A alfabetização diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem com o objetivo de desenvolver a capacidade de leitura e escrita de forma adequada. Entretanto, a alfabetização no século 21 trouxe mudanças e desafios. Dito isso, precisamos definir quais seriam os conhecimentos adequados a esta nova época, na qual a tecnologia tem papel central.

Para entender esse contexto, vamos voltar ao final do século anterior, na década de 1990, quando a Internet se popularizou no Brasil. Naquele momento já se via uma alteração no que seria necessário para a correta alfabetização de um cidadão, uma vez que boa parte da comunicação se fazia por meio digital. Com isso, percebemos uma maior complexidade nas atividades profissionais, quando novas profissões surgiram e tantas outras foram desaparecendo. Dessa forma podemos concluir que a alfabetização é um conceito em evolução constante e rápida.

A partir do século 21 esse processo se acelerou e as mudanças ficaram mais evidentes. Mesmo profissões tradicionalmente avessas a mudanças, como a advocacia e, em menor grau, a medicina, incluíram a tecnologia entre suas competências básicas. Então, de que forma devemos nos preparar para essa transformação?

Neste texto vamos explicar essas novas definições, as tendências e os movimentos que orientam a alfabetização no século 21 no mundo, e de que forma isso impacta o Brasil. Não nos limitaremos a falar sobre computadores, como é bem frequente quando se discute esse tema. É claro que os computadores têm papel central no mundo, mas as mudanças estão muito além dos equipamentos. É esse nível de detalhe que vamos discutir. Vamos falar sobre tecnologia, claro, mas também precisamos falar sobre ciência, estilo de vida, robôs, programação, carreira e produtividade. Começaremos pela alfabetização digital.

A alfabetização digital é uma especialização da alfabetização tradicional, em que o aprendizado envolve o uso dos computadores e demais dispositivos digitais, como tablets, celulares, TVs, relógios, assistentes pessoais. Veremos como cada um desses dispositivos tem sido usado para melhorar (ou piorar) nossas vidas. O próprio ambiente educacional é virtual e não precisa de salas de aula físicas.

A produção de conteúdo para ambientes virtuais também é diferente e deve ser adaptada para esse contexto, o que chamamos de Ensino à Distância (EaD). No EaD é possível usar os recursos digitais para diminuir o problema da ausência do professor presencial. Eu acredito que em alguns casos o EaD chega a ser mais eficiente. A vantagem mais evidente do EaD é a globalização das aulas, ou seja, o aluno pode estar em qualquer lugar do mundo. Em alguns casos as aulas são gravadas, de forma que o aluno pode estudar em qualquer horário, o que é uma grande praticidade para os mais ocupados.

Nestes casos, a tecnologia é apenas um meio de comunicação, desta forma o dispositivo eletrônico é usado para atingir um objetivo específico, como assistir uma aula, navegar pela Internet ou apenas escrever um texto no trabalho. Dificilmente a tecnologia é um fim, isto é, nós ligamos um computador para realizar uma atividade de trabalho ou de lazer, geralmente com algum ganho de eficiência em comparação com a alternativa anterior, como a máquina de escrever.

Vamos agora ultrapassar essa questão do uso dos dispositivos digitais e falar sobre as competências necessárias para interagir com esse novo cenário. Esse conhecimento tem sido usado em benefício de sociedades modernas para aumentar a produtividade e competitividade e atende pela sigla STEM.

STEM é a sigla para Science, Technology, Engineering and Mathematics. Traduzindo, significa Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Eu acrescentaria ainda a Estatística. Esses são os conhecimentos que uma sociedade deve dominar para se desenvolver no mundo atual. Não apenas para gerar riqueza, mas também para o meio ambiente, o lazer, o transporte e a defesa militar, que em última instância também gera (muito) lucro.

Inicialmente, poderíamos pensar que apenas nações ricas como Suíça e EUA estão incluindo o estudo de STEM em seus currículos. Pelo contrário. O grande crescimento da China e Índia se deve à valorização do estudo do STEM em políticas educacionais de longo prazo. No caso da Coreia do Sul, essa estratégia começou logo após a Segunda Guerra Mundial e colocou o país no topo do mundo desenvolvido.

