Olá, Deviantes e derivadas,
Começo este espaço para falar sobre política. Sim, corram para as montanhas. Quebrarei um dos três pilares fundamentais dos assuntos-tabu do brasileiro médio porque sei que temos um espaço suficientemente satisfatório aqui para fazê-lo. Ao mesmo tempo, sei que aqui é internet BR HUEHUE ZoEiRa NeVeR eNdS, então… ¯\_(ツ)_/¯.
Não acredito que exista um texto, ainda mais político, que seja satisfatoriamente neutro. A mera escolha do tema já demonstra claramente uma tendência ideológica por trás. Tal qual a figura oculta atrás da criança, que é um cachorro. De qualquer forma, tentarei abordar dois, três, cinco, cinquenta lados. E falharei, claro, provavelmente de forma espetacular.
Mas encarem essa tarefa tal qual a de Legolas ao mirar um Uruk-hai a léguas de distância. O elfo surfista, para acertar o orc, não fará a mira no próprio, mas, sim, muito acima do mesmo, já esperando que a flecha descenda, que o vento aja ou que o exagero do escritor/roteirista entre em ação. A neutralidade aqui pretendida será sempre um ideal, o ponto-fora-do-alvo em que Legolas mira. Muito provavelmente alvejarei outros elfos, hobbits desavisados e, quem sabe?, o olho de um anão. Mas, acreditem, a minha meta sempre será mirar nesta neutralidade a fim de acertar a fuça do Uruk-hai.
Pois bem, após essa triste analogia abençoada por Eru, à política! E que tempo pra se viver, meus amigos, que tempo! Espetacular por muitas, muitas interpretações. Você pode discordar do que está acontecendo, você pode temer pelo nosso futuro, mas é inegável a espetacularização política pela qual passamos. Para começar, pois, um texto maior para explicar a bagunça que foi o dia de ontem.
Nesta segunda, dia 9 de maio do 2016° ano do nosso Senhor (Brian), na antevéspera de vermos afastado um mandatário do executivo federal democraticamente eleito após 24 anos desde que isso aconteceu, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP/MA) anulou o processo da votação de admissibilidade do impeachment (aquele mesmo que ocorreu no domingo que ficará em nossas mentes por muitos e muitos anos a vir, para o bem ou para o mal).
O presidente interino acolheu um pedido feito pela Advocacia-Geral da União (AGU) alegando, dentre outras coisas, que os partidos políticos não poderiam ter orientados seus parlamentares ao voto (como é praxe em, bem, qualquer votação no Congresso), pois os mesmos, na matéria do impeachment, “deveriam votar de acordo com suas convicções pessoais e livremente”. Vale dizer que Maranhão, antigo aliado do presidente afastado da Câmara (e desafeto-mor de Dilma), Eduardo Cunha (PMDB/RJ), mudou de posição na véspera desta mesma votação do impeachment e votou contrário à sua admissibilidade, contrariando, inclusive, o próprio partido. Diz-se, ainda, que o mesmo passou o final de semana com o governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB – partido hoje mais pró-governo que o próprio PT, de Dilma.
Mas é claro que na hora que isso aconteceu, Brasília fervilhou. Dilma feliz, mas cautelosa (uma pena que ela não disse estar serena; políticos, em geral, adoram a serenidade). José Eduardo Cardozo (atual advogado-geral, quem protocolou o pedido e um dos aliados mais ativos da presidente no momento) começou a falar “Melou! Melou!”. A oposição ficou com cara de “Ué?” em um primeiro momento e já partiu para o Supremo Tribunal Federal para barrar isso. Enfim, o caos. Ou, como estamos vendo nos últimos meses, apenas mais uma segunda-feira.
Acontece que algumas horas depois o atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL) – um dos políticos que mais sabem estar do “lado certo” quando a boiada estoura – ignorou solenemente sua contraparte, chamou dois ou três de “bobão” e seguiu o processo como deveria. Daí a oposição voltou atrás e disse que nem queria mesmo acionar a justiça e bola pra frente.
Um sumário do relatório do processo de impeachment da presidente foi lido no plenário do Senado e a votação pela continuidade do processo será nesta quarta-feira (caso não haja outras reviravoltas, como uma declaração de guerra à Bolívia ou uma invasão alienígena). A oposição precisa de apenas a maioria dos votos, mas a atual contagem é que ela já teria mais do que os 2/3 necessários para derrubar a Dilma definitivamente quando da votação final. Antes disso, porém, a presidente é afastada por até 6 meses do cargo, assumindo seu vice, Michel Temer.
Houve ainda a discussão sobre acelerar a cassação do mandato do senador Delcídio do Amaral (PT/MS) – ex-líder do governo no Senado, preso desde o fim do ano passado e que fez talvez a mais contundente delação premiada contra Dilma e Lula até agora. O medo dos senadores é que um Senador, que está preso, possa votar num processo de impedimento da presidente e, pior ainda, ter microfone aberto (possivelmente em cadeia nacional) para falar o que quiser. I-m-a-g-i-n-e-m a diversão. O senador deve ser cassado hoje, pelo plenário.
E entre eu ter escrito essas belas palavras na madrugada de segunda pra terça e a publicação efetiva desse texto, mais uma reviravolta: o deputado Maranhão pediu desculpa pelo vacilo e anulou sua anulação, em um ato extremamente condizente com aquele que havia dito, menos de 24hs antes, que “não estamos brincando de fazer democracia”. Para quem já jogou Magic na vida, o deputado usou um counterspell contra o seu próprio counterspell na rodada anterior. Para quem já jogou Yu-Gi-Oh, ele anulou sua própria armadilha. Se você nunca jogou nada disso, perdão pela nerdice. =D
Ufa. É isto, querido leitor, querida leitora. Este primeiro texto ficou grande pois, além das apresentações iniciais, havia muita coisa a ser contada. Mas, é claro, hoje foi um dia excepcional. Claro que não teremos mais nada assim nas próximas semanas. Afinal, só temos pela frente uma presidente a ponto de ser afastada; um vice-presidente que pode ser arrastado por uma chapa cassada; uma Câmara com o presidente afastado (mas que protela seu julgamento há mais de seis meses) e com um presidente interino implicado em diversos processos da justiça; um Senado com o presidente igualmente implicado em diversos processos; um Supremo Tribunal que, hoje, mais governa do que julga; e uma branda polarização político-gastronômica em todo o território, em que parte da população segue um pato amarelo de borracha gigante e a outra conclama frases de ordem que datam da 1° Guerra Mundial.
Ah, isso porque eu não entrei em qualquer discussão sobre a crise econômica atual.
Dias maravilhosos estão por vir.