Langston Hughes, escritor negro norte-americano, nasceu em Joplin, Missouri, em 1901, teve suas primeiras publicações em 1921 e 1922, ainda muito jovem.

Escrever, publicar e ganhar notoriedade não é tarefa fácil para um homem negro nos dias atuais, pois tristemente vivemos dentro de uma ótica colonial que respira as consequências terríveis de séculos de escravização e opressão racial. Para Hughes, certamente as barreiras eram muito maiores que as atuais.

Após a Guerra Civil norte-americana (Guerra da Secessão), em que os estados do Norte (União, a favor da abolição) e os estados do Sul (Confederados, contra a abolição) brigaram por quatro anos chegando à decisão de interromper as práticas de escravidão, esperava-se um novo mundo, mais justo e igualitário. Em 1865, com a abolição, o que se viu foi uma sociedade ainda intensamente racista, com segregação, violência e sem oferecer espaços para que a população negra pudesse estabelecer sua cidadania.

No Renascimento do Harlem, movimento político-cultural que teve início na década de 20, cerca de 60 anos após a abolição, foram os descendentes (na sua maior parte, os netos) de pessoas escravizadas que se destacaram na literatura e na música, fazendo parte de um novo movimento, de uma nova arte.

Hughes foi um deles. Ele escreveu sobre questões identitárias, sobre a luta antirracista, sobre as dores de seu povo e, simultaneamente, sobre música e arte, e a potência das mesmas.

Os poemas de Hughes são um destaque, mas é importante lembrar que além da vasta produção em poesia, o autor também escreveu romances, contos, peças de teatro, ensaios e até mesmo livros infantis. Ele foi um escritor muito produtivo e atuante, consciente de seu papel de artista, do potencial transformador da arte.

Na relação com o jazz e o blues, Hughes foi e ainda é considerado o maior poeta, o grande criador da jazz poetry. Eric Hobsbawm, historiador, afirma que:

No meio dos escritores negros, naturalmente, o jazz foi mais influente, embora apenas uns poucos – destacamos Langston Hughes – tenham sido influenciados séria e consistentemente pelo blues. Muitos dos escritos de Hughes são meros blues, como poderiam ser compostos e cantados por qualquer violeiro.

Hobsbawm dá como exemplos os poemas Hey! e Gal’s cry for a dying lover, que poderiam facilmente ser musicalizados, já que ambos têm estruturas idênticas às canções de blues. Segue o poema Hey!:

Sun’s a settin’,
This is what I’m gonna sing.
Sun’s a settin’,
This is what I’m gonna sing:
I feels de blues a comin’,
Wonder what de blues’ll bring?

Tradução nossa:

O sol está se pondo
E é isso que eu vou cantar
O sol está se pondo
E é isso que eu vou cantar
Eu sinto o blues chegando
Me pergunto o que ele vai me trazer.

A repetição dos dois primeiros versos é muito comum nas canções de blues. A sequência musical de 12 compassos poderia ser visualizada neste poema. Cada verso poderia equivaler a dois compassos. Os quatro primeiros versos seriam base para chegar ao clímax, representado pelos dois últimos versos.

Hobsbawm também aponta que alguns escritores da geração beat foram fortemente inspirados pelo jazz, como Jack Kerouac, e destaca também Vachel Lindsay, que escreveu Daniel Jazz.

Mas não somente Hobsbawm, como também outros críticos literários e historiadores, vão concordar que a poesia hughesiana é única, no sentido de se relacionar tão diretamente com o jazz e o blues. Ricardo Aleixo afirma que na escrita de Hughes há “uma concepção da arte de dizer” muito própria, em que se fala cantando, em que se canta falando. Segundo Aleixo:

Ao se aproximar do blues e do jazz, o poeta tem plena consciência que é na gênese e nos inúmeros desdobramentos desses gêneros musicais que ele terá que buscar os temas, motivos e procedimentos técnicos e formais para compor a sua poesia que, ao tentar falar o mais diretamente possível com a comunidade, recua, simbolicamente, até aqueles tempos remotos em que seus ancestrais sequestrados no continente africano se empenhavam em firmar os fundamentos de uma nova linguagem em meio à luta diária pela sobrevivência no chamado Novo mundo.

