O Japão tem um complexo sistema de reciclagem e políticas voltadas para evitar o desperdício e otimizar a coleta de descartes. Mas nem tudo é tão eficiente quanto parece.
Os 3R
A “3R Initiative” é uma iniciativa global que promove os “3R”: Reduzir, Reutilizar, Reciclar, para a construção de uma sociedade mais robusta na ciclagem de materiais através do uso eficiente de recursos e materiais.
Ela foi determinada durante a Cúpula do G8 em 2004 e formalmente lançada em 2005 no Japão. Segundo a iniciativa, “Reduzir” significa escolher utilizar as coisas com cuidado para reduzir a quantidade de lixo gerado; “Reutilizar” envolve o repetido uso de itens ou partes de itens que ainda têm aspectos utilizáveis; e “Reciclar” é o uso do próprio descarte como recurso. A recomendação é minimizar a geração de lixo focando primeiramente na redução, seguido pela reutilização e então reciclagem.
Falar dos “3R” se tornou popular no Japão, tendo apoio da população e ministros.
A separação do lixo
As regras para o descarte de diferentes materiais e objetos podem ser confusas ou difíceis de seguir, especialmente para quem não está familiarizado com o sistema ou a língua.
Nas ruas há uma notável falta de lixeiras, mas em alguns estabelecimentos, como parques e lojas de conveniências, o lixo é separado em duas categorias principais: queimável ou não queimável. Basicamente plásticos e embalagens vão no lixo não queimável, mas o que estiver sujo ou com restos de comida e materiais orgânicos vai no lixo que será incinerado. E também há lixeiras separadas especialmente para latinhas ou garrafas pet, um dos itens mais reciclados no Japão.
Em casa, as regras de reciclagem de cada bairro ou prefeitura se aplicam, e existe uma cartilha a seguir para separar o lixo queimável, plástico, papelão, metal, garrafas, vidros, e outros mais, e deixar na rua no dia e hora certo para a coleta de cada tipo. As instruções especificam até separar a tampa e o rótulo de uma mesma embalagem em lixos diferentes. E caso precise descartar algum objeto especial como eletrônicos, deve-se levar até um ponto de coleta, ou no caso de móveis e objetos maiores, é preciso contratar o serviço de coleta especial e pagar uma taxa para a retirada.
Apesar de todo esse cuidado, quanto do lixo é realmente reciclado? E queimar tanto material pode ser considerado ecológico?
Ao contrário do que pode parecer, o Japão na verdade tem uma baixa taxa de reciclagem, com a excessão de garrafas plásticas.
Exemplo na reciclagem de garrafas plásticas
Cerca de 85% de todas as garrafas plásticas são recicladas, com a meta de atingir 100% em 2030. Uma das medidas para facilitar isso é uma lei determinando que todas as garrafas sejam produzidas em plástico transparente (assim não há a geração de lixo plástico colorido que não tem demanda para reciclagem — a diferenciação das garrafas fica no formato e rótulo, que é também aplicado de forma bem fácil de ser separado da garrafa, sem restos de cola, etc.).
No entanto, as taxas de reciclagem de outros materiais, inclusive papel e vidro, são baixas. Em 2020, desconsiderando PETs, a taxa total de reciclagem foi de 20%. Oficiais dizem que 86% do lixo plástico no Japão é reciclado, mas 56% disso é destinado à reciclagem térmica, que incinera o lixo para gerar energia, o que pode liberar gases do efeito estufa na atmosfera.
A maior parte do lixo plástico é enviado para países como a Malásia e o Vietnã (após a China ter banido a reciclagem internacional em 2017). Nesses países o lixo também costuma ser incinerado. Os recicláveis que ficam no Japão acabam se acumulando em lixões pelo país, ou é incinerado em complexos locais.
