Foram décadas de espera, mas finalmente aconteceu. Diana de Temiscira, princesa das amazonas, embaixatriz da paz e mestra da guerra finalmente recebeu uma representação midiática à altura da personagem.

Mulher-Maravilha é uma obra fantástica, fruto da direção certeira de Patty Jenkins e prova de que Zack Snyder ainda sabe escrever boas histórias (quando supervisionado, claro) sem o tom sombrio que lhe é característico. Há humor, drama, ação e romance na medida certa, e Gal Gadot soube dar vida a uma das heroínas mais famosas e amadas de todos os tempos com uma naturalidade surpreendente.

Nos acompanhe nesta crítica (sem spoilers) e descubra o que achamos do filme.

A Jornada da Heroína

A trajetória da Mulher-Maravilha durante seus mais de 75 anos de história não foi fácil. Ela foi criada em 1940 por William Moulton Marston, psicólogo e inventor responsável pela criação do polígrafo (o Laço da Verdade é uma ligação direta com seu invento) sob a premissa de um herói que vence o mal e espanta o temporal não com violência, mas com “amor”. Logo, faria todo o sentido que fosse uma mulher.

Marston no entanto não era um santo. Além de estar preso às convenções da época (Diana era geralmente retratada como a poderosa submissa, que deseja ter um mestre mas precisa manter a pose) ele era um pervertido (para a época) adepto de BDSM e spanking, e refletiu suas preferências sexuais nas páginas das HQs. A Mulher-Maravilha muitas vezes era amarrada, espancada (de leve), acorrentada, virava alvo de objetos fálicos mas tudo dentro de metáforas ora bem escondidas, ora não.

Sugiro a leitura deste texto para mais informações.

O problema é que adaptar a história da Mulher-Maravilha é complicado. É muito fácil cair no clichê fetichista e ignorar toda a mitologia por trás dela, que quando bem explorada rende passagens e histórias maravilhosas; também é possível apelar para uma abordagem totalmente diferente e isso fez da série para a TV com Lynda Carter um ícone. Ela É a eterna Mulher-Maravilha, todas as versões subsequentes foram comparadas com ela.

A Diana de Gal Gadot não foi exceção; a diferença é que desta vez fizeram tudo direito, abrindo mão do sexismo raso (mas ainda fazendo deliciosas piadinhas) e se concentrando na construção da personagem.

Sim, temos aqui mais um filme de origem mas se engana quem pensa em ver uma Diana bobinha. Ela é sim inocente quanto aos meios do mundo externo, mas ela sabe muito bem o que precisa fazer quando ouve o Chamado à Aventura, na pessoa do capitão Steve Trevor.

Chris Pine provou mais uma vez porque é o atual capitão James T. Kirk, ele sabe dar vida a personagens canastrões sem perder a conexão com a humanidade e o bom humor. As cenas em que ele interage com a Diana se maneira mais descontraída são hilárias, a tensão sexual se transformou em comédia mas não rasgada, pontual e bem dosada.

As demais personagens de apoio na Ilha Paraíso também são excelentes. Há mulheres de todo o tipo, todas as etnias e todas guerreiras fortes e valentes. A cena do combate na praia é fantástica, e é onde a general Antíope (Robin Wright, numa interpretação MUITO MAIS ameaçadora do que como Claire Underwood), irmã da rainha Hipólita (Connie Nielsen) e tia/mestre de Diana brilha. Ela é alguém que você definitivamente não quer como inimiga.

O filme é cronologicamente o primeiro do Universo Estendido da DC e o único a ser ambientado antes de O Homem de Aço e Batman vs. Superman: A Origem da Justiça. A Primeira Guerra Mundial está em seus últimos dias, mas Trevor descobre um plano do general alemão Erich Ludendorff (Danny Huston, de 21 Gramas; aliás o general em questão é uma figura histórica) para virar a mesa: um gás letal desenvolvido pela química Isabel Maru, a Dra. Veneno (Elena Anaya, de A Pele que Habito) que pode matar milhões em instantes.

Diana vê a ameaça da “Guerra para acabar com todas as Guerras” como o indício de algo maior e vai em direção ao combate, porque é isso que ela entende como sua missão. Ela é uma guerreira, luta, bate e apanha como gente grande mas é muito mais do que isso. Sua compaixão ainda é seu maior poder, bem mais do que os dons com que foi abençoada.

O filme introduziu os deuses gregos no DCEU, e não falo da gambiarra que a Marvel utilizou com os asgardianos; mesmo em Doutor Estranho a magia é meramente uma ciência não estudada, mas aqui não. Explicar o panteão formado por Zeus e cia. como um bando de alienígenas seria podar o potencial de Diana e por isso aqui vemos a magia utilizada como deve ser, com toda a grandiosidade que se espera.

Os personagens do mundo humano são excelentes, desde os inimigos como os aliados do time suicida de Trevor, a secretária Etta Candy (Lucy Davis). O embate de perspectivas entre as duas mulheres é muito divertido, mas mesmo ela é uma heroína à sua maneira e mostra ser muito competente.

Tecnicamente o filme é perfeito. A história não possui barrigas, não é excessivamente depressiva e sombria e a fotografia é ótima. Temiscira é brilhante e viva, enquanto a Londres de 1918 é fria e extremamente cheia, com gente de todos os cantos do outrora grandioso império. O front ocidental é sujo e opressivo, como deveria ser e a grande cena de ação, o primeiro ato de bravura de Diana é magnífico.

Sem entregar a história, digamos que ela estava com um tremendo handicap quando enfrentou Apocalipse; em termos de escala de poder ela venceria Kal-El com uma mão amarrada nas costas. Mas de novo, o maior poder de Diana não é sua força ou sua resiliência: é sua empatia, sua capacidade de se doar por aqueles que não podem se proteger.

Como Carol Ferris disse durante a saga A Noite Mais Densa, “ninguém no mundo ama mais do que a Mulher-Maravilha”. E é verdade.

Conclusão

Mulher-Maravilha é a prova de que quando a DC e a Warner querem são capazes de contar boas histórias, sem precisar apelar para a “elegância e visionarismo” excessivo, nem imitar o principal competidor e atochar piadinhas a torto e direito. Gal Gadot incorporou a princesa guerreira com perfeição, é doce e implacável de acordo com a necessidade e a interação/flerte com Steve Trevor proporcionou alguns dos momentos mais leves e doces da película.

O filme é uma história de origem sem ser didática, que vai direto ao ponto e é um presente tato para os fãs dos quadrinhos quanto para quem aprecia uma aventura de primeira qualidade. E esperamos de coração que Liga da Justiça siga o mesmo caminho.

Cotação Deviante: 5 de 5 ingressos.