No próximo dia 25 de janeiro, completará 1 ano que a barragem da mina do Feijão se rompeu na hora do almoço, por volta do meio dia, fazendo com que um mar de lama de rejeitos de mineração atravessasse uma área de 2,9 milhões de metro quadrados e 9 km de distância entre a barragem e o Rio Paraopeba e fazendo com que 259 pessoas, entre empregados da mineradora Vale e moradores da região fossem soterrados pela lama e mortos.

Se você viu as imagens do momento do rompimento da barragem tenho certeza que se lembra da aflição que dava para sentir ao assistir.

Hoje eu vou pedir desculpas pelo tom um pouco mais sério neste texto e fazer um panorama geral do que aconteceu desde o dia do rompimento, há um ano atrás, até hoje. O que sabemos, consequências do ocorrido, e balanço geral desta tragédia.

Brumadinho

Brumadinho é uma cidade de um pouco menos de 40 mil habitantes na Região Metropolitana de Belo Horizonte em Minas Gerais. Como muitos municípios de Minas Gerais, Brumadinho tem como sua principal atividade econômica a mineração e na mina do Córrego do Feijão, estava ocorrendo exploração para obter minério de ferro. A região toda faz parte de um Complexo de Mineração chamado Completo Paraopeba. Muitos habitantes da cidade trabalhavam na mineradora Vale, o que é bastante comum em Minas Gerais. Segundo dados da mineradora Vale, a exploração de minério de ferro, antes do rompimento, na mina do Feijão era de 2% do total produzido pela Vale e de todo o Completo Paraopeba era de 7% da produção. Era uma região importante de produção.

25 de Janeiro de 2019

No dia 25 de janeiro de 2019 por volta do meio dia ocorreu o rompimento da barragem da mina do Feijão. 427 funcionários da Vale estavam nas instalações que abrigavam na época, além das minas de rejeitos ativas e inativas, o Centro Administrativo da Vale; o refeitório, onde havia muitos funcionários em horário de almoço; e outras instalações. O órgão de Meio Ambiente do estado de Minas Gerais foi avisado por volta das 13:30 hs. A partir daí começaram as operações de resgate das vítimas que foram atingidas e todas as medidas para tentar conter o avanço da lama de rejeitos que começou a descer, levando a sede administrativa da Vale, o refeitório, e acabou atingindo outras barragens que estavam abaixo da que se rompeu, além de toda comunidade local.

O rompimento

A barragem da mina do Feijão é uma barragem que estava desativada desde 2015. Foi construída na década de 70 para abrigar os rejeitos provenientes da mineração de ferro e que, desde que o método de extração do minério de ferro passou a ser feito de outra forma, não tinha mais uso. Com uma altura de 86 metros e capacidade de armazenamento de 12 milhões de metros cúbicos de rejeito, o que equivale a 12 bilhões de litros de rejeitos, a barragem foi construída com a forma de alteamento a montante. Existem dois tipos principais de formas de construção de barragens, alteamento a montante e alteamento a jusante. A forma de alteamento a montante é considerada menos segura de se construir, pois as novas camadas de fundação vão sendo erguidas de forma que vão sobrepondo os rejeitos conforme eles vão secando.

É possível notar a diferença nas formas de construção das barragens na figura abaixo:

Fonte: Entenda o Rompimento da Barragem em Brumadinho. Mackenzie.

O alteamento a jusante é mais eficiente e seguro, porém é mais caro e as empresas acabam optando pela outra que é menos segura, mas é mais barata. O que aconteceu com a barragem em Brumadinho é que, com a infiltração da água presente nos rejeitos nas camadas superiores, o solo de rejeitos compactados deixou de se comportar como uma estrutura sólida e passou a ter comportamento de fluido, fenômeno que é chamado de liquefação. Esse fenômeno pode ocorrer em casos de excesso de carga, quando são colocados mais rejeitos do que a barragem pode suportar, excesso de chuvas, fazendo com que infiltração de água seja grande, falha no sistema de drenagem, que é o que permite que a água presente no rejeito seja retirada da barragem e faz com que o rejeito seque e se comporte como um solo que pode ser compactado ou ainda por abalos sísmicos, terremotos ou tremores de terras. Ainda não temos a definição do que de fato causou o rompimento.

Quando a barragem rompeu, dos 12 milhões de metros cúbicos que a barragem continha, cerca de 75% do volume ou 9,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos, vazaram e desceram em direção a sede administrativa da Vale atingindo outras barragens que ficavam no caminho, fazendo com que essas barragens transbordassem.

Na figura é possível ver a área que foi atingida pela lama de rejeitos.

Fonte: Infográfico G1

O caminho percorrido pela lama de rejeitos até atingir o rio Paraopeba foi de 9km e área atingida é de 290 hectares, ou 2,9 milhões de metros quadrados, mais ou menos 350 campos de futebol.

O IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) multou a Vale em 250 milhões de reais e a SEMAD (Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) multou em 99,1 milhões de reais.

Impactos Sociais

Até o dia que escrevo esse texto, 259 vítimas já foram identificadas, 11 pessoas estão desaparecidas e os bombeiros ainda estão realizando as buscas. A tragédia que esse rompimento representa para o município é imensurável. Como a cidade é pequena e a mineração é a atividade econômica principal, a proximidade de todos os habitantes com pelo menos uma das vítimas é certa.

