Acredito que todos saibam um pouco sobre ecossistemas, não é mesmo? Aquele que é objeto de estudo da Biologia, em especial da Ecologia. Com estes estudos de cunho ambiental, somos capazes de retirar ideias novas e criativas para melhorar ambientes ao entorno, ou talvez transferir conhecimentos para áreas que mais necessitam. Mas e se eu falar que, no cenário alimentar, estes estudos ecossistêmicos também são importantes?
No texto de hoje, iremos entender um pouco sobre o que são os ambientes alimentares. Também irei indicar a observância da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) a respeito da classificação desses ambientes. Vamos nessa?
Antes de tudo, precisamos entender como a Losan opera. Aliás, você já leu sobre ela aqui? Ela é a lei que assegura o acesso regular e permanente de alimentos com qualidade e quantidade adequadas [1]. A lei também assegura a oferta de gêneros alimentícios que sejam ambientalmente, culturalmente, economicamente e socialmente sustentáveis. Ou seja, garante a integridade identitária do ser humano com respeito às escolhas alimentícias.
Porém, há diversos desafios que impedem a presença de todos esses benefícios de maneira integral. Alguns são da natureza da cadeia agroalimentar local, mas também podem ser derivados de problemas ambientais (como poluição ou contaminação), ou até mesmo pelo comprometimento de renda da população.
Para termos ideia dos aspectos da Losan, há diretrizes relacionadas com acesso à alimentação adequada e saudável (incluindo a água), saúde, nutrição, e acesso aos serviços relacionados (vigilância sanitária, em que eu trabalho), educação (sanitária e nutricional), programas relacionados, renda e condições de vida [2]. Ou seja, a Losan precisa estar de olho em muitas frentes para completa efetividade!
Todas essas peculiaridades são observadas através do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que é justamente regulado pela Losan. O acesso a alimentos adequados e saudáveis ainda é um estigma que precisa de métricas para serem analisados [2]. E justamente para isso foram criados os conceitos de ambientes alimentares.
De maneira geral, o ambiente alimentar é uma métrica multidimensional para traçar o acesso aos alimentos em certo espaço geográfico [4]. A análise contempla estabelecimentos alimentícios que, pela venda ou distribuição, propiciam oportunidades ou barreiras à alimentação adequada. Há diversos tipos de ambientes alimentares, todos com suas próprias características e identidades.
Supermercados, sacolões e feiras-livres são apontados como indutores da alimentação saudável [4]. A proximidade desses estabelecimentos então aumenta a oferta de frutas e hortaliças à população imediatamente próxima. Porém, a falta desses catalisadores acarreta geralmente em fome oculta, insegurança e desnutrição.
Um exemplo desse fenômeno ocorre nos desertos alimentares. Nesse macroambiente, as pessoas residem a mais de 1,6 km de mercados ou mercearias [1]. Em localidades rurais, a distância pode chegar a 16 km. Ou seja, deve ocorrer um grande deslocamento para acesso de alimentos, baseado em indicadores censitários regionais ou sub distritais.
Porém, não somente a oferta de alimentos é um indicador de qualidade na alimentação. Há, por exemplo, locais que distribuem mais facilmente alimentos de alto nível calórico e ultraprocessados [5]. A presença desses estabelecimentos em prevalência, considerando também um nível mais baixo de renda da população mais próxima, é condição para a formação de um pântano alimentar.
Os pântanos também são precursores da chamada fome oculta. Esse fenômeno nutricional ocorre quando nos alimentamos caloricamente bem, porém ainda fica faltando micronutrientes essenciais para nossas funções vitais. Diversos problemas de saúde podem se desenvolver com esse quadro. Leia mais sobre ele aqui!
Há também o conceito de oásis alimentar, por vezes chamado de floresta alimentar também. Ele diz respeito à presença ampla e acessível de alimentos saudáveis, in natura ou minimamente processados em um raio de 800 metros [7]. Alguns textos ainda preferem fazer a separação por “floresta alimentar” para indicar um boom de oferta e diversidade de tais alimentos, como em feiras e empórios nas imediações. Porém, esta última abstração ainda é emergente.
Com estas digressões norteadoras, muitos dados interessantes podem ser tratados sobre o comportamento alimentar de certa região. Entretanto, especificidades precisam ser levadas em consideração para um bom levantamento. O fator natural, bem como a sazonalidade de oferta, pode ser um agente que cria barreiras ou acessos facilitados a determinados gêneros alimentares em janelas de tempo diferentes. Uma boa pesquisa socioeconômica precisa, acima de tudo, considerar as características da Antropologia Nutricional de determinado microambiente.
Caso ampliemos esse tipo de estudo, a governança pública terá respaldo para criação de redes sociotécnicas para lidar com a insegurança alimentar. Podemos até mesmo ter o desenvolvimento de novas modalidades de ambientes alimentares, com características específicas para cada microlocalização.
Estudos geográficos que tentam marcar a deslocalização do consumo popular ou a “savanização” de florestas alimentares podem surgir no futuro. Com base neles, a governança pública poderia criar uma série de incentivos fiscais ou logísticos a fim de reflorestar os espaços.
Quem sabe, no futuro, não teremos “caatingas alimentares”, “cerrados alimentares” ou “amazônia alimentar”, para indicar a presença de gêneros alimentares específicos em certos locais? Estudos sobre a ocupação e o hibridismo cultural poderiam ganhar um grande aliado para embasar seus resultados.
O que você acha desses estudos de ambientes alimentares? Conseguia pensar neste desdobramento da Losan? O que mais você acha que pode acontecer com o desenvolvimento dessa área? Comente aqui sobre o que achou do texto! Até a próxima!