As últimas semanas foram um tanto quanto agitadas em termos de ciência e política. Após a sabatina em prol da ciência com oito candidatos (ou ao menos representantes dos partidos), um dos candidatos que não teve sequer representante na sabatina anterior disse não haver pesquisa no Brasil. Poucos dias após isso, o presidente do conselho superior da CAPES (Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) enviou um ofício ao Ministério da Educação (MEC), indicando as consequências na pesquisa brasileira, em relação à pós-graduação, formação de profissionais da educação básica e cooperação internacional, caso mantido o orçamento para 2019 limitado pela “PEC do teto de gastos”.

Com tudo isso, além da clara manifestação de milhares de estudantes, bolsistas ou não, professores, enfim, pesquisadores brasileiros em geral, mostrada tanto online quanto offline, infelizmente também ficou clara a opinião de parcela da população que acredita que ciência é gasto e que bolsista não trabalha.

Não vou me aprofundar neste ponto, mas que fique claro que ciência é investimento e que bolsista trabalha muito, mas infelizmente não tem nenhum direito trabalhista (inclusive tem pesquisador que sequer recebe bolsa, mas trabalha muito na pesquisa mesmo assim).

Assim como foi feita a manifestação de milhares e milhares de pesquisadores na rede social mais legal, com a hashtag título deste texto, quero aqui ressaltar o fato de que não só existe pesquisa científica no Brasil sim, como existe muita pesquisa! Se preparem para os números!

Vai ver o problema de quem fala que não existe pesquisa no Brasil é porque o próprio não sabe pesquisar os dados que deveria saber… então vou dar uma ajudinha!

Quem é pesquisador sabe que a maioria das publicações acabam sendo feitas em periódicos internacionais, por n fatores, porém aqui, como forma de melhor exemplificar com dados, irei usar a plataforma SciELO, que tem um total de 367.144 documentos publicados no momento da pesquisa feita para a preparação deste texto, sendo 65% destes publicados em português. Podem parecer números pequenos, mas esclarecendo para quem não sabe, a plataforma SciELO é uma biblioteca online de periódicos científicos brasileiros, onde os pesquisadores podem publicar os resultados de seus trabalhos e, se não todos, ao menos parte dos artigos publicados são de acesso gratuito.

Os trabalhos na plataforma são divididos em oito grandes grupos: ciências agrárias; biológicas; da saúde; exatas e da terra; humanas; sociais aplicadas; linguística, letras e artes; além das engenharias. A plataforma tem 20 anos, porém há publicações feitas desde 1909 que são possíveis de ser acessadas por lá em 365 periódicos diferentes (de forma geral, o periódico é como se fosse a revista em que os artigos científicos são publicados, sendo que cada revista trata de um assunto específico).

Dos artigos publicados na plataforma, 276.235 documentos, ou 75% do total são pertencentes a autores associados ao Brasil. Mas como tem artigo publicado de quase 110 anos, consigo ouvir você falando que este número de publicações é super baixo na média, o que até justificaria alguém falar que não existe pesquisa no Brasil… Mas NÃO! Nunca mais sequer pense isso!

O fato é que um dia realmente não existiu pesquisa no Brasil e esse dia não é tão no passado assim… A pesquisa científica em sua grande maioria é feita dentro das instituições de ensino, mas você tem ideia há quanto tempo temos universidades no país? A primeira instituição de ensino superior no Brasil foi a Escola de Cirurgia da Bahia em 1808, seguida pelas Faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda, porém a primeira universidade brasileira a oferecer uma diversidade de cursos surgiu em 1912 (Universidade Federal do Paraná). Nossas universidades são bebês perto de algumas famosas pioneiras de seus respectivos países (entre parênteses com o ano de fundação da mesma): Universidade de Bolonha (Itália, 1088), Universidade de Oxford (Inglaterra, 1096), Universidade de Paris (França, 1096), Universidade de Salamanca (Espanha, 1218) e Universidade de Harvard (EUA, 1636).

Mas este nosso passado obscuro vem mudando, hoje temos diversas instituições de ensino formando profissionais e fazendo pesquisa, como universidades federais espalhadas pelo país, universidades estaduais, escolas técnicas… fora os próprios institutos de pesquisa e até algumas empresas.

Mas voltando à plataforma SciELO e nossos números, fazendo uma seleção somente dos últimos 20 anos completos, temos que 88% de todos os artigos publicados na plataforma, ou 324.227 artigos foram publicados neste período.

E é agora que vem o número de ouro: o total de publicações brasileiras entre 1998 e 2017 é de 250.191 artigos, ou 77% de todas as publicações feitas na plataforma neste período! Além de ser 68% do total de publicações da SciELO! Isso tudo fica ainda mais bonito se analisado no gráfico dos últimos 20 anos:

Publicações brasileiras na plataforma SciELO no período 1998-2017

Foram publicados quase 100.000 artigos a mais no período 2008-2017 em relação à década anterior (1998-2007), indicando que a pesquisa científica brasileira está em seu momento de maior produção da história do país!

Lembrando mais uma vez que estes dados são somente da plataforma de periódicos brasileira, então há muito mais artigos publicados neste mesmo período por brasileiros se considerarmos os artigos publicados internacionalmente. Além disso, nem sempre um pesquisador consegue publicar constantemente já que pesquisa leva muito tempo (dependendo do tema, pode durar mais anos que um doutorado para a pesquisa estar concluída), assim como é muito raro um artigo ser publicado com somente um autor, já que muitas vezes é um grupo de pesquisa responsável por aquele trabalho. Sendo assim, o número de pesquisadores é ainda muito maior do que o número de artigos publicados.

Então, se você ouvir alguém dizer que não existe pesquisa no Brasil, pode responder sem medo que existe pesquisa no Brasil, sim! O que não existe no Brasil é valorização da pesquisa, do trabalho do cientista e da ciência de modo geral.

 

Referências:

SciELO: Scientific Electronic Library Online.

SciELO Analytics.

#existepesquisanobr

Protesto contra corte nas bolsas da Capes bloqueia Avenida Paulista.

A mais antiga do Brasil

As 10 universidades mais antigas do mundo.

About Harvard.


Michelle Mantovani. Química e engenheira de materiais que sonha em viajar no tempo e no espaço.