Impactos Ambientais 

A lama de rejeitos contaminada atingiu o rio Paraopeba, que é um importante rio da região e que é responsável pelo abastecimento de água de mais de 2 milhões de habitantes, um afluente do rio São Francisco. Os estudos preliminares realizados mais próximo a área do rompimento apontam que a lama acabou com a vida aquática do rio com a contaminação por metais pesados, acabou com o oxigênio disponível e destruiu toda a mata ciliar do rio. A lama de rejeitos percorreu uma extensão grande do rio levando um rastro de destruição e de morte às formas de vida presentes no rio. Os especialistas em impactos ambientais e que fizeram análises em amostras do rio afirmaram que o rompimento da barragem matou o rio Paraopeba naquele trecho.

Outra importante área da região que foi atingida pela lama de rejeitos foi a unidade de conservação da Serra da Rola Moça, uma das mais importantes unidades de conservação do estado de Minas Gerais e que abriga nascentes de rios que abastecem a população local. A Serra da Rola Moça é abrigo de várias espécies animais que estão em perigo de extinção, como lobo-guará, onça-parda e jaguatirica. A APA (área de preservação ambiental) Sul também localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte foi atingida pela lama de rejeitos da barragem. Na APA Sul estão localizadas as nascentes do rio São Francisco e do rio Doce, dois rios muito importantes para o abastecimento da região. É muito difícil mensurar a perda de biodiversidade, talvez até para sempre, que ocorreu com esse rompimento.

1 ano depois

O que sabemos até agora é que os bombeiros estão trabalhando há 1 ano em busca das vítimas que ainda estão desaparecidas. Da área total atingida, os bombeiros já vasculharam 95% e o trabalho está longe de terminar. Estão sendo feitas buscas a diversas profundidades para ter certeza que todas as vítimas serão encontradas. 3200 bombeiros já trabalharam nestas buscas.

A mineradora Vale lançou um plano de contenção para que os rejeitos pudessem ser barrados e para que fosse impedido o seu carregamento pelo curso do rio Paraopeba. Essas obras já foram concluídas. Foi construída também uma estação de tratamento de água fluvial no encontro do rio mais próximo da mina, o córrego do Feijão, com o rio Paraopeba com o objetivo de tratar a água e despejar no rio uma água sem os metais pesados e os sólidos presentes no rejeito. Nas áreas do rio onde os bombeiros já concluíram as buscas, os sólidos que sedimentaram já começaram a ser retirados do fundo do rio e levados para áreas de secagem onde água drenada será enviada para a estação de tratamento de água fluvial instalada e os resíduos retirados. Já foram retirados 38 mil metros cúbicos de sólidos.

A mineradora Vale também anunciou que irá descaracterizar todas as barragens em que a construção foi feita por alteamento a montante. Das 9 barragens construídas com esse método, todas serão descaracterizadas de formas diferentes. Ou seja, em algumas os rejeitos serão retirados da barragem e a estrutura será desfeita e esses rejeitos passarão por outras formas de destinação, em outras será feito processo para que o alteamento seja feito a jusante, o que a torna mais segura. Em alguns anos todas elas não serão mais utilizadas.

Esse rompimento é uma tragédia que vitimou 259 pessoas e deixou desaparecidas outras 11. Esse dano causado a cidade e aos familiares e amigos será irreparável. O dano causado ao meio ambiente, a biodiversidade e a saúde todas as pessoas atingidas é incalculável. Nada disso poderá ser recuperado. Apesar de todas as ações tomadas pela Vale no atendimento às famílias das vítimas, a recuperação das áreas afetadas e as medidas para que novos rompimentos não ocorram, nada disso é suficiente para reparar os dados que foram causados. Recentemente foram divulgados dados que mostram que a Vale já recuperou seu valor de mercado para o mesmo que tinha antes do rompimento da barragem.

Resolvi escrever este texto meio bad vibes porque já faz um ano que o rompimento ocorreu e nesses tempos que cada ano passa mais rápido que o último, precisamos relembrar o tamanho da tragédia que aconteceu. A minha esperança é que tudo isso sirva de lição para que sejam tomadas todas as precauções necessárias para que nada parecido volte a ocorrer. Precisamos pensar coletivamente, como sociedade, que atividades econômicas são importantes para o país e nosso desenvolvimento, mas que nada pode ser maior do que as vidas que foram desperdiçadas nessa tragédia. Perdemos vidas. Perdemos biodiversidade. Famílias foram destruídas por uma tragédia que tem como causa a negligência da Vale na realização da atividade de forma irresponsável. Isso não pode acontecer. Que a gente nunca esqueça de Brumadinho.

Até mais. Prometo voltar mais alegre no próximo.

Referências Bibliográficas

Barragem de Rejeitos se Rompe em Brumadinho

Rompimento da Barragem foi causado por liquefação

Estudo realizado em 2010 já previa condições para liquefação da barragem

Mina produzia 2% do total de minério produzido pela Vale

Qual a composição da lama de rejeitos

95% da área atingida pelo rompimento já foi vasculhada pelos bombeiros

Área atingida equivale a 300 campos de futebol

Unidade de Conservação Atingida pela lama de rejeitos

Plano de Ação de Descontinuidade barragens Vale

Obras emergenciais de contenção do avanço da lama de rejeitos

IBAMA multa a Vale em 250 milhões de reais

SEMAD multa a Vale em 99,1 milhões de reais

Vale recupera valor de mercado de antes do rompimento da barragem


Izabella Romansini. Bacharel em Ciência e Tecnologia, Engenheira Ambiental e Urbana, apaixonada por ciência. Ainda tenho dúvidas se sou de exatas, humanas ou biológicas. Se quiser me explicar qual sua pesquisa eu vou me interessar também!