A percepção geral da sociedade é de que os impostos cobrados são exorbitantes, mal direcionados e administrados, resultando em uma má utilização dos recursos arrecadados. Vamos comparar alguns dados sobre o sistema tributário brasileiro à tributação ao redor do mundo e descobrir se nossa percepção está correta.

Interpretar tributação como obstáculo ao desenvolvimento econômico não é uma coisa nova. Na sociedade moderna foram necessárias a primeira guerra mundial, a Revolução Russa e a Grande Depressão, para que este entendimento sobre a tributação passasse por alterações graduais. 

O divisor de águas, que mudou a visão sobre a interferência do Estado na economia, foi a Crise de 29, que teve sua origem principalmente nas insuficiências da regulamentação econômica da época, oferta excessiva de crédito fácil e na superprodução. O crescimento da indústria foi notável, mas não foi acompanhado pela capacidade de consumo da população, resultando em uma crise ampla e generalizada, com a taxa de desemprego atingindo patamares alarmantes em boa parte do mundo.

A solução para a crise foi o plano New Deal, implementado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt nos Estados Unidos. O plano consistia em dar ao governo controle sobre preços e produção, além de realizar grandes investimentos em obras de infraestrutura pública, estabelecer um salário mínimo, reduzir a jornada de trabalho e fortalecer a fiscalização e regulação das atividades bancárias no país.

Pausa. Interessante discutirmos isso num momento em que novamente o governo dos Estados Unidos toma decisões neste mesmo sentido, com objetivo de reconstruir a infraestrutura do país e alavancar o desenvolvimento, para que possam competir com a China.

Continuemos. Estas ideias foram baseadas no pensamento econômico Keynesiano, desenvolvido pelo economista britânico John Maynard Keynes, que defende a interferência do Estado na economia para alcançar o bem-estar social, gerando demanda através de projetos públicos, com isso criando empregos.

No entanto, essa percepção contrária à tributação voltou a ser a narrativa predominante no Brasil contemporâneo. Embora não seja o objetivo mergulhar nas causas desta mudança de narrativa, é importante mencionar a presença desta visão no atual cenário brasileiro.

A estruturação dos impostos no Brasil é deficiente e inadequada em comparação com outras economias desenvolvidas. Enquanto lá os impostos baseados na renda são mais progressivos, ou seja, com taxas maiores para quem tem renda mais alta, no Brasil eles são baseados em consumo e pouco progressivos, afetando mais as camadas de baixa renda. Isso agrava a má distribuição de renda e a desigualdade social.

Comparemos o IRPF do Brasil, imposto que constitui boa parte da arrecadação, com o de alguns países da OCDE:

Brasil Estados Unidos
Até R$ 28.559,70 por ano
Isento Até US$9,950 por ano
10,00%
De R$ 28.559,70 até R$33.919,80 7,50% De US$9,951 a US$40,525 12,00%
De R$33.919,81 até R$45.012,60 15,00% De US$40,526 a US$86,375 22,00%
De R$45.012,61 até R$55.976,16 22,50% De US$86,376 a US$164,925 24,00%
Acima de R$55.976,16 27,50% De US$164,926 a US$209,425 32,00%
    De US$209,426 a US$523,600 35,00%
    Acima de US$523,601 37,00%
Alemanha Japão Portugal
Até €9.744 Isento Até ¥1.950.000 5,00% Até €7.112 14,50%
De €9.745 a €57.918 Taxas geometricamente progressivas de 14% a 42% De ¥1.950.000 a ¥3.300.000 10% + ¥97.500 De €7.112 a €10.732 23,00%
De €57.919 a €274.612 42,00% De ¥3.300.000 a ¥6.950.000 20% + ¥232.500 De €10.732 a €20.322 28,50%
Acima de €274.612 45,00% De ¥6.950.000 a ¥9.000.000 23% + ¥962.500 De €20.322 a €25.075 35,00%
    De ¥9.000.000 a ¥18.000.000 33% + ¥1.432.000 De €25.075 a €36.967 37,00%
    De ¥18.000.000 a ¥40.000.000 40% + ¥4.404.000 De €36.967 a €80.882 45,00%
    Acima de ¥40.000.000 45% + ¥13.204.000 Acima de €80.882 48,00%

Fonte: OCDE – https://stats.oecd.org/Index.aspx?DataSetCode=TABLE_I7

A discrepância nas relações entre alíquotas de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e rendimento anual, em comparação a essa relação de outros países, é uma das evidências da falta de progressividade no sistema tributário brasileiro. Além disso, a inclusão de contribuintes com renda baixa na obrigatoriedade do IRPF, mesmo que em alíquotas baixas, é bastante prejudicial, já que estes contribuintes sentem muito o peso deles. Em economias desenvolvidas, normalmente há isenções fiscais para os contribuintes com renda mais baixa.

Adam Smith (1776):

Os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do governo, em proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sob a proteção do Estado.

