No texto anterior, tomando como estudo de caso a detonação de 2.750 toneladas de nitrato de amônio no porto de Beirute, vimos quais são os fenômenos físicos envolvidos em uma explosão e por que seus efeitos tendem a ser catastróficos. Agora, vamos entender as condições termodinâmicas necessárias para que uma reação tenha um poder explosivo.
Como foi citado anteriormente, para que uma reação gere tamanha sobrepressão a ponto de ser explosiva, três fatores precisam ser satisfeitos:
- O aumento de moléculas de gases
- Temperatura alta
- Reação rápida
Antes de entrar em cada um desses fatores, vamos falar sobre a seguinte lei dos gases:
Em que “P” = pressão; “V” = volume ocupado pelo gás; “n” = quantidade de mols de gás; e “T” = temperatura absoluta do gás (“absoluta” significa que a unidade pode ser Kelvin, mas não graus Celsius ou Fahrenheit); e os índices “1” e “2” se referem às condições antes e depois, respectivamente, de determinada alteração.
Essa fórmula pode ser vista como uma variação daquela famosa equação de Clapeyron “p∙V = n∙R∙T”, mas aplicada para quando há uma mudança do estado 1 para o estado 2, que pode ocorrer por motivos diversos (reação química, mudança de fase, troca de calor, fluxo de matéria, trabalho exercido por uma força externa, etc.). Na análise a ser feita neste texto, vamos nos ater à mudança de propriedades causada por reações químicas.
Interpretando essa fórmula, uma vez que uma reação gera aumento da quantidade de gás e/ou da temperatura, há consequente aumento ou de pressão e/ou de volume. Com essa compreensão, conseguimos explorar aqueles três fatores que citamos lá em cima que desenvolvem um efeito explosivo.
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O aumento de moléculas de gases
É importante salientar que sólidos e líquidos ocupam volumes bem menores e que a fórmula acima não se aplica a eles.
Um exemplo que ajuda a entender o aumento de volume e pressão em função do aumento de moléculas de gás é o que acontece com o acionamento do air bag. O interior do air bag possui uma substância chamada azida de sódio (NaN3), que, por ser sólida, ocupa pouco espaço (o volume do air bag fechado). Quando submetida a uma ignição (acionada por sensores que detectam uma batida do veículo), a azida de sódio se decompõe. No interior do air bag está presente também o nitrato de potássio (KNO3), que reage como sódio (Na) resultante daquela decomposição, de modo que a equação global da reação que ocorre fica assim:
10 NaN3 (s) + 2 KNO3 (s) → K2O (s) + 5 Na2O (s) + 16 N2 (g)
Perceba que cada 12 moléculas de sólidos (à esquerda da equação) geram 16 moléculas de gás nitrogênio, que ocupam muito mais volume que os reagentes sólidos.
Considerando que a fórmula p∙V = n∙R∙T se aplica apenas ao N2 (g) (pois as demais substâncias envolvidas nesta reação são sólidas), temos aqui um exemplo em que quando “n” aumenta de um lado, “p∙V” vai aumentar também do outro (nesse caso em particular do air bag, tem-se um volume significativamente maior e uma pressão ligeiramente maior).
Quando um air bag dispara, o que temos não é uma explosão. Isso porque o fator que aumenta é apenas o “n”. Como a reação que ocorre não é tão exotérmica, não há uma elevação significativa no fator “T”, o que limita o aumento do “p∙V”.
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Temperatura alta
Como vimos acima, para uma reação ser explosiva, não basta apenas aumentar o “n”, temos que ter o “T” elevado também. Isso ocorre em reações exotérmicas.
Combustões são exemplos de reações exotérmicas. Quando sólidos ou líquidos combustíveis ou inflamáveis reagem com o oxigênio, libera-se gases como o gás carbônico e vapor d’água. Vamos tomar como exemplo a combustão do etanol (C2H6O):
C2H6O (ℓ) + 3 O2 (g) → 2 CO2 (g) + 3 H2O (g)
Portanto, a queima do etanol aumenta a quantidade de gases em 66% (cada molécula do combustível gera 5 moléculas de gases no total, a partir de 3 moléculas do gás oxigênio que são consumidas).
Além disso, a reação de combustão libera energia suficiente para elevar a temperatura (por causa dessa característica que as chamas resultantes das combustões são tão quentes). A temperatura que a chama e os gases atingem depende de quais são as substâncias envolvidas, mas, para se ter uma ideia, é comum que em reações de combustão atinja-se valores de 1900 a 2500 °C, o que, em escala absoluta, representa um incremento entre 7 e 10 vezes (escala absoluta é aquela em Kelvin, lembrando que a temperatura ambiente é aproximadamente 300 Kelvins).
