A alimentação é um ponto crucial na determinação de grupos e identidades. Não é por menos que eventos políticos e sociais são cercados de banquetes e tira-gostos. Em reuniões oficiais ou debates privados, a alimentação surge como elemento agregador e facilitador entre a troca de ideias, memórias, símbolos e demais elementos subjetivos.
No texto de hoje, irei demonstrar a importância da alimentação como elemento diplomático nos debates e reuniões políticas. De maneira geral, quero introduzir os conceitos de gastrodiplomacia e diplomacia alimentar, bem como analisar suas peculiaridades. Vamos nessa?
Já analisamos a importância do ato político como determinante da cultura alimentar do Brasil e do mundo, como podemos ver neste link aqui. A refeição, dessa forma, indica o prestígio político no relacionamento entre atores, instituições e, inclusive, nações [1]. O soft power (poder brando) instaurado pelo ato comensal é capaz de comunicar ações e exibir poderes latentes, facilitando as relações diplomáticas.
Almoços, jantares e banquetes são elementos essenciais de encontros diplomáticos, mas não somente na esfera legal do Estado [2]. Na casa do carioca e do mineiro – aquelas que eu tenho mais conhecimento de causa – não é tão incomum que encontros sejam seguidos de café fresco, biscoito, pães, bolos e queijo. Mesmo que o assunto da mensagem não seja um dos melhores, não é considerado “educado” deixar o comunicador esperando por um aperitivo. Estes são pequenos símbolos essenciais em trocas diplomáticas na esfera política como um todo.
Há muitas maneiras pelas quais existe o reforço singular da alimentação como suporte diplomático. Porém, duas vias são consideradas essenciais no meio diplomático de Estados nacionais. Por essas vias, representantes legais viabilizam a formação de visões sobre as pessoas, a arte, cultura e o poder do povo visitado. Tudo isso só com refeições!
A política escoa diplomacia pela via alimentar pelas vias da gastrodiplomacia ou da diplomacia alimentar. A via gastrodiplomática ocorre quando se utiliza de certa gastronomia local como meio de facilitar as interações de poder baseadas em prestígio. Há, de certa maneira, a exposição cultural e entretenimento com esse substrato simbólico-material, sendo este evento tão antigo quanto à própria diplomacia.
Há ainda três subdivisões alinhadas com essa via. A gastrodiplomacia pública recai sobre a missão diplomática que trabalha com a divulgação de cozinhas para outras nações. Necessariamente, ocorre a participação pública em eventos originados dessa missão [1]. Eventos que promovem o turismo gastronômico encontram-se nessa classificação, como o festival Minas é o Mundo [4]. Com o espetáculo ocorrido em Belo Horizonte, de 13 a 15 de setembro de 2022, populares puderam conhecer de perto algumas exclusividades culinárias de países como: Portugal, Síria, Líbano, Japão, México, Itália e Inglaterra.
A gastrodiplomacia privada ocorre entre os círculos de alto poder político, em que a cozinha do país apresenta-se como catalisador para discussões diplomáticas. Nestas refeições políticas, é normal que reafirmações e pontuações sejam sempre postas à mesa. Um exemplo ocorreu em um jantar organizado pela Associação Nacional de Advogados do Brasil (ANAUNI) [5]. Na ocasião, o presidente da instituição, Clóvis Andrade, agradeceu pela sensibilidade dos deputados e senadores por compreender a respectiva pauta da carreira.
A última subdivisão ocorre com indivíduos em ocasiões cotidianas. Ela recai sobre o cidadão comum que, de maneira voluntária ou involuntária, apresenta e inicia a cultura alimentar a um visitante de outro espaço social [1]. Esta é a chamada gastrodiplomacia de pessoa-a-pessoa, em que os encontros e os restaurantes típicos tornam-se os maiores objetos de observação do fenômeno.
Em consonância com o acontecimento gastrodiplomático, existe outra utilização de alimentos como meio de barganha entre entidades, nações e indivíduos. Consolida-se o alimento – e suas respectivas forças produtivas – como capital valorativo na reiteração de alianças ou manutenção de tratados e programas. A este fenômeno chamamos de diplomacia alimentar, e há também diferentes maneiras de acontecer.
Ela ocorre, por exemplo, quando países enviam mantimento para regiões afetadas por guerras ou catástrofes naturais. O ato é visto como maneira de reforçar alianças diplomáticas e prestar assistência aos desamparados. Apesar de lembrarmos de muitas missões entre instituições e países, o mesmo também pode ocorrer entre estados/regiões do mesmo país ou até mesmo entre entidades sociais ou indivíduos comuns, como doações para regiões afetadas por enchentes no Brasil.
Enquanto escrevia este texto, a Rússia de Vladimir Putin vetou o Acordo de Grãos, que garante o abastecimento correto e frequente de alimentos para outros países mesmo em tempos de guerra na Ucrânia. O governo russo afirma que o acordo desbalanceou o poder político a favor da Ucrânia, grande exportador de commodities agrícolas. Pela primeira vez na década, os alimentos tornaram-se arma de guerra institucionalizada em conflitos internacionais. Essa disputa demonstra o pior lado da alimentação…
A politização dos atos alimentares, como já deu para perceber, é um evento político que enaltece patrimônios como indicação geográfica (leia mais aqui), patrimonialização de bens gastronômicos (enaltecimento de culturas alimentares), gastropolíticas (medidas contra insegurança alimentar) e ativismos sociais (alimentos orgânicos, agroecológicos e direitos dos animais de abate). Não por menos, a via gastroculinária é uma das favoritas à realização de encontros e trocas sociais no cotidiano.
Já havia pensado sobre esse lado diplomático dos alimentos? Consegue pensar na importância da via política para fortalecer a saúde e a educação das pessoas? Não esqueça de comentar antes de sair. Até o próximo texto!