Eusébio Cigarra ou Gertrudes Formiga: quem somos na fila dos procrastinadores? Todo mundo tem aquele amigo ou conhece alguém super organizado, que entrega tudo no prazo certinho ou com antecedência. Também é comum, principalmente na época escolar/acadêmica, saber de outros que são o completo oposto e têm dificuldade com prazos. Mas como aprendemos a cumprir nossas obrigações?
Pensando um pouquinho sobre o assunto, lembrei da fábula ‘A cigarra e a formiga’, que mostrava o conflito entre uma formiguinha que trabalhava para guardar suprimentos para o inverno enquanto uma cigarra estava a cantarolar e não se planejava para a época fria… Deixando de lado as questões moralizantes trazidas pela historinha, podemos usar isso de exemplo para conversar um pouco sobre procrastinação.
De acordo com uma abordagem da Psicologia chamada Análise do Comportamento, procrastinar é uma classe de respostas de fuga ou esquiva com o objetivo de evitar uma atividade indesejada ou com alto custo de resposta. É como se nosso comportamento tivesse um preço que aumenta conforme precisamos gastar mais tempo, esforço, recursos – financeiros ou não – com essa atividade.
O fenômeno dos comportamentos concorrentes funciona como loja em liquidação: quem oferece o menor preço e a maior variedade de produtos tem mais chances de fisgar o cliente. Mas sabemos que às vezes o barato sai caro e precisamos pensar as contingências a longo prazo para não sermos enganados pela bela vitrine da gratificação imediata. Lembra da fábula de Esopo?
Nesse exemplo, Eusébio Cigarra (sim, adoro dar nomes aos personagens) evita trabalhar para guardar recursos, pois esse comportamento possui alto custo de resposta em relação a ficar cantarolando despreocupado. Para Gertrudes Formiga, trabalhar também é algo custoso, traz cansaço e o benefício só vai ser aproveitado na estação seguinte do ano. Mas o que difere entre Eusébio Cigarra e Gertrudes Formiga? Basicamente algo que nos diferencia também, a ontogênese.
Segundo essa mesma teoria (a Análise do Comportamento), existem 3 níveis de seleção do comportamento. O primeiro, a filogênese, está relacionado com as contingências que permitiram a seleção natural e sobrevivência daquelas pessoinhas do tempo das cavernas. Dessa forma, vamos ver que a procrastinação e a preguiça foram selecionadas por algumas razões, dentre elas: economia de energia em um ambiente escasso de recursos e tempo de repouso, a possibilidade de entrar em contato imediato com as consequências reforçadoras de procrastinar e a dificuldade em esperar pelo reforço a longo prazo, afinal, não se sabia quanto tempo o hominideozinho continuaria vivo para receber sua recompensa.
Analisando sociogeneticamente, estamos falando de contingências ou contextos que são mantidos por uma organização social sofisticada e assim vemos que um conjunto de comportamentos foi denominado de preguiça, e indivíduos que assim agiam eram punidos culturalmente. Além disso, a divisão do trabalho também é fator importante nessa equação porque, por exemplo, um agricultor que acorda ainda de madrugada para trabalhar e cochila após o almoço não é visto culturalmente como preguiçoso.
Ou seja, temos uma linha muito tênue que separa o descanso da procrastinação, sem falar na nossa eterna relação de amor e ranço com o autocontrole entre o “eu” de agora e o “eu” do futuro – ambos querendo recompensas. Mas há um outro aspecto da seleção por consequências que pode nos ajudar (ou atrapalhar) nisso.
É ela, a linda e maravilhosa, ontogênese (que explica porque você gosta do feijão por baixo ou por cima do arroz). De modo geral, ela pode ser definida como os aprendizados que você constrói ao longo da vida, dito em termos behavioristas, os processos de reforçamento aos quais você é exposto.