Portanto, o ar ao redor de uma reação de combustão tem seu “p∙V” aumentado proporcionalmente à quantidade de gases gerada e à temperatura atingida em escala absoluta. No exemplo da combustão do etanol, o aumento de “n” e de “T” multiplicados chega a 13 vezes. Essa é, portanto, a proporção do quanto “p∙V” vai aumentar também.
Aqui entra mais um fator que é o confinamento. Se essa combustão ocorre em uma poça de etanol derramada no chão, o volume dos gases quentes se expande livremente, sem elevação da pressão (apenas o “V” cresce no lado do “p∙V”), e não temos a pressão dos gases fazendo barulhos estrondosos e nem rompendo estruturas. No entanto, se o etanol estiver confinado (como num tanque de combustível de um carro, por exemplo, ou numa garrafa) o volume não consegue crescer na proporção necessária, e portanto quem vai compensar é o aumento de pressão. Temos então um tanque detonado ou uma garrafa estourada por uma explosão. Vale ressaltar que para acontecer isso não basta ter o combustível confinado, são necessários outros fatores, como presença suficiente de oxigênio, sem o qual a reação energética de combustão não ocorre, e uma energia inicial, como uma fagulha elétrica ou outra fonte de fogo.
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Reação rápida
Como citado acima, o confinamento é uma das características para uma combustão explosiva. No entanto, seu efeito explosivo tende a ser local: a pressão gerada em confinamento destrói o próprio recipiente e a pressão residual causa o efeito de empurrar tudo ao redor até que a energia seja dissipada. Essa condição por si só é capaz de causar um grande estrago, mas existe outra condição que pode ter efeitos ainda mais catastróficos: reação rápida.
Se uma reação for extremamente rápida, a velocidade da geração e expansão de gases pode ser maior do que a do ar ao redor se afastando. Dessa forma, esse ar não tão rápido causa uma resistência contrária à expansão dos gases gerados. O resultado é um efeito similar ao confinamento, mas em que a “parede” é formada pelo próprio ar que não se afastou a tempo. Quando analisamos o aumento do “p∙V” da fórmula, considerando que o crescimento do volume fica limitado pelo ar, ocorre uma sobrepressão para que a multiplicação “p∙V” consiga acompanhar proporcionalmente o grande aumento da multiplicação “n∙T”. O resultado é uma sobrepressão que causa os efeitos destrutivos apontados no texto anterior.
Alguns casos em que reações com essa velocidade podem acontecer:
- A queima das chamadas “misturas explosivas” de gases inflamáveis, que são misturas em determinada concentração de combustível em estado gasoso e ar (contendo oxigênio) – essa combustão ocorre rapidamente devido ao fato de as moléculas de oxigênio já estarem próximas das moléculas do gás a ser queimado, não necessitando daquela reposição ineficiente do oxigênio quando está oxidando a superfícies de um líquido ou sólido.
- Queima de combustíveis em pó ou aerossóis dispersos no ar (contendo oxigênio) – trata-se da combustão de sólidos ou líquidos, mas numa configuração que lhes permita ter alta superfície de contato com o oxigênio.
https://youtube.com/watch?v=8t5iTunRkO4
O vídeo mostra a combustão rápida e energética da farinha (que é um exemplo de combustível sólido em pó) quando suspensa no ar e exposta à uma chama.
- Decomposição das substâncias explosivas – esses compostos podem se decompor gerando gases (aumentando o número de moléculas de gases), exotermicamente (elevando a temperatura) e sem precisar de reação com um reagente externo, como o oxigênio, por exemplo (o que permite que a reação seja mais rápida).
Compostos nitrados, como nitrato de amônio, TNT, nitroglicerina, nitrocelulose, entre outros, podem, sob determinadas condições, se decompor dessa forma citada no último item acima. No próximo texto, vamos tratar especificamente da química destas substâncias e como se dão as suas decomposições explosivas, tal como a que desencadeou a detonação em Beirute.
REFERÊNCIAS:
BURRESON, Jay; LE COUTEUR, Penny; Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. Os Botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
RIGBY, Sam. Blast wave time of arrival: A reliable metric to determine pressure and yield of high explosive detonations. The University of Sheffield, 2021.
Wikipdeia – Airbag < https://en.wikipedia.org/wiki/Airbag >
Wikipédia – Temperatura adiabática de chama < https://pt.wikipedia.org/wiki/Temperatura_adiab%C3%A1tica_de_chama >