. 2020;

[4]: CASAGRANDE JR, Eloy Fassi. Inovação tecnológica e sustentabilidade: possíveis ferramentas para uma necessária interface. Revista Educação & Tecnologia, v. 8, p. 97-109, 2004.

[5]: PEDUZZI, Pedro. Centro de biotecnologia quer criar novo polo industrial no Amazonas. Agência Brasil, Economia, 15 mar. 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/centro-de-biotecnologia-quer-criar-novo-polo-industrial-no-amazonas> Acesso em 22 mar 2020;

[6]: DINO. Greenwashing e eco-friendly: Qual a diferença e em que lado a empresa sustentável quer estar. Portal Terra, 18 mar. 2020. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/dino/greenwashing-e-eco-friendly-qual-a-diferenca-e-em-que-lado-a-empresa-sustentavel-quer-estar,152f883260012412e950f9f9fc4a9ac8tnb0kf91.html> Acesso em 22 mar. 2020;

[7]: QUEIROZ, Christiane Fernanda de. Óleos essenciais se apresentam como opção aos antibióticos promotores de crescimento na alimentação de aves de corte. O Presente Rural, Avicultura, 25 jun. 2019. Disponível em: <https://opresenterural.com.br/oleos-essenciais-se-apresentam-como-opcao-aos-antibioticos-promotores-de-crescimento-na-alimentacao-de-aves-de-corte/> Acesso em 24 mar. 2020.

[8]: GEBLER, Luciano; PALHARES, Julio Cesar Pascale. Gestão Ambiental na agropecuária. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2007. 314 p. (Embrapa Uva e Vinho; Embrapa Suínos e Aves; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento);

[9]: CALLADO, Nélia Henriques; PAULA, D. R. Gerenciamento de resíduos de uma indústria de processamento de coco–estudo de caso. In: 20º CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL. Rio de Janeiro. 1999;

[10]: AMAZONAS, Atual. “O CBA é o embrião do inadiável polo de biotecnologia da Amazônia”, diz Antônio Silva. Coluna Follow Up, Portal Amazonas Atual, 26 jun. 2020. Disponível em: <https://amazonasatual.com.br/o-cba-e-o-embriao-do-inadiavel-polo-de-bioeconomia-da-amazonia-diz-antonio-silva/> Acesso em 02 jul. 2020;

[11]: ZANATTA, Diogo. Soro antes descartado vira matéria-prima para iogurtes e biscoitos. Mais lucro no leite, Portal GAUCHAZH, 10 out. 2013. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/campo-e-lavoura/noticia/2013/10/soro-antes-descartado-vira-materia-prima-para-iogurtes-e-biscoitos-4296594.html> Acesso em 02 jul. 2020/

[12] IRAJÁ, Victor. China quer rastrear produção de soja no Brasil para coibir desmatamento. Portal Veja Economia, publicado em 03 jul. 2020. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/china-quer-rastrear-producao-de-soja-do-pais-para-coibir-desmatamento/> Acesso em 23 jul. 2020.