E ai pessoal? Estamos por aqui mais uma vez, trazendo a segunda parte  da nossa conversa sobre meteoritos com o Gabriel Gonçalves. Que tal pegar a sua mochila, um detector de metais, um cantil e sair a procura de possíveis locais de queda de meteoritos? Descubra como fazer isso com a gente.

 

Péricles: Eu posso me tornar um caçador de meteoritos? Como posso descobrir um possível local de queda?

Gabriel: Sim, se um meteorito for visto caindo, há algumas coisas que se pode fazer para tentar recuperá-lo. Primeiramente é ir atrás de relatos e imagens da passagem do meteoro. Com o advento das redes sociais e a proliferação das câmeras de segurança, relatos e imagens viajam rapidamente e, quanto mais dados, melhor. Esses relatos podem ser usados para tentar se triangular o local da queda do meteoro. Pensando na geometria por trás dos eventos, temos um meteoro andando em linha reta pelo céu, ou seja, uma linha em um espaço em três dimensões.

Como o observador não possui referências para descrever a trajetória perfeitamente em três dimensões, ele apenas poderá descrever a linha reta numa projeção em um plano (duas dimensões). Por isso, são necessárias pelo menos duas observações boas do meteoro feitas de pontos bem distintos para que a intersecção (ou seja, a trajetória do meteoro) seja bem estabelecida. Hoje em dia softwares ajudam na triangulação dos relatos ou imagens já que a matemática não é tão simples. Grupos de pesquisa como a BRAMON também fazem esse tipo de análise. Informações sobre sons também ajudam, já que, quando estão na baixa atmosfera, produzem o chamado sonic boom, que só pode ser ouvido nas proximidades da queda. Informações de radares meteorológicos também podem indicar a localização aproximada do local de queda. Juntando tudo isso (triangulação, sonic booms, indicação de radares) é possível se determinar uma área de busca por fragmentos.

Russia(2013): Meteoro em Chelyabinsk

É importante que a pessoa que está buscando por uma queda saiba identificar e diferenciar meteoritos de rochas terrestres, isso irá ajudar enquanto a pessoa estiver sondando o máximo possível das localidades dentro da área de dispersão estimada. Ainda assim, é possível que novas informações alterem ou melhorem a estimativa do local de queda. Se um meteorito for encontrado, é importante que o mesmo seja estudado e classificado, assim, é sempre bom que parte do material encontrado seja doado para pesquisa científica, enquanto que a outra parte pode ser mantida pela pessoa que recuperou o material.

Péricles: Como funcionam as expedições a procura de locais de queda?

Gabriel: Existem ao menos três formas diferentes de buscas por meteoritos. Uma expedição pode rumar a um local onde haja maior possibilidade de se encontrar meteoritos, como desertos de areia (como o Sahara ou o Atacama) ou de gelo (como em regiões da Antártica). Nesses locais, a ausência de rochas e vegetação tornam mais fácil a localização de meteoritos que se mantêm mais tempo preservados pela ausência de água líquida. Nesse caso o importante é saber bem como são os meteoritos, principalmente as características deles após a ação do intemperismo terrestre. É importante também ter muito conhecimento de como são as rochas no local da busca. Além disso, equipamentos como imãs e detectores de metais ajudam a diferenciar meteoritos e rochas terrestres.

Outra forma de buscar meteoritos é em área de dispersão de grandes quedas já conhecidas (as chamadas elipses de dispersão). Um exemplo é a grande área no norte da Argentina onde são encontrados os fragmentos do meteorito Campo del Cielo. No Brasil a área de dispersão mais famosa é a do meteorito Uruaçu, no norte de Goiás, onde vários fragmentos são encontrados até hoje. Novamente equipamentos e conhecimento do local ajudam na busca. A terceira forma de busca de meteoritos ocorre quando acontece uma nova queda. Geralmente quando um novo meteorito chega ao planeta, ele não passa despercebido, assim, é possível recuperar algumas informações que indiquem o local onde o meteorito possa ter caído. Imagens e relatos de testemunhas podem ajudar a triangular a trajetória do meteoro, indicando o possível local de queda. Assim, as pessoas que fazem a busca podem se dirigir ao local e começar a procurar por fragmentos de meteorito com a superfície fresca, que facilita sua identificação diante das rochas terrestres. Muitas vezes até um ou vários fragmentos são achados ou vistos cair antes mesmo da expedição chegar, facilitando a busca e indicando as direções que os fragmentos podem ter tomado.

Péricles: Qual o relato de queda de meteorito mais curioso que você já ouviu?

Gabriel: Existem vários relatos interessantes de quedas de meteoritos, casos de diversas coisas atingidas por meteoritos, como um navio no Japão (meteorito Tahara) , vários carros (meteorito Peekskill, meteorito Benld, meteorito Grimsby, etc…), um meteorito que provavelmente matou uma vaca na Venezuela (meteorito Valera), que atingiu uma pessoa (meteorito Sylacauga), uma caixa de correios (meteorito Claxton), que foi confundido com uma mensagem dos marcianos (meteorito Lesves) e um meteorito que quase causou uma guerra (meteorito Avce), entre tantos outros! Poderia haver um livro só colecionando essas histórias fantásticas.

Meteorito Avce

A região da queda do meteorito Avce(Eslovénia) vivia sob forte ameaça de guerra. Quando o Avce caiu ele foi confundido com um fragmento de bala de canhão vinda do território inimigo(Itália). Evento esse que deflagrou um real conflito.

 

Péricles: Qual o caso de queda de meteorito mais famoso aqui no Brasil? Se houver algum.

