Períodos de crises costumam preceder polarizações políticas e escolhas de líderes ou governos mais conservadores. Guerras e recessões econômicas podem ajudar a alavancar nomes como o de Margareth Thatcher, Ronald Reagan e Fernando Collor.

A crise financeira de 2008 antecedeu tanto a onda conservadora que varreu a América Latina, quanto a pasokificação (colapso dos partidos de centro na Europa). Contudo, isso não é um fenômeno recente. A iminência de uma ameaça externa ou de uma “crise moral”, mesmo que fictícias, já foram utilizadas diversas vezes para legitimar a ascensão de conservadores ao poder. O Plano Cohen dos integralistas, o golpe militar de 1964, Mussolini, Hitler e a cúpula do partido Nazista, dentre outros, já se valeram do enfrentamento à “ameaça comunista” para angariar apoio popular para suas ações conservadoras. Já George Bush e Donald Trump utilizaram a “guerra ao terror” para o mesmo fim.

Fig 1. O medo do grande inimigo. Cartazes anticomunistas e antissemitas para recrutamento da SS (Tropa de Proteção Nazista) e propaganda do Partido Nazista, unificando o judaísmo e o comunismo como o maior perigo para a Europa.

O Brasil já se mostrou um país de muitos riscos e incertezas. Passamos por diversas crises, golpes de estado, inflações descontroladas, ditaduras e muita pobreza e violência urbana. O medo está presente no dia-a-dia dos brasileiros, assim como o conservadorismo. Sim, a imensa parcela conservadora do congresso não é de agora, o legislativo brasileiro sempre tendeu ao conservadorismo social.

Mas, o que explica essas guinadas conservadoras em períodos de crise?

O Fator Medo

Muitos jornalistas têm atribuído o atual conservadorismo brasileiro às novas ferramentas de comunicação e às mídias sociais, como o Whatsapp e o Facebook, além da disseminação das fake news. No entanto, isto não está totalmente correto. As notícias falsas que circulam no Whatsapp são apenas o meio, a origem é muito mais primitiva: o medo.

A indução do medo aumenta o conservadorismo de uma população. Essencialmente, uma crise (escassez de recursos) leva a incerteza sobre o futuro, desencadeando medo e ansiedade. Ou seja, o medo provocado pela disputa por recursos intensifica os conflitos e a aversão ao risco.

Somos animais, evoluímos e nos desenvolvemos em grupos de primatas: estamos sujeitos a boa parte das influências biológicas que vemos no comportamento de outros hominídeos. O medo foi, e ainda é, uma emoção determinante para a sobrevivência da nossa espécie. Porém, o que evoluiu para fazer com que a gente evitasse danos físicos e riscos à nossa vida também pode influenciar o nosso voto – e você achando que o seu voto era puramente racional.

O medo é uma das emoções mais básicas que temos. No nosso cérebro, o medo produz um padrão de ativação neuronal bastante claro, sendo facilmente localizado através de estudos de neuroimagem. Quando uma pessoa sente medo, as suas amígdalas, dois pequenos agrupamentos de neurônios em formato de amêndoas, se tornam bastante ativas. Localizadas no meio dos nossos lobos temporais, as amígdalas são responsáveis pelas nossas reações de sobrevivência (incluindo a agressividade) e de processamento emocional, especialmente o medo. Em resumo, a amígdala se torna intensamente ativa enquanto sentimos medo e ansiedade.

Essa estrutura cerebral é especialmente pronunciada em conservadores. O tamanho das amígdalas é correlacionado com o nível de conservadorismo social de uma pessoa. Em 2011, pesquisadores da University College London publicaram, na revista científica Current Biology, dados de neuroimagem indicando que estudantes mais conservadores apresentam um maior volume amigdalar. Portanto, quanto mais conservadora a pessoa for, maior será a sua amígdala, e maiores as chances dela ter uma reatividade exagerada ao medo.

Embora esse estudo não discuta uma possível relação causal, apenas indica que existe uma associação entre o conservadorismo e o tamanho da amígdala, cabe destacar que o nosso cérebro obedece a uma lei simples: tudo que é usado se fortalece e o que é pouco usado é enfraquecido, podendo ser eliminado. Isto é chamado de neuroplasticidade; o cérebro tem a capacidade de mudar fisicamente, principalmente aumentando ou reduzindo as conexões entre os neurônios. Assim, pessoas com maior tendência a expressar medo ao longo da vida podem sofrer um aumento do volume das suas amígdalas. Por outro lado, pessoas com amígdalas maiores também são mais sensíveis ao medo.