O movimento em torno do STEM pode ser percebido de várias formas. Por exemplo, pelo número de artigos científicos recentes e de altíssima qualidade da China, pela quantidade de indianos com elevada qualificação técnica, inclusive ocupando cargos na presidência de grandes empresas de tecnologia. Da Coreia nós só precisamos citar alguns nomes, como LG, Hyundai, Kia e Samsung.

O que esses países têm em comum? O ensino de STEM desde as séries mais iniciais da escola e a paciência. São necessárias algumas décadas para o retorno na forma de mão de obra qualificada, e só bem depois é que aparece algum retorno financeiro.

Um modelo que merece atenção é o das grandes universidades, como Stanford, MIT, Harvard, Cambridge e Tsinghua (China). Este é um assunto meio controverso no Brasil, mas já está pacificado no resto do mundo. A ciência produzida nestas universidades é focada na perspectiva de criação de produtos de escala mundial. O próprio Google nasceu em um doutorado. Muitos dos produtos de sucesso hoje foram pesquisas científicas ontem. A grande questão aqui é a escala. Essas universidades estão ligadas a uma quantidade impressionante de produtos que foram fruto da ciência.

Nosso estilo de vida também foi alterado por tanta inovação. Na verdade, aconteceu muito mais do que apenas a popularização dos computadores. Os computadores foram o início de tudo, entretanto, sozinhos, não justificam o cenário atual. Acredito que a grande virada veio com a Internet de alta velocidade, que se tornou a mola propulsora de tudo o que temos hoje. Veja que um tablet sem Internet é só um pedaço de plástico.

Os tablets ficaram com uma boa parte do mercado que era dos computadores. Em muitos casos, o computador nem é necessário. Um tablet substitui o computador, a televisão e até mesmo o celular em várias tarefas. Na prática, um tablet com um bom teclado bluetooth é uma estação de trabalho. O celular, de forma semelhante, te permite a mesma coisa, mas com uma tela menor.

Veja agora o caso das anotações. Você não precisa mais andar com bloquinhos de papel, nem mesmo cadernos, para fazer anotações, que podem ser feitas em aplicativos como o Evernote. O mesmo cenário se aplica para a antiga agenda, que pode ser substituída pelo calendário do Google. Considere também a diminuição dos antigos arquivos de papel, que estão sendo digitalizados e sua consequente economia de espaço físico.

Uma recente revolução no nosso estilo de vida aconteceu no entretenimento, que inclui o áudio, o vídeo e a fotografia. Todos esses serviços são agora digitais, mas somente os alfabetizados digitalmente têm acesso a Youtube, Spotify e Instagram, apenas para citar alguns. Esse passo está consolidado. A revolução que está acontecendo hoje está ligada aos dados e envolve termos como big data, ciência de dados, inteligência artificial, robótica, sensores e (pasmem) saúde. Já adiantando, a próxima transformação tem relação com a fronteira linguística. A ideia é eliminar a barreira do idioma, que será mais uma mudança no estilo de vida, mas isso fica para outro momento.

Este é o ponto. Nesses casos é possível perceber o potencial de diminuição dos custos e aumento da produtividade, que é o principal objetivo das novas tecnologias. Por exemplo, o custo operacional da empresa pode ser reduzido, enquanto você pode ficar focado em seus objetivos, seja trabalho ou lazer, ou seja, aumento de produtividade.

Os serviços como Facebook e Evernote se popularizaram com a ajuda da nuvem computacional, ou seja, são computadores conectados na internet que vendem um produto e faturam rios de dinheiro. Surpreso? Tenha em mente a frase célebre que diz que “se você não pagou, o produto é você”. Quer dizer, o Youtube não é tão grátis assim, acredite.

Como visto acima, fica claro que o estilo de vida digital não trouxe apenas alegria. Há desafios não resolvidos que envolvem o uso de fontes seguras de informação, segurança, privacidade, ética e família. E só agora estamos começando a descobrir e discutir esse novo mundo. Ainda há muito o que fazer.

