Olá mais uma vez, pessoal, tudo certinho?!

Vamos ao artigo…

Todos vocês devem fazer alguma ideia do que são meteoritos, mas vocês sabem de onde eles vem, do que eles são feitos ou onde encontrá-los? Se você tem ou já teve curiosidade em conhecer um pouco mais sobre essas fascinantes rochas extraterrestres, você está no lugar certo.

Estou trazendo a vocês uma breve entrevista, espero que gostem. Trago a vocês Gabriel Gonçalves Silva, um  pesquisador especialista em meteoritos.

Gabriel é formado em Engenharia Química pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é pós-graduado em Engenharia BioQuímica também pela UFSCar, e atualmente é aluno de doutorado pela USP no ramo de Astrobiologia e Meteorítica. O principal foco dos estudos dele são as interações entre microrganismos e os meteoritos.


Primeiramente eu gostaria de agradecer ao Gabriel Gonçalves por ter aceitado ao meu convite em participar dessa entrevista e ter disponibilizado parte de seu tempo para  responder às minhas perguntas. A primeira coisa que eu pedi a ele foi que falasse um pouco mais sobre o seu doutorado:

“Meu doutorado está sendo desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Química Fundamental do Instituto de Química (IQ) da USP, sob orientação do Prof. Fabio Rodrigues. Ele é focado em um campo chamado astrobiologia, que é uma área abrangente e interdisciplinar que busca entender melhor a origem, formação e evolução da vida na Terra e a possibilidade da existência ou a expansão da vida fora do nosso planeta.

Minha pesquisa em si busca entender melhor a interação e a colonização da vida terrestre em meteoritos. Estou focando meus estudos em um microrganismo extremófilo* chamado Acidithiobacillus Ferrooxidans, que consegue obter energia do ferro, elemento abundante na maioria dos meteoritos e usá-la para a fixação do gás carbônico* para a produção de biomassa*.

Ele se desenvolve de forma parecida ao que as plantas fazem, a diferença é que elas obtêm a energia a partir da luz solar, permitindo então fixar o gás carbônico e produzir biomassa. Minha pesquisa ainda está no começo, mas ao avançá-la pretendo entender mais sobre o que os meteoritos podem fornecer a esses organismos e compreender melhor a interação entre eles. Assim, é possível se pensar em novas formas de biolixiviação, extração e exploração dos meteoritos como fontes de elementos de interesse, como se fosse uma espécie de mineração. Ainda há a possibilidade futura de uso desses organismos para a colonização de asteroides e outros corpos espaciais de interesse, podendo abrir portas para uma sucessão ecológica dirigida, já que seu crescimento é capaz de liberar os elementos essenciais para a vida e produzir solos nesses locais.”

Em seguida Gabriel me contou o motivo de ter escolhido estudar esse ramo da ciência:

“Desde que eu era criança aprendi a ter gosto por astronomia por conta da minha mãe, daí, aprender sobre isso acabou virando um hobby. Eu buscava, porém, algo mais tangível na astronomia e acabei me deparando com os meteoritos, algo que tomei gosto muito rápido. Gostava de ler, aprender e colecionar meteoritos. Ainda assim, para o vestibular optei pela opção de graduação em engenharia química. Fiz o curso na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e, enquanto isso, participava do grupo de divulgação de astronomia de lá. Foi quando tive o primeiro contato com a astrobiologia.

Meu mestrado foi lá também, em engenharia química com ênfase em engenharia bioquímica. Após terminar o mestrado, tentei buscar um doutorado que pudesse unir meus conhecimentos de microbiologia, biotecnologia (obtidos no mestrado) e engenharia com meu gosto por meteoritos. Assim, lembrei-me da astrobiologia e busquei algum pesquisador que topasse o desafio de unir essas duas áreas de pesquisa que eu gostava. Aqui estou, hehe.”

Após conhecer um pouco mais sobre como o Gabriel iniciou em seus estudos, entramos no assunto principal da entrevista, que são os meteoritos:

Péricles:Primeiro de tudo, para quem está conhecendo esse ramo de pesquisa pela primeira vez, qual seria a definição mais correta para essas rochas, os meteoritos?

Gabriel: Meteoritos são amostras de rochas ou metal de fora da Terra, que orbitam em torno do Sol e que podem cruzar com o caminho do nosso planeta. Quando isso ocorre, eles são atraídos pela gravidade e atravessam nossa atmosfera, produzindo um fenômeno luminoso chamado meteoro. Se forem grandes o suficiente para resistir a essa passagem, eles chegam ao solo, passando a receber o nome de meteoritos. Eles podem ter diversas origens, algumas das quais remontam a formação do Sistema Solar, ou outras origens como a superfície de planetas, satélites, asteroides e possivelmente cometas.

Essa imagem resume maravilhosamente bem as diferentes denominações para essas rochas ETs.

Péricles: De onde os meteoritos vêm?

