Não raro ouvimos que “a realidade supera ficção”. Bem, ainda aguardo o momento que uma invasão alienígena será parada por um homem com uma armadura moderna que voa e um monstro verde que espanca deuses de uma dimensão paralela, mas observando a política brasileira desde… sempre, tendo a dar o braço a torcer. Que mundo bizarramente maravilhoso (para não usar eufemismo melhor) em que vivemos! O caso da vez é o da agora nacionalmente famosa Tia Eron.

Tia Eron > Vingadores

Tia Eron > Vingadores

Você não conhece a provável tia mais famosa do Brasil? Tia Eron (de Eronides) foi professora da Escola Bíblica Infantil, tendo iniciado sua vida em ações sociais no bairro de Saramandaia, em Salvador. Ingressou na vida política em 2001, quando eleita para Vereadora da capital baiana pelo PFL por dois mandatos, e depois por mais dois já pelo DEM. Em 2013, mudou de partido para o PRB e se tornou deputada federal. Um ponto sobre o qual muito se orgulha é que, em todas as ocasiões, foi a candidata mulher com o maior número de votos.

Tia Eron tem um histórico legislativo bem voltado para a causa de empoderamento feminino e de minorias étnica – e consegue conciliar bem o fato de ser evangélica e, por exemplo, ter homossexuais trabalhando em seu próprio gabinete. No Congresso, ganhou notoriedade por sua boa articulação, projetos de leis sólidos e por ser uma representante mulher e negra. Em 2015, por exemplo, foi eleita uma das parlamentares do futuro; o futuro sem dúvida parecia uma certeza para Tia Eron.

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Mas a despeito de sua contribuição como legisladora, o que deu notoriedade nacional para a deputada nos últimos meses foi sua indicação para o Conselho de Ética, no lugar de Fausto Pinato (PP/SP). Pinato havia sido o relator do primeiro parecer que pedia a condenação de Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e renunciou alegando que temeu a própria morte. Tia Eron foi indicada ao cargo pelo seu partido e já entrou sofrendo grande pressão para inocentar Eduardo Cunha do processo mais longo da história do Conselho de Ética.

E é aí, justamente aí, que a história deu a Tia Eron sua repercussão nacional. Não por uma admirável carreira como legisladora, nem como mais da “tropa de choque” de Cunha, mas como a mais recente… desaparecida.

Explico: após a substituição de Pinato como relator, um novo relatório foi produzido por Marcos Rogério (DEM/RO) em que o mesmo pede a cassação de Cunha. Após mais um tanto de protelação, quando o Conselho procederia para a votação, percebeu-se a seguinte situação (e peço que leia aqui com atenção pois, ao perceber onde chegaremos, achará quase cômico):

  1. O Conselho de Ética é formado por 21 deputados titulares, todos com direito a um voto; o presidente do Conselho somente exerce seu voto caso haja empate entre os demais.
  2. No caso de um deputado titular não estiver presente no momento da votação, votará o primeiro inscrito da lista de suplentes (ou seja, é por ordem de chegada naquela sessão).
  3. Por conta das posições anteriormente adotadas ao longo de toda a discussão, concluiu-se que teríamos 9 votos a favor da condenação e 10 contrário. O último dos votos seria o de Tia Eron: votasse a favor, haveria um empate e seria decidido pelo presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PR/BA), que já se mostrou a favor da condenação; fosse contrário, Eduardo Cunha seria inocentado (ou teria uma pena alternativa bem mais branda).
  4. MAS, Tia Eron simplesmente não apareceu para a sessão. Pior: ela estava na Câmara dos Deputados, mas não apareceu para a sessão.
  5. Ou seja, de acordo com o ponto 2, o voto iria para o primeiro inscrito da lista de suplentes – no caso daquela sessão, Carlos Marun (PMDB/MS), conhecido aliado de Cunha. Logo, Cunha seria inocentado.
  6. O que sua “tropa de choque” não contava é que o feitiço viraria contra o feiticeiro: tendo aprendido com as muitas, muitas, manobras protelatórias nestes últimos meses, a oposição à Cunha se apoiou em uma interpretação do regimento após um voto em separado e conseguiu fazer com que a votação não acontecesse naquele dia, sendo adiada por mais dois dias.
  7. Após muita discussão ao longo da semana, a votação foi adiada e adiada, sendo que a mesma deverá ser realizada nesta terça, dia 14. Com ou sem Tia Eron.
Tia Eron e Tio Cunha

Tia Eron e Tio Cunha

Ou seja, caso ela apareça para votar, Tia Eron terá o destino de Cunha nas mãos. Caso não apareça, será ainda mais tragicômico – dependerá simplesmente de se o primeiro suplente a se registrar é aliado ou não do ex-presidente da Câmara. É claro que isso não vai acabar por aí, ao longo desse caso sabemos que essa “certeza” a votação na próxima terça pode ser apagada em dois tempo. Diversas novas e criativas manobras ainda estão por vir.

Tia Eron virou tranding topic no twitter mundial. Virou foco das reportagens de praticamente todos os maiores veículosBiografias foram construídas. Elogios e ameaças, igualmente. Tia Eron é o retrato, hoje, da política brasileira: um silêncio ensurdecedor.

Como nota final, impossível não comentar – tendo uma Tia Eron como personagem principal da República na próxima semana, finalmente ganhará sentido o antigo lema do governo: Pátria Educadora.