Obviamente você já passou pela experiência de decidir jogar meia hora de um game e, quando olhou novamente para o relógio, algumas horas se passaram. É claro que o tempo em si não passou mais rápido, nem a velocidade de rotação da terra aumentou, foi apenas a sua percepção que foi alterada. Mas por que isso aconteceu?
Há diversas formas de explicar este fenômeno, e uma bastante interessante e que se aplica aos games é o conceito de Cognitive Flow (Fluxo cognitivo, em uma tradução livre), ou simplesmente Flow, termo cunhado pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi (boa sorte ao tentar pronunciar isso, mesmo mentalmente) na década de 70.
Buscando entender o motivo de algumas atividades deixarem as pessoas felizes e focadas ele encontrou um denominador comum. Alguns indivíduos que demonstravam estas características executando atividades como compor, assistir a um determinado programa de TV ou executar uma tarefa específica, afirmavam vivenciar um estado de êxtase em que havia um “mergulho” em uma realidade alternativa. Esta experiência seria tão intensa que em alguns momentos o indivíduo poderia ter a sensação de sequer existir, ou seja, haveria uma suspensão temporária da realidade. Este estado de êxtase, foi chamado por Csikszentmihalyi como estado de Fluxo.
“Caramba, mas que exagero!”. É o que você provavelmente está pensando. A princípio realmente parece uma romantização de uma atividade prazerosa, mas isso certamente faz bastante sentido. Pensando em capacidade de processamento de informações, é como se nosso cérebro fosse capaz de processar aproximadamente 110 bits por segundo. Prestar a atenção em alguém falando, por exemplo, consumiria 60 bits por segundo. Isso explicaria a dificuldade em participar de duas conversas simultaneamente e com total compreensão. Neste sentido, uma atividade que exija muito foco, somado a outras características que explicarei adiante, pode realmente “roubar” a atenção do nosso cérebro, impedindo-o de monitorar com eficácia se estamos com fome, algumas dores, preocupações ou cansaço. Afinal, quando você era criança, quantas vezes sua mãe teve que pedir para desligar o videogame para ir almoçar? Não é que você não estivesse com fome, mas a atividade de jogar estava direcionando a maior parte da atenção disponível do seu cérebro.
Ok, mas isso não acontece com todo jogo, não é mesmo? Você até pode ter passado horas jogando Mario sem perceber, mas aposto que você já deixou de lado o jogo do Barney do Mega Drive, por não oferecer nenhum desafio, assim como deve ter jogado o controle no chão ao se frustrar demais com Battletoads. Isso mostra que nem sempre conseguimos atingir o tal estado de Fluxo. Isso porque para que isso ocorra é necessário que se obedeça a alguns critérios, segundo Csikszentmihalyi:
- Foco, concentração na atividade: o jogo deve ser capaz de exigir sua atenção e concentração
- Sensação de êxtase: é necessário que o jogo consiga te transportar para uma outra realidade
- Clareza de objetivos: deve ficar claro para o jogador o que é necessário fazer, da mesma forma que é importante receber feedbacks
- Saber que a tarefa é factível: ter habilidades que permitam ao jogador superar os desafios. Muitas vezes nesse caso é necessário treino. Por isso é importante que o jogo tenha uma curva de aprendizado adequada.
- Senso de serenidade: ao mesmo tempo que está focado, o jogador precisa estar também um pouco relaxado
- Ausência de percepção do tempo: praticamente uma consequência de se atingir os objetivos citados acima
- Motivação intrínseca: este é um fator importantíssimo. A atividade executada deve produzir recompensas que motivem a pessoa a continuar executando esta atividade. Em outras palavras, a recompensa recebida ao vencer um desafio num jogo (seja XP, troféus, desbloquear um novo nível, ou apenas a sensação de superação), deve ser suficiente para motivar o jogador a continuar jogando.
Se todos estes objetivos são atingidos, nós sentimos que estamos fazendo algo de fato valioso e isso traz consigo a sensação de felicidade.
É possível resumir isso em apenas um gráfico:
Portanto, como é possível notar, para atingir o estado de fluxo e perdermos a noção do tempo enquanto jogamos, é preciso haver um equilíbrio entre dificuldade do jogo e habilidade do jogador. Como jogos mais difíceis ou desafiadores exigem também maior atenção, se o jogador tiver habilidade compatível, provavelmente ficará imerso por horas jogando.
Se você tem interesse no assunto, falamos um pouco sobre este assunto e as motivações que levam os gamers a jogarem jogos difíceis neste PODCAST.