Já falamos de STEM e de sua importância na sociedade moderna. Agora é preciso falar de pensamento algorítmico, que seria um complemento ou até mesmo a consequência do ensino do STEM. Antes de definir o que é, quero começar justificando sua importância, porque é algo recente para o Brasil, mas bem conhecido fora dele.

Por exemplo, na Europa as competições de robótica têm times com crianças de oito anos (sim, é verdade), porque eles concluíram que essa prática forma profissionais altamente capazes com um custo relativamente baixo para o governo. Assim, ensinar robótica e programação ajuda na construção do cidadão do século 21.

Do ponto de vista fisiológico, o cérebro é similar a um músculo. Quanto mais exercitado, mais forte fica. E o pensamento algorítmico é uma forma eficiente (e barata) de treinar a mente. Não é coincidência que grandes filósofos e artistas do passado eram também matemáticos. Aliás, muitas teorias usadas na computação foram criadas há dezenas, centenas e (sim) milhares de anos.

Novamente, ao contrário do que se pode pensar, algoritmos não são úteis apenas para programadores. Neste momento devemos dar um passo para trás e refletir o que forma um grande profissional. Não é apenas sua formação acadêmica. É sua capacidade de se adaptar rapidamente a novas situações e ferramentas, que é exatamente a consequência do pensamento algorítmico. É como um esporte que você pratica para manter a saúde e não para ser jogador da seleção. A atividade física ajuda a manter seu corpo saudável, da mesma forma que o pensamento algorítmico mantém sua mente em forma.

Uma parte do pensamento algorítmico é formada pelo STEM, mas há outras ferramentas, como o Scratch, o Greenfoot, o Arduinoe o Raspberry Pi. O que varia entre um e outro é a idade do aluno. O Scratch pode ser usado por crianças, o Greenfoote o Arduínosão mais indicados para jovens adultos e o Rasberryé uma plataforma um pouco mais complexa, mas permite criar projetos bem interessantes.

O pensamento algorítmico é algo como um recurso mental, que pode ser usado para se obter as características que serão exigidas dos profissionais neste novo século. Vamos citar apenas algumas: 1) capacidade de aprender; 2) capacidade de resolver problemas; 3) pensamento crítico; 4) colaborador efetivo; e 5) comunicador. Podem ter algumas variações, mas a ideia geral está descrita. Na área de tecnologia as vagas, muitas vezes, já trazem esses requisitos na própria descrição. Mas não é difícil entender o motivo de se exigir que um engenheiro seja um comunicador. Como o trabalho hoje é em escala mundial e as equipes são cada vez menores, é de se esperar que os profissionais precisem se comunicar eficientemente para serem produtivos.

Um dos objetivos da alfabetização é, claro, formar profissionais competitivos, afinal, a vida adulta é marcada enormemente pela sua carreira. Acontece que as demandas para a carreira no século 21 mudaram.

As equipes tendem a ser globais, da mesma forma que os clientes. Na prática, pouco importa se o produto foi construído por um ou por outro fabricante, em um ou outro país. O que importa é se o produto atende à especificação do cliente. Quando tudo dá certo, temos o ambiente certo para o sucesso comercial, em que todos ganham (muito). Talvez o caso mais emblemático seja o iPhone, que é uma solução de tecnologia fortemente baseada em ciência e inovação, que combina o conhecimento de profissionais do mundo inteiro, e com um sucesso inegável.

É preciso deixar claro que esta é uma visão pragmática do mundo atual. Não estamos aqui falando apenas de posições pessoais ou paixões. O mundo está indo nessa direção e nosso curso tem de ser corrigido se quisermos navegar nessa prosperidade. Os países europeus estão bastante adiantados na implementação dessas atualizações, mas a China e a Índia correm por fora com programas educacionais competentes.

No caso do Brasil o caminho ainda é longo, mas temos reconhecidamente capacitação suficiente. O próximo passo é espalhar essa capacidade para uma parcela maior da população.


Marco Reis. Programador, professor, escritor, triatleta, músico, marido e pai. Eventualmente dorme um pouco quando não está assistindo Netflix. Acredita que a inteligência artificial trará mais benefícios do que malefícios, contudo, não tem certeza absoluta nem apostaria nisso.