Gabriel: Provavelmente a história de meteorito mais famosa do país é a do meteorito Bendegó. Ele foi encontrado no interior da Bahia no século XVIII, mas, por ser tão grande (pesando mais de 5 toneladas), só conseguiu ser resgatado no século XIX, quando, depois de uma epopeia, conseguiu ser levado até o Rio de Janeiro, onde se encontra até hoje. Para sua história recomendo a leitura do livro Os Meteoritos e a História do Bendegó do autor Wilton Carvalho.

Meteorito Bendegó

Outros meteoritos brasileiros têm histórias interessantes, como o meteorito Santa Catarina, confundido como minério de níquel, foi derretido para recuperar o metal; o meteorito Angra dos Reis resgatado no mar depois de cair na beira da praia; o meteorito Putinga, que causou alvoroço no começo do século XX ou até mesmo o meteorito Marília, cujos fragmentos caíram no meio da cidade, atingindo calçadas e a proximidade de uma escola. Para mais histórias de meteoritos brasileiros, existe uma seção dedicada a esse assunto no livro Meteoritos: Cofres da Nebulosa Solar dos autores: M.E. Varela, R.B. Scorezelli e E. Zucolotto.

Péricles: Se ao invés de cair aqui na Terra essas rochas continuassem vagando pelo espaço por mais alguns milhares de anos, eles poderiam crescer ao ponto de tornarem-se novos planetas?

Gabriel: Não, o material restante na região mais interna do Sistema Solar é muito pouco. Se unirmos todo esse material existente na forma de asteroides e outros fragmentos menores, seria possível apenas formarmos um asteroide de porte grande. Porém, hoje em dia, o Sistema Solar está já bem estabelecido e influências gravitacionais, como a do planeta Júpiter, atrapalham muito, impedindo que essa aglutinação aconteça.

Péricles: Durante uma chuva de meteoros eu corro risco de ser atingido por um deles?

Gabriel: Não. O risco de ser atingido por um meteorito é muito baixo. Nos últimos anos, a média anual de quedas registradas tem girado em torno de 7 a 8. Mesmo se fosse possível considerar também todas as quedas que não são observadas, dificilmente o número passaria de uma centena por ano. Assim, se pensarmos na totalidade da superfície do planeta e a superfície que um corpo humano possui, as chances são remotíssimas. Não há provas conclusivas se, durante chuvas de meteoros, há um aumento ou não na chance de quedas de meteoritos, já que o material que origina as chuvas geralmente se encontra na forma de um pó muito fino. Esse material é ejetado da superfície de cometas e asteroides e precisa ter pouca massa pra poder vencer a atração gravitacional desses corpos. Especula-se, cada vez mais, que possa haver entre esse material alguns fragmentos de tamanho suficiente para atingir a superfície, podendo assim existir meteoritos associados a chuvas. Contudo, ainda serão necessários mais dados e estudos mais refinados para se comprovar essa associação. Ainda que ela seja confirmada, os riscos de ser atingido por um meteorito de maneira geral continuam sendo muito pequenos. Até hoje existe apenas um relato reconhecido e comprovado de uma pessoa atingida por um meteorito em Sylacauga, Alabama, Estados Unidos, em 30/11/1954.

Meteorito Sylacauga

O meteorito de Sylacauga, é o primeiro e único caso confirmado de um meteorito a atingir um ser humano, ele entrou pelo teto de uma residência no Alabama, resvalou na mobilia e posteriormente atingiu a proprietária da residência, Ann Elizabeth Fowler Hodges (1920–1972).

 

E por fim, não poderia faltar algumas boas recomendações de estudo para vocês.

Péricles: Que materiais de estudo você recomendaria para as pessoas que queiram se aprofundar no estudo do meteoritos?

Gabriel: Sei que nos últimos anos foram lançados alguns livros em português sobre o tema, mas admito que ainda não consegui ler todos. Acho que ainda hoje, infelizmente, a melhor indicação seriam livros introdutórios ao tema em inglês. O livro Rocks From Space do autor Richard O. Norton ainda é celebrado como a melhor opção pra quem quer ter o primeiro contato com o tema. Ele escreveu também outro livro juntamente com Lawrence Chitwood, chamado Field Guide to Meteors and Meteorites. É possível compra-los  aqui no Brasil mesmo. Para quem quiser se aprofundar mesmo no tema, existem mais livros como o volume 1 (Meteorites and Cosmochemical Processes) do livro Treatise on Geochemistry dos editores K. K. Turekian, H. D. Holland ou o livro Meteorites do Robert Hutchison. Existem poucas publicações ou sites dedicados ao assunto em português que sejam de qualidade, então é necessário um pouco de cuidado e parcimônia na hora de buscar informação na área. Além disso, poucas pessoas lidam com meteoritos no país, assim, nem sempre geólogos e astrônomos sabem dizer muita coisa sobre o assunto, enquanto alguns entusiastas e colecionadores possuem bastante conhecimento na área. É importante sempre tomar cuidado e se questionar sobre as informações obtidas.

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Bom pessoal, infelizmente a nossa conversa com o Gabriel Gonçalves terminou por aqui, porém o universo da meteorítica é imenso. Você se interessou, quer saber mais sobre o assunto, surgiu alguma dúvida? Basta perguntar, faremos o possível e o impossível para te ajudar. Hoje ficamos por aqui, até logo.


Saiba mais:

Meteorito Avce (inglês)http://www.travel-slovenia.si/slovenian-meteorite/

Meteorito Sylacaugahttps://en.wikipedia.org/wiki/Sylacauga_(meteorite)

Meteorito Bendegóhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Meteorito_do_Bendegó

Meteoro de Chelyabinskhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Meteoro_de_Cheliabinsk

Bramonhttp://www.bramonmeteor.org/bramon/


Mais sinceros agradecimentos ao Gabriel Gonçalves.