Esses “lixões” na verdade são bem mais limpos do que se possa esperar. Apesar da incineração em si não ser tão ecológica, as cinzas e resíduos são enterrados em um sistema de camadas que favorece a decomposição, e o terreno pode ser utilizado no futuro.
Embalagens e mais embalagens
Há ainda outro problema notável no Japão: o excessivo consumo de plásticos de uso único.
Embora as pessoas costumem seguir as regras do descarte, o Japão é um dos maiores consumidores de plástico per capita no mundo, disputando o primeiro lugar com os Estados Unidos.
Quando você compra um pacote de bolachas, tem uma embalagem externa, uma interna, uma bandejinha interna, e ainda cada biscoito embalado individualmente, e em plásticos resistentes e estampados. Frutas e legumes também frequentemente são envoltos individualmente em mais de uma camada de plástico, para proteção e apresentação.
Há algum tempo um estudante de colegial recolheu muitas assinaturas para uma petição para parar com o excesso de embalagens. Mas também recebeu críticas. Muitas pessoas querem as embalagens individuais, seja pela praticidade ou aparência. Uma delas dizia: “Quando minha avó vem visitar, eu quero dar a ela seus próprios biscoitos”.
Outra razão pode ser o caso Glico-Morinaga — em 1980, as duas companhias, entre outras, receberam cartas anônimas dizendo que doces com cianeto haviam sido distribuídos para suas lojas — e desde então as embalagens individuais com plástico grosso são consideradas mais seguras.
Lixo industrial
A rápida industrialização do país a partir das décadas de 70 e 80, trouxe grandes melhorias para a economia e qualidade de vida, mas também teve consequências ruins, principalmente relacionadas a degradação do meio ambiente. Não apenas pela grande quantidade de recursos utilizados nas fábricas, mas também pela poluição, emissões e contaminação. Diversos acidentes industriais se devem à poluição, como o caso da doença de Minamata – resultado da contaminação de mercúrio na baía de Minamata, com sintomas similares aos enfrentados por populações na Amazônia no Brasil, devido à contaminação de mercúrio causada pelo garimpo. O documentário “Amazônia – a nova Minamata?”(2022) relata as duas histórias e suas similaridades.
Esses problemas aumentaram a preocupação com o lixo e meio ambiente na população, e parte da mídia e política também vem se engajando nisso. Mas ainda há muitos aspectos negligenciados.
Apenas em 2020 o Japão passou a cobrar pelas sacolinhas plásticas de mercado, e ainda é um assunto debatido entre consumidores e políticos.
Desperdício de alimentos
O Japão também é um dos líderes mundiais em desperdício de alimentos. Frutas, legumes e comidas com aspecto fora do padrão ou perto de expirar não são vendidos e acabam indo para descarte. Algumas regras rígidas sobre as datas de validade também acabam levando ao desperdício de alimentos ainda seguros para consumo. Por exemplo, fabricantes costumam seguir a regra do “um terço” da data de validade, ou seja, se um produto não é entregue ao distribuidor em até 1 terço do tempo para expiração da validade, ele é descartado. Em comparação, o limite adotado nos Estados Unidos é de “metade” do tempo, e na maioria dos fabricantes da Europa é de “dois terços”.
Porém, nos últimos anos também houve um crescimento de iniciativas para lidar com o desperdício de comida. Além de cooperativas e serviços de assinatura ou entrega de alimentos considerados fora do padrão ou perto do vencimento, mercados e lojas de conveniência também vêm adotando medidas como a utilização de frutas fora do padrão para produção de smoothies e um planejamento para evitar a produção em excesso — atualmente é comum no Japão chegar em uma loja ou restaurante e alguns ou vários itens do cardápio estarem esgotados pelo dia.
O governo almeja diminuir o desperdício de alimentos em 50% até 2030.
Cultura e consumismo
A sociedade japonesa também apresenta tendências de consumo conflitantes.