Desde os spirituals, nas plantações de algodão do Sul dos Estados Unidos, em que pessoas escravizadas faziam do canto com a percussão a sua oração, pode-se perceber o quanto a música traz sentido para as vidas das pessoas em sofrimento, o quanto traz esperança e alimenta a alma. O canto dos spirituals, acompanhado na maioria das vezes somente de palmas dentro de um mesmo ritmo, não se distancia muito da poesia declamada que é o jazz poetry.

Hughes, ao falar o mais diretamente possível com a sua comunidade, ao expressar suas dores e suas vitórias, resgatando a ancestralidade e ressignificando a modernidade de sua época no Renascimento do Harlem, trouxe a musicalidade própria de seu povo para seus poemas. Não somente a estrutura e cadência típicas dos blues, mas também os sentidos, o esperançar que vem dos spirituals.

De acordo com Elio Souza, “Hughes incorpora a voz do negro sujeito, perseverante e consciente de sua humanidade e valores”.

A poesia hughesiana é consciente, alerta, exalta o povo negro em sua intelectualidade, seus talentos e sua beleza, como em I too (Eu também):

I, too, sing America.

I am the darker brother.
They send me to eat in the kitchen
When company comes,
But I laugh,
And eat well,
And grow strong.

Tomorrow,
I’ll be at the table
When company comes.
Nobody’ll dare
Say to me,
“Eat in the kitchen,”
Then.

Besides,
They’ll see how beautiful I am
And be ashamed—

I, too, am America.

 

Tradução nossa:

Eu, também, canto a América.

Eu sou o irmão mais preto.
Quando chegam as visitas,
Me mandam comer na cozinha
Mas eu rio
E como bem,
E vou ficando mais forte.

Amanhã,
Quando chegarem as visitas
Me sentarei à mesa.
Ninguém ousará
então,
me dizer,
“Vá comer na cozinha”.

Sem contar que
Verão como eu sou bonito
E terão vergonha –

Eu, também, sou a América.

 

Neste emblemático poema, Hughes destaca que o povo negro também faz parte da América, de sua construção e identidade. Ele afirma que vai gargalhar, e comer bem, e crescer forte. Também afirma que vai se sentar à mesa e todos verão como é bonito.

O que Hughes busca aqui é a cidadania, é se sentir incluso na sociedade. Ele busca a felicidade, o bem-estar, a saúde. E ao mesmo tempo a sua autoestima. Este poema começa com o verso “I, too, sing America”. Ou seja, ele quer cantar a América, quer musicar a sua vida norte-americana. Como afirma Elio Souza:

No entanto, aliado ao lamento, ao canto triste dos bluesman afro-americanos, a linguagem poética do texto veicula uma mensagem de esperança e otimismo. Inaugura na literatura negra o orgulho e a alegria de ser negro. Expõe o preconceito racial branco à ironia da alegria transgressora e à desobediência civil do negro.

Blues significa tristeza, lamento, melancolia. Na língua inglesa, dizer que “I feel blue” significa “Eu me sinto triste”. E o gênero musical blues, assim como seu irmão de sangue jazz, traz realmente muito desse lamento. Contanto, Hughes, com sua originalidade, transforma essas estruturas rítmicas em esperança, otimismo e orgulho. Ele faz da “alegria transgressora” sua principal arma.

Com suas palavras diretas e precisas, sua voz densa e compassada que mesmo falada parecia música, suas influências artísticas diversas e profundas, Langston Hughes fez seu nome e ainda hoje é considerado um dos grandes poetas da literatura norte-americana.

Para ler ou ouvir jazz, é preciso ter profundidade, conhecer a nossa história, ter humanidade e consciência. Segundo Berendt, “Ser capaz de ouvir jazz significa, em primeiro lugar, ter sensibilidade para essa beleza”.