Gabriel: Dependendo do tipo, eles podem ter diversas origens. Os meteoritos não diferenciados, como os meteoritos condritos, são os restos da formação do Sistema Solar, o que sobrou das primeiras rochas que se formaram. Se esses corpos atingirem grandes tamanhos, eles passam por um processo chamado diferenciação, em que há derretimento e separação do material rochoso, que fica na superfície, do material metálico, que afunda em direção ao núcleo. Isso ocorreu no nosso planeta e é por isso que ele possui um núcleo metálico e uma superfície rica em rocha. Dessa diferenciação surgem, por exemplo, os meteoritos acondritos (originários da superfície desses corpos diferenciados, como o planeta Marte, a Lua ou o asteroide 4 Vesta) ou os meteoritos ferrosos (originários do núcleo de antigos asteroides que se fragmentaram por antigos impactos).

Péricles: De que são feitos e como se formam?

Gabriel: Eles são feitos de minerais e metais, alguns deles comuns até mesmo aqui na Terra. Os meteoritos rochosos são ricos em minerais como olivina, piroxênio e plagioclásio, entre outros. Já os metálicos são compostos principalmente de ligas de ferro e níquel como a kamacita e a taenita. Os meteoritos não diferenciados se formam pela acreção do pó disperso na nebulosa que deu origem ao nosso Sistema Solar.

Meteorito ferroso: Campo del Cielo

Na região havia pequenos grãos minerais chamados côndrulos, que se uniram com pequenos flocos metálicos e a poeira fina, formando essas primeiras rochas. Já os meteoritos diferenciados se formam no processo de derretimento dos corpos formados pela acreção* contínua das rochas iniciais. Após derreter e separar as fases rochosas (meteoritos acondritos) e metálicas (meteoritos ferrosos), impactos com outros corpos lançaram pequenos pedaços desses materiais pra fora do campo gravitacional dos corpos parentais (rocha original) de volta para o espaço. Assim, tanto o material diferenciado quanto o não diferenciado fica orbitando o Sol e um dia podem acabar caindo aqui na Terra na forma de meteoritos.

Péricles: Qual a idade dos meteoritos? Como essa idade é determinada?

Gabriel: Como eles têm diferentes origens, eles possuem diferentes idades. Os meteoritos condritos, que se formam no início do Sistema Solar, possuem cerca de 4,56 bilhões de anos. Enquanto isso, os meteoritos diferenciados têm a idade dos corpos parentais de onde se originaram, assim, eles pode ter desde idades muito próximas da formação do Sistema Solar, até idades mais modestas como 1 ou 2 bilhões de anos, como é o caso de alguns meteoritos que são basaltos (rochas vulcânicas) originárias de Marte.

Condrito: NWA 869

A idade dos meteoritos é obtida através da datação por meia-vida de decaimento de isótopos de elementos pesados. Alguns elementos são instáveis e se transformam em outros com o passar do tempo. Somos capazes de medir a quantidade dos elementos originais e dos elementos filhos (muitas vezes uma sequência de transformações e diferentes elementos filhos) e, sabendo-se a taxa na qual há essa transformação, podemos dizer quanto tempo transcorreu desde a formação desses meteoritos.

Péricles: Como são nomeados/classificados os tipos de meteoritos existentes?

Gabriel: Atualmente existe um sistema bem complexo de classificação de meteoritos, dependendo da sua origem e composição. De maneira geral eles são separados em não diferenciados (meteoritos condritos) e diferenciados (acondritos, ferrosos e ferro-rochosos). Dentro desses grupos há uma grande quantidade de clãs, classes, tipos, grupos e sub-grupos (para ficar mais fácil entender toda a classificação dos meteoritos, vejam a figura ou seguir o link para ver a imagem em tamanho original).

Essas subclassificações são feitas de acordo com variações cada vez mais sutis de composição ou alteração petrológica e refletem pequenas diferenças na origem desses materiais. No caso dos meteoritos condritos, por exemplo, é possível se obter informações sobre a sua origem como a distância de sua formação em relação ao Sol e a existência de um maior ou menor grau de alteração devido a presença de calor ou água. No caso dos acondritos a classificação reflete os diferentes corpos de onde se originam os meteoritos, como planetas, satélites ou asteroides e até diferentes origens ou regiões de formação nesses corpos. No caso dos ferrosos há uma classificação estrutural, mais simples e uma química mais complexa e que depende de diversos elementos. No caso dos ferro-rochosos, eles refletem também a origem desses meteoritos. Além da classificação, existe a nomenclatura do próprio meteorito em si. Os meteoritos são sempre nomeados graças ao seu local de queda, como o nome da cidade, nome de um rio ou montanha próximo de onde houve a queda, etc.

Acondrito lunar: NWA 10318

Alguns meteoritos localizados em locais em que quase não há referência geográfica que se possa usar acabam recebendo um nome genérico seguido de um número, como é o caso dos meteoritos caídos no Sahara, que se chamam NWA (North West Africa) seguido de um número.

