No dia 26 de julho de 2023, ocorreu uma explosão em uma cooperativa agroindustrial na cidade de Palotina, no interior do estado do Paraná, na qual infelizmente dez trabalhadores perderam a vida. Esse caso traz à tona a necessidade de as indústrias entenderem melhor os perigos associados a poeiras combustíveis e os cuidados que devem ser tomados em suas instalações para controlar esse risco.
A poeira de que estamos falando não é aquela que se acumula aí nos móveis da sua casa, que sobe quando você varre ou sacode um lençol. Esse tipo de perigo está nos pós em grande quantidade, presentes nas indústrias, que formam volumosas nuvens quando movimentados.
Vale ressaltar que nem todos materiais em pó são combustíveis: é o caso da maioria dos minerais e óxidos, como terras, areia, cal, etc. Os tipos de poeiras que podem se inflamar e, portanto, explodir em determinada circunstância são os sólidos combustíveis pulverizados (como celulose, madeira, carvão e enxofre), pós orgânicos (derivados de alimentos e grãos secos, por exemplo) e metais em pó (como alumínio e zinco em pó).
Como já falamos em um texto anterior, o efeito explosivo ocorre quando uma reação química (neste caso, a reação é a combustão dos sólidos em pó) produz gases em uma velocidade muito rápida (mais rápida do que a capacidade do ar ao redor de conseguir “abrir espaço” para esses gases gerados).
Normalmente, sólidos combustíveis (como madeira, carvão ou papel, por exemplo) queimam lentamente, pois dependem do contato da sua superfície com o oxigênio do ar. Isso porque as moléculas de oxigênio ao redor do sólido são consumidas pela reação de combustão de modo que, para a queima continuar, novas moléculas de oxigênio precisam se aproximar da superfície do sólido. Nesse ritmo, os gases produzidos pela reação conseguem empurrar o ar ao redor sem que haja um deslocamento abrupto, que causaria o efeito explosivo. O resultado que vermos é uma queima relativamente lenta ao invés de uma explosão rápida.
Esses mesmos sólidos, no entanto, quando pulverizados, ficam dispersos e têm uma área de contato com o ar bem maior. A dispersão dessa poeira no ar é um fator importante para o aumento de área de contato sólido-ar, pois, se a poeira estiver sedimentada, a área de contato efetiva do sólido com o ar acaba não sendo muito diferente de quando o sólido está em pedaços maiores.
Portanto, se o sólido pulverizado for combustível (que é o caso dos pós de carvão, de madeira, de celulose ou de alimentos secos) seu comportamento quando disperso no ar é similar ao de gases inflamáveis, ou seja, a mistura da poeira no ar, caso entre em contato com uma fonte de ignição (mesmo se for uma fonte de baixa energia) pode se inflamar rapidamente. Quanto mais fina a partícula da poeira, maior a área de contato do sólido com o ar e, portanto, mais rápida e violenta é a combustão.
Em ambientes industriais, a fonte de ignição que desencadeia a combustão pode ser uma chama aberta (como maçarico ou forno), uma faísca gerada na instalação elétrica ou ainda uma descarga elétrica ocasionada por acúmulo de eletricidade estática.
Pelas condições pontuadas acima, se os sólidos em pó estiverem parados, não é esperada a ocorrência de incêndios ou explosões. A maior propensão a acidentes se dá durante a sua movimentação, como no carregamento (em que grandes quantidades de pó são despejadas em silos ou carretas), nas transferências por dutos e nas limpezas das instalações. Essas atividades “levantam muito pó”, o que favorece a dispersão das partículas no ar, formando “nuvens de poeira” que eventualmente pode encontrar uma fonte de ignição como explicado acima.
Uma explosão de poeira combustível, mesmo que pequena, ainda pode gerar uma espécie de efeito dominó, aumentando suas consequências catastróficas. Normalmente, as indústrias que lidam com esse tipo de material têm acumulado em suas instalações camadas dessa poeira. A onda de choque de uma primeira explosão, mesmo se for pequena, tende a levantar a poeira acumulada no ambiente. A dispersão dessa grande quantidade de poeira que antes estava sedimentada acaba se inflamando com a energia da primeira explosão menor, criando uma série de explosões subsequentes, o que aumenta ainda mais a destruição.
Mais um fator que tende a agravar as consequências desse tipo de acidente é o confinamento. Isso porque a reação de combustão causa o aumento da quantidade de gases (n) e a elevação da temperatura (T), o que, conforme a Lei Geral dos Gases (p•V = n•R•T) aumenta proporcionalmente o volume (V) e a pressão (p) da mistura ar-poeira.
Se a mistura explosiva não estiver confinada, aumentam-se ambos volume e pressão (no caso, a elevação de pressão é transmitida para o ar ao redor da mistura, sob a forma de “onda de choque”). Quando confinada, o aumento de volume é restringido pelas paredes internas do equipamento ou duto de modo que, para compensar a elevação das moléculas de gases e da temperatura, quem aumenta ainda mais é a pressão, resultando em ruptura da contenção e em uma onda de choque ainda mais intensa do que se a poeira não estivesse confinada.
As medidas de prevenção normalmente recomendadas incluem a adoção de sistemas de controle de poeira e de ventilação adequados, além da utilização de dispositivos elétricos e equipamentos mecânicos que não gerem faíscas ou aquecimento que possam ser uma fonte de ignição. Além disso, realizar inspeções regulares e manter as áreas limpas também são práticas importantes para reduzir os riscos de explosões nesses ambientes.
O perigo de explosão de poeiras combustíveis é conhecido a séculos: existem relatos antigos sobre explosão de padarias pela presença de farinha dispersa no ar próxima ao forno a lenha e diversas explosões em minas de carvão iniciadas pela chama das lanternas. Ainda assim, a discussão a respeito desse tema é relativamente recente, com os principais materiais de pesquisa e as normas de segurança para adequações das indústrias sendo lançados a partir dos anos 2000.
Este assunto ainda é muito pouco conhecido pelas empresas que lidam com poeiras, principalmente no ramo agroindustrial, em que os produtos principais são grãos, enquanto as poeiras combustíveis existem como subproduto consequente das operações e são muitas vezes ignoradas. No entanto, é muito importante que o tema seja mais discutido e as indústrias tenham mais conhecimento sobre os riscos das poeiras explosivas para que possam prever e garantir medidas de proteção que vão salvar as vidas dos seus trabalhadores.