Na equação do deixar aquela tarefa chata para depois, a ordem dos fatores faz toda a diferença e por isso a ontogênese nos explica quem pode ser um pouquinho mais procrastinador. Existem dois principais fatores que vão selecionar a classe de comportamentos de procrastinar em cada indivíduo, são eles: sua sensibilidade ao reforço social, quando seus amiguinhos te elogiam, dão like, te elogiam ou dispensam algum tipo de atenção a você; e seu autocontrole frente a concorrência de estímulos – que é a dúvida cruel entre estudar ou assistir aquela série que acabou de estrear.
No caso de Gertrudes Formiga, o que a fazia trabalhar enquanto Eusébio Cigarra curtia a vida adoidado era que, além de visualizar as consequências reforçadoras a longo prazo, caso ela cedesse à concorrência de estímulos e fosse festejar em vez de guardar suprimentos para o inverno, isso lhe custaria sua sobrevivência – ou até mesmo de sua colônia – e no melhor dos casos, lhe renderia algumas punições sociais (e ninguém ia querer andar com ela no recreio)
Assim, podemos perceber que “ser trabalhadora” não é uma característica intrínseca à Gertrudes Formiga, não nasceu junto com ela, mas é derivada de uma série de pequenos cálculos, frutos de seus processos de reforçamento, feitos em prol de sua sobrevivência (isso assumindo que a personagem possui características humanas, ok? Biologicamente falando, a determinação do comportamento das formigas se dá de modo diferente).
Todo mundo tem aquela preguicinha e aproveita para deixar para depois a obrigação chata, mas isso não quer dizer que você seja o maior dos procrastinadores, só mostra que você é gente como a gente e que nem sempre sentirá vontade (será reforçado o suficiente – beijo Skinner!) para fazer certas coisas a que se propôs. Mas algumas dicas podem ajudar naqueles momentos em que não dá para adiar a atividade:
Autoconhecimento. Não adianta querer ser super produtivo e terminar todas as tarefas até as 11, se você sabe que é mais lento pela manhã. Procurar saber seu próprio ritmo é fundamental para não se sobrecarregar e acabar procrastinando.
Rotina. Estabelecer dias e horários para cumprir suas obrigações te ajuda a administrar melhor os prazos, podendo se organizar e evitando o estresse de entregar algo no último minuto.
Começar com antecedência. Isso parece bem óbvio, mas nosso cérebro é danadinho, se tivermos 15 minutos ou 2 horas para realizar uma atividade, vamos gastar esse tempo inteiro.
Dividir a tarefa em pequenos passos e estabelecer recompensas para a conclusão de cada etapa ajuda a tornar o processo mais gratificante e menos cansativo.
Dito isto, fique claro que esse não é um manual anti-procrastinação, são apenas algumas dicas de alguém que também tem dificuldade nessa área e, com bastante pesquisa e treino, copiou e elaborou algumas estratégias que deram certo (outras, nem tanto). Boa sorte e lembre-se, não há problemas em agir às vezes como Eusébio Cigarra, o importante é o equilíbrio entre trabalho e descanso!
Calma, não vai embora ainda! Tem dica de desenho animado! Minha recomendação é o episódio “Os procrastinadores”, da 3ª temporada de “O incrível mundo de Gumball”, em que o protagonista que dá nome a série e seu irmão Darwin fazem de tudo para evitar levar o lixo para fora de casa. Com referência à alguns clássicos como “O exterminador do futuro” e “2001: uma odisseia no espaço”, a obra é uma ótima pedida! Pega a pipoca e bora procrastinar, ops, analisar!
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HUBNER, Maria Marta Costa; MOREIRA, Marcio Borges (Org.). Temas clássicos da psicologia sob a ótica da análise do comportamento. Rio de Janeira: Guanabara Koogan, 2012.
MOREIRA, Márcio Borges; MEDEIROS, Carlos Augusto de. Princípios básicos de análise do comportamento. 1ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.