 

Péricles: Por que estuda-los?

Gabriel: Os meteoritos são uma grande fonte de material de fora do planeta que pode ser obtida de maneira simples e barata. Ao invés de ir lá ao espaço busca-los, eles vêm até nós. Assim, temos diversas amostras de diferentes locais, da Lua, de Marte (inclusive, todo material marciano que temos na Terra veio na forma de meteoritos), amostras de diversos asteroides e provavelmente amostras de cometas e até do planeta Mercúrio (apesar de que isso ainda não foi categoricamente confirmado). Com eles podemos estudar como ocorreu a origem e a evolução do Sistema Solar e até a evolução do nosso próprio planeta.

Péricles: Quais as principais diferenças dos meteoritos para as rochas aqui da Terra? Como eu poderia determinar se uma rocha que eu encontrei no meu jardim é ou não um meteorito?

Gabriel: Para uma pessoa leiga, às vezes não é tão fácil diferenciar um meteorito de uma rocha terrestre e, principalmente, de materiais feitos pelo homem. Aqui vão algumas dicas. Uma das coisas mais comuns nos meteoritos é o ferro metálico. Ainda que existam casos em que não há presença dele em alguns tipos de meteoritos, uma forma de se buscar meteoritos é através do uso de um imã. É importante destacar que existem três casos que podem atrapalhar a busca: rochas terrestres com minerais com aspecto metálico, mas que não possuem ferro; rochas que não tem ferro metálico, mas que são atraídas por imã; e de restos de fundição que são feitos de ferro, mas são de origem terrestre. A principal forma de diferenciar esses materiais de meteoritos é pela presença do níquel associado ao ferro. Isso pode ser feito de maneira caseira, mas geralmente esse é um teste laboratorial feito com um reagente chamado DMG (dimetilglioxima). Se o meteorito for recém caído deverá apresentar uma capa bem fina e escura (se comparada com o interior) resultante do derretimento durante a passagem pela atmosfera conhecida como crosta de fusão. Essa crosta dificilmente apresenta aspecto fluido evidente (como se houvesse sofrido derretimento), além disso, dificilmente ela possui mais que 1 ou 2 mm de espessura. Às vezes a superfície pode apresentar um aspecto aerodinâmico como depressões pouco profundas chamadas de regmagliptos. Com o passar dos anos, o meteorito vai se intemperizando e oxidando e vai perdendo a crosta de fusão. O metal pode ir oxidando e cada vez mais se torna difícil a identificação dos meteoritos. Além do ferro, existem outros aspectos, específicos de cada grupo de meteoritos, que podem ser usados para diferenciá-los de rochas terrestre. Alguns meteoritos, como os condritos, possuem pequenas esferas minerais que são os chamados côndrulos.

Meteoritos não possuem quartzo em seu interior e nem vários dos minerais mais comuns na superfície da Terra, meteoritos também não apresentam bolhas em seu interior.

Diogenito NWA 1239. A imagem ilustra muito bem as características visuais de um meteorito descritas anteriormente pelo Gabriel. Repare na diferença de coloração da parte externa do meteorito (crosta de fusão) para toda a porção interna do mesmo (rocha sã) e o quão fina é essa crosta em relação a espessura desse meteorito. A coloração escura é proveniente do derretimento da camada mais externa da rocha causado pelo intenso atrito com as partículas em suspensão presentes em nossa atmosfera. Repare também na porção esquerda do meteorito algumas sutis ondulações (regmagliptos).

A professora Maria Elizabeth Zucolotto desenvolveu um diagrama pra ajudar a identificar amostras prováveis de meteoritos (Figura a seguir). Além disso, amostras suspeitas podem ser enviadas a ela (endereço na figura) ou a mim (Prof. Fabio Rodrigues / Gabriel Gonçalves Silva, Laboratório Quimiosfera – Instituto de Química (IQ) – Bloco 12 – Sala 1253, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 – Vila Universitaria, Universidade de São Paulo (USP) – CEP: 05508-000, São Paulo – São Paulo, Brasil).


Bom pessoal, a primeira parte dessa entrevista vai ficando por aqui, em breve trarei a vocês a continuação dessa conversa com o Gabriel Gonçalves. Quer saber se você pode se tornar um caçador de meteoritos ou tem curiosidade em saber como funciona uma expedição a procura dessas rochas? Basta aguardar a nossa próxima publicação. Ficou alguma dúvida? Basta deixar um comentário que tentaremos ajudar da melhor forma possível.


*Extremólifos: https://pt.wikipedia.org/wiki/Extremófilo

*Fixação do carbono: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fixação_do_carbono

*Biomassa: https://www.todamateria.com.br/biomassa/

*Acreção: https://pt.wikipedia.org/wiki/Acreção_(astrofísica)


Saiba mais:

Assista a uma palestra sobre meteoritos ministrada pelo Gabriel Gonçalves no Link.

Palestra – Meteoritos: Destruidores ou transportadores de vida Link