Muitas tecnologias prometem remodelar a maneira como encaramos a comida, bem como a consumimos. Uma dessas tecnologias chegou de esteira com as impressoras 3D, mas ainda está em plena construção prática nos laboratórios. Essa é a manufatura aditiva de alimentos!

No texto de hoje, irei iniciar uma discussão sobre como funciona a construção 3D de alimentos. Afinal, o futuro será de alimentos manufaturados? Posso mandar fazer uma pizza por impressora? É isso que espero responder hoje!

Precisamos dar uma olhada rápida sobre o que é manufatura aditiva. O pressuposto básico dessa tecnologia é a fabricação pela adição de matéria-prima para compor peças e objetos reais [1]. A confecção de modelos digitais se dá por meio de uma máquina – impressora 3D – que confecciona o produto desejado pelo empilhamento de camadas em duas dimensões. Pela variação dos eixos de largura, comprimento e altura, o objeto ganha características em três dimensões.

Desde 2007 já existem tecnologias em exploração no campo da manufatura de alimentos. Porém, a ideia de aditivos comestíveis é incrivelmente nova, com a indústria já desenvolvendo toda uma série de produtos que podem passar pelo processo de manufatura, sem perda sensível de suas características.

Antes de tudo, precisamos saber qual matéria-prima consegue desenvolver produtos interessantes na manufatura [1]. Nem toda substância consegue dar origem a alimentos aceitáveis, por isso que muitas pesquisas se concentram em encontrar a matriz alimentar adequada à manufatura aditiva. Para isso, precisa-se estudar as propriedades reológicas da substância. Qualidades como transformação da matéria, viscosidade, plasticidade, elasticidade e escoamento entram nesta classificação. A matéria-prima das estruturas 3D encontra-se na forma de massa (extrusado) antes da modelagem.

 

Imagem 1: Formulação personalizada, empresas completamente automatizadas e domínio de entrega na cadeia alimentícia. Estas são algumas das diversas possibilidades levantadas por Cristina Leonhardt em seu artigo ao Portal Food Conection. O texto também traz o importante conceito de ultrapersonalização ao consumidor de alimentos. Na imagem, podemos observar um biscoito amarelado sendo formado por meio de cinco camadas de extrusado saindo de um tubo. Este é o mecanismo da impressão 3D de alimentos.

 

A matriz alimentar ideal para manufatura depende, acima de tudo, da textura ideal. Há escalas de texturas ideais para cada tipo de combinação e manufatura, variando de firme (consistente), passando por macio, suave, e até mesmo granular. A combinação e concentração de hidrocoloides (gomas) também são importantes para criação dessa matéria-prima. 

Cada tipo de alimento pode variar no tipo de goma utilizada e na sua concentração [1]. Para fazer chocolates personalizados, por exemplo, há pesquisas que afirmam haver a necessidade de 4% de gelatina tipo pectina [3]. Para bolo, é necessário 0,5% de gelatina combinada com 8% de goma xantana.

Cada camada é sobreposta por cima da camada anterior. Caso a consistência não seja adequada, não haverá a formação de liga que mantém o alimento em sua forma idealizada. Por isso que a proporção adequada de hidrocoloides é importante que ele esteja adequado com o processamento térmico, natureza e propriedades químicas da matriz alimentar.

Contudo, nem tudo são flores com essa tecnologia. Muitos consideram a abordagem aditiva ainda com poucas funcionalidades [4]. Entre os principais problemas, encontra-se a palatabilidade, ou seja, a função do alimento agradar ao paladar de maneira complexa, com mistura de sabores e interações de componentes. Essa ainda é a principal barreira para adoção em larga escala dessa tecnologia.

 

Imagem 2: Artigo do Portal Agroband destaca trabalho da Embrapa na formulação de filés de peixe por impressão 3D. Estruturas análogas ao filé de peixe foram desenvolvidas com matriz alimentar baseada em vegetais [5]. O uso desse sistema impõe novos paradigmas aos produtos plant-based e também à segurança de alimentos. Na imagem, podemos observar sete unidades fálicas de um alimento alaranjado, cercados por um retângulo de bordas arredondadas feito do mesmo material. Na ponta de cada unidade, é possível observar uma bolha viscosa saindo da cavidade de cada alimento. Todos parecem dispostos numa mesa de aço inoxidável ou bandeja de alumínio.

Para lidar com esse problema, algumas equipes de pesquisa trabalham com o conceito de ingredientes como “cartuchos de tinta”. Dessa maneira, consegue-se formular alimentos com complexidade maior de cor, sabor, textura e consistência [5]. A equipe de Hod Lipson, da Universidade de Colúmbia, por exemplo, utiliza até seis cartuchos de ingredientes. Seu processamento, inclusive, dispensa o forno, pois o próprio laser da impressora garante o tratamento térmico!

A tecnologia da indústria 3D de alimentos aos poucos ganha espaço no mercado. Garantir ecossistemas de indústrias de apoio, bem como arquivos de receitas de acesso aberto e economia criativa, serão os próximos passos nesse novo segmento alimentício.

Muitas novidades poderão surgir com esse novo estilo de busca alimentícia. Provavelmente, haverão novas regras para lidar com a segurança alimentar de “cartuchos de matriz alimentícia”, bem como novas possibilidades ao setor de alimentação em regiões extremas, como no espaço. Isso daria um interessante episódio de Contrafactual, não é mesmo?

Será que poderemos sonhar com refeições instantâneas em nossa casa? Como ficarão os serviços de alimentação? E quais serão as novas receitas oriundas dessa tecnologia? Deixe seu comentário e até a próxima!

 

Referências
[1]: WILTGEN, Filipe. Perspectivas da Manufatura Aditiva na Construção de Alimentos. Revista de Engenharia e Tecnologia, v. 13, n. 4, 2021.
[2]: LEONHARDT, Cristina. A impressão 3D de alimentos já faz parte dos seus esforços de P&D? Portal Food Conection, 27 abr. 2022. Disponível aqui.
[3]: COHEN, D. L.; LIPTON, J. I.; CUTLER, M.; COULTER, D.; VESCO, A.; LIPSON, H.,Hydrocolloid Printing: A Novel Platform for Customized Food Production. Proceedings of Solid Freeform Fabrication Symposium, pp.807-818, 2009.
[4]: BLUTINGER, Jonathan David et al. The future of software-controlled cooking. npj Science of Food, v. 7, n. 1, p. 6, 2023.
[5]: Imagem de Adilson Werneck, Embrapa. REDAÇÃO. Peixe fake? Cientistas usam impressão 3D para produzir filé de pescado. Portal Agroband, 03 out. 2023. Disponível aqui.