Quanto à tributação do lucro, no mundo desenvolvido, é comum existirem duas formas de tributação: uma na pessoa jurídica e, posteriormente, na pessoa física, caso haja distribuição de dividendos. Seguem alguns dados da tributação de dividendos em outros países, conforme matéria da FORBES, 2021:

Descrição da imagem: Gráfico da Forbes – Como funciona a tributação de dividendo em outros países: O primeiro número é relativo à Imposto sobre dividendos, o segundo sobre Imposto de renda de pessoa jurídica. Estados Unidos: 30% / 21% Israel: 25% / 23% Alemanha: 25% / 15,8% Irlanda: 20,4% / 12,5% Japão: 20% / 31% África do Sul: 19% / 28% Espanha: 13% / 25% Argentina: 12,8% / 30% França: 12,5% / 27,5% Bolívia: 12,5% / 25% Índia: 10% / 34,9% Colômbia: 10% / 31% México: 10% / 30% China: 10% / 25% Uruguai: 7% / 25% Peru: 5% / 30% Grécia: 5% / 24% Romênia: 5% / 16% Brasil: 0% / 25% Estônia: 0% / 20% Letônia: 0% / 20% Estados Unidos: 30% / 21%

Esses dados podem ser analisados de maneira mais atualizada no site da OCDE.

Table II.4. Overall statutory tax rates on dividend income (oecd.org)

No entanto, no Brasil, o lucro é taxado somente uma vez, na pessoa jurídica. Isso nos leva a dois problemas. Primeiro, as taxas de impostos no Brasil são, proporcionalmente, mais distantes das taxas em outros países desenvolvidos que adotam a bitributação. Além disso, a falta de bitributação é prejudicial às empresas, pois o lucro retido na pessoa jurídica seria reinvestido, enquanto o lucro distribuído não necessariamente retornará à empresa.

Por último, talvez o mais importante, os impostos que incidem sobre bens de consumo e serviços são muitos e extremamente complexos, além de também serem regressivos. 

A adoção de um modelo (ver Proposta de Emenda à Constituição – PEC 45/2019) que substitua cinco tributos atuais (IPI, ICMS, ISS, Cofins e PIS) por um único imposto sobre bens e serviços (IBS), seguindo os moldes do imposto sobre valor agregado (IVA), que é utilizado em mais de 170 países seria o ideal.

A implementação do IVA, que inclusive é sugerido pela OCDE, poderia resolver um dos principais problemas do sistema tributário brasileiro, que é a fragmentação da base de incidência entre vários impostos. Esse novo modelo tributário deveria incidir sobre uma ampla base de transações, incluindo a maioria das operações com bens, serviços e direitos. 

Com a criação de um IBS, espera-se que a renda das famílias mais pobres aumente mais intensamente. Um estudo feito pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) indica que “as famílias com renda de até 1 salário-mínimo, por exemplo, terão sua renda ampliada entre 3,2% e 17,5%, de acordo com os cenários definidos pelos autores”. Já as famílias com renda superior a 30 salários-mínimos, terão aumento de renda entre 0,6% e 16,1%, também de acordo com o cenário considerado

Descrição da imagem: tabela sobre Impacto de bem-estar domiciliar da Reforma Tributária, por tipo de domicilio e cenário (variação equivalente em % da renda por domicílio. O intervalo de números se refere à renda domiciliar em salários mínimos, a primeira porcentagem, ao cenário base, e a segunda, ao cenário otimista. 0 a 1: 3,2% a 17,5%; 1 a 2: 3,0% a 17,4%; 2 a 3: 2,9% a 17,4%; 3 a 5: 2,7% a 17,3%; 5 a 6: 2,5% a 17,1%; 6 a 8: 2,2% a 17,0%; 8 a 10: 2,0% a 16,9%; 10 a 15: 1,7% a 16,7%; 15 a 20: 1,3% a 16,2%; 20 a 30: 1,0% a 16,3%; Acima de 30: 0,6% a 16,1%; Média: 2,1% a 16,9%. Fonte: CCiF (2020a), adaptado pela CNI

Embora o Brasil possua uma carga tributária que circula próxima a 1/3 do produto interno bruto (PIB), e isso nos deixe dentro da média de arrecadação dos países da OCDE (34%), a estrutura tributária brasileira é deficiente, com impostos baseados em consumo e pouco progressivos, afetando mais as camadas de baixa renda. Em economias desenvolvidas, os impostos baseados na renda são mais progressivos, com taxas maiores para quem tem renda mais alta, enquanto os impostos incidentes sobre bens de consumo e serviço são simples e de base ampla.

Portanto, é necessário repensar a forma como a tributação é realizada no país, com o objetivo de torná-la mais justa e eficiente, contribuindo para um desenvolvimento econômico sustentável e uma sociedade mais igualitária.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ORAIR, Rodrigo Octávio; GOBETTI, Sérgio Wulf. – PROGRESSIVIDADE TRIBUTÁRIA: A AGENDA NEGLIGENCIADA (Texto para discussão nº 2190) Disponível em:

https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6633/1/td_2190.pdf Acessado – 21/02/2023

 

Lott, Diana, Por que o Brasil é um dos poucos países do mundo que não tributa dividendos Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-money/2021/07/por-que-o-brasil-e-um-dos-poucos-paises-do-mundo-que-nao-tributa-dividendos/ Acessado – 21/02/2023

 

PROPOSTAS DA INDÚSTRIA PARA AS ELEIÇÕES – 2022 – Disponível em:

https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/02/10/02107039-2083-4c09-a519-6b3c82008f33/doc_9_-_reforma_tributaria_do_consumo_web.pdf Acessado – 21/02/2023

 

CENTRO DE CIDADANIA FISCAL. Simulações dos impactos macroeconômicos, setoriais e distributivos da PEC 45/2019

Disponível em: https://ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/10/CCiF_NT_Impactos.pdf Acessado – 21/02/2023