Por um lado, o coletivismo e diversos desastres naturais (e “não naturais”) fortalecem a cultura do “mottainai” — sem desperdício — procurando aproveitar até o último grão de arroz.
Também existe uma forte cultura de comércio de itens de segunda mão — é comum encontrar e frequentar brechós para garimpar roupas, móveis e eletrônicos.
Por outro lado, fortes tendências de cultura e moda, como o culto à estética kawaii, inúmeros mascotes e marcas, e disponibilidade dos mais variados produtos, dos mais inúteis e inusitados aos mais práticos e projetados para um único fim muito específico, geram um consumismo bastante intenso, aumentando também a quantidade de descarte.
A cidade lixo-zero
A pequena cidade de Kamikatsu, na Ilha de Shikoku no sul do Japão, com seus apenas 1500 habitantes, ficou famosa por sua meta de chegar à geração de zero lixo — com 100% do lixo sendo reciclado. Kamikatsu foi a primeira cidade a introduzir o sistema de separação de lixo em 9 categorias, em 1997, que aumentou até 45 categorias em 2016.
Em 2019, 80.7% do lixo da cidade é reciclado. Segundo o chefe do centro de reciclagem da cidade, isso é o máximo que eles conseguem atingir nas atuais circunstâncias, pois o restante depende de mudanças na forma de fabricação dos produtos e materiais. Por isso, além de reciclar o lixo possível, o centro também tem iniciativas de educação e cooperação com fabricantes e universidades para incentivar práticas mais sustentáveis.
Mas e o Brasil?
Apesar de muitos locais contarem com serviços de coleta seletiva, a maioria das cidades não tem esse serviço. No entanto, catadores de itens recicláveis acabam suprindo parte da demanda, tornando-se fundamentais para o pouco de reciclagem que conseguimos fazer. Ainda assim, é um serviço precarizado de baixa remuneração.
A falta de regulamentações voltadas para garantir produtos mais “recicláveis” também colabora para a geração de lixo e desperdício de materiais.
De acordo com dados da PNRS, cerca de 30% de todo o lixo colhido no Brasil têm potencial de reciclagem, mas apenas 3% são reaproveitados e transformados novamente em produtos.
O plástico é um dos principais componentes do lixo: das 11 milhões de toneladas produzidas por ano, apenas 145 mil (cerca de 1%) são recicladas. Isso faz do Brasil o 4° maior produtor de lixo plástico e o que menos recicla em todo o mundo.
Em termos de desperdício de alimentos, também não estamos bem. Segundo a ONU, O Brasil está em 10º lugar entre os que mais desperdiçam alimentos no mundo, cerca de 30% do alimento produzido é descartado. Isso é ainda mais triste considerando que 8,7 milhões de brasileiros enfrentam insegurança alimentar e nutricional grave. Um problema causado pela desigualdade social e pelo modelo de produção e distribuição de alimentos.
Reavaliar e alterar esse sistema é um caminho para combater tanto a fome quanto o desperdício e geração de lixo excessivo.
Ao menos, uma coisa que os brasileiros se destacam é na arte da gambiarra. Ainda que na maioria das vezes motivada pela falta de recursos, reutilizar itens e partes de itens para outros propósitos também é uma maneira de ser sustentável.
Consciência ambiental
As medidas com maior impacto para alcançar uma sociedade mais sustentável deve ser tomada pela indústria e governos.
Com campanhas de conscientização e conversando sobre o tema também podemos fazer melhores escolhas individuais de consumo fazer com que as empresas e governos também vejam vantagem em adotar essas medidas.
Começando por entender a cadeia de produção e descarte dos itens que consumimos no dia a dia e pensar duas vezes antes de escolher um produto para comprar ou antes de descartar algo que ainda pode ser utilizado (Isso não é uma desculpa para acumular potes), além de descartar de maneira mais reciclável, como limpar e levar a pontos de coleta, ainda que dê mais trabalho, na medida do possível, podemos fazer diferença.