As evidências não são apenas correlacionais. Estudos experimentais têm indicado exatamente a mesma direção: o pensamento socialmente conservador está associado ao medo. Diversos estudos têm demonstrado ao longo da última década que, através do medo e da insegurança, é possível induzir tendências mais conservadores em pessoas declaradamente liberais. Quando uma pessoa é experimentalmente levada a se sentir ameaçada fisicamente ou a se sentir desprotegida, ela assume inclinações de maior conservadorismo.

O inverso também é verdadeiro. Assim como o medo pode fazer com que liberais se tornem mais conservadores, a segurança pode deixar os conservadores mais liberais. Em 2017, John Bargh (Yale University), Jaime Napier (New York University Abu Dhabi) e colaboradores demonstraram que conservadores se tornam menos resistentes às mudanças sociais quando são levados, primeiro, a relatar como se sentiriam sendo invulneráveis a danos físicos. Ou seja, as atitudes socialmente conservadoras são provenientes, pelo menos em parte, da necessidade de segurança e de proteção.

Outros estudos já demonstraram resultados semelhantes: conservadores tendem a focar em estímulos desagradáveis (são hipervigilantes a estímulos negativo); se assustam mais facilmente; são fisiologicamente mais reativos; e são mais sensíveis a ameaças.

Fig 2. Neurobiologia do Conservadorismo. O prejuízo do controle top-down das reações de medo, caracterizado por uma hiperativação da amígdala e uma reduzida ação do córtex cingulado anterior, pode ser a base neuronal do conservadorismo social.

O Cérebro dos Liberais/Progressistas

Os estudos citados foram conduzidos comparando os conservadores com os liberais, portanto, os resultados são contrastantes. Quanto maior a sensação de segurança, mais liberais as pessoas se tornam. Além disso, as pessoas que se autodeclaram como socialmente liberais possuem o córtex cingulado anterior maior. Esta região cerebral é responsável, dentre outras funções, pelo monitoramento de incertezas e tomada decisão – além da empatia. Um córtex cingulado mais ativo pode ser fundamental para lidar mais racionalmente com a incerteza (controlando as reações emocionais). Juntamente com outras regiões do nosso córtex pré-frontal, o córtex cingulado anterior participa do que chamamos de controle top-down, isto é, ele ajuda a inibir a atividade excessiva da amígdala, controlando as respostas exageradas de medo.

Qual o papel que isso tudo pode ter em uma eleição?

A hipersensibilidade para ameaças, causada por um estado prolongado de medo, pode distorcer a percepção da realidade, provocando uma escalada das reações emocionais. Isto pode deixar as pessoas absolutamente suscetíveis às fake news e às teorias conspiratórias.

Conseguir manipular o estado afetivo de uma população em longo prazo é um desafio hercúleo, mas totalmente possível. A escolha de um grupo para ser “o grande inimigo” (judeus, comunistas, muçulmanos etc.) ajuda a manter a população em estado de alerta por tempo o suficiente para causar efeitos duradouros. Essa estratégia já foi usada no passado e nada impede, até o momento, que volte a funcionar no futuro.

Não vou ignorar que o Brasil possui um nível altíssimo de analfabetismo científico: os estudos citados aqui indicam alterações nas médias de populações. Você não se torna um conservador toda vez que você sente medo! O que esses estudos indicam é que a sua tomada de decisão tende a se tornar mais conservadora quando você está amedrontado. Períodos de incerteza e de elevado risco aumentam o conservadorismo de uma população.

Obviamente, outros fatores também são decisivos para influenciar a orientação política de qualquer pessoa, como as experiências de vida, vieses cognitivos e a genética. No entanto, o medo parece exercer um papel-chave, sendo um dos fatores mais determinantes para as opiniões políticas de uma sociedade. Não se engane, ele vem sendo manipulado sistematicamente ao longo da história, as novas tecnologias apenas facilitaram o trabalho.

Sugestões de Leitura

Cabral (2018). Effects of anger on dominance-seeking and aggressive behaviors. Evolution and Human Behavior.

Funke (2015). The political aftermath of financial crises: Going to extremes. VoxEU.

Kanai (2011). Political orientations are correlated with brain structure in young adults. Current Biology

Nail (2009). Threat causes liberals to think like conservatives. Journal of Experimental Social Psychology.

Napier (2017).Superheroes for change: Physical safety promotes socially (but not economically) progressive attitudes among conservatives. European Journal of Social Psychology.

Oxley (2008).Political Attitudes Vary with Physiological Traits. Science.


João Centurion. Psicólogo, mestre e doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento (LPNeC). Além de ser pesquisador/doutorando em tempo integral e divulgador de ciência nas (poucas) horas vagas, sou um curioso patológico buscando entender a natureza do comportamento humano.