Oi, pessoas! Bom aí? Bom aqui. O título do texto foi inspirado no nosso podcast Derivadas! Gostaram? Eu queria muito entrar na cabeça de vocês e ver que imagem veio com esse título! A ideia do texto de hoje é darmos uma pincelada em Linguística Cognitiva e entendermos um pouquinho sobre como nossa língua molda a forma como vemos o mundo.
Marco Polo, no final do século XIII, viajando pelas ilhas de Sumatra, escreveu ter visto unicórnios. Sim, unicórnios!!! Incrível, não? E não foi apenas uma mençãozinha ou nota de rodapé. Ele se debruçou na descrição daquelas criaturas, inclusive dizendo que não eram bonitos como as histórias contavam, muito pelo contrário.
Ele os descrevia como tendo “o pelo parecido com o de um búfalo, os pés como os de elefante e um chifre no meio da testa, que é preto e bem grosso”. Hum… Isso lhes lembra algum bicho?
Na verdade, Marco Polo viu o que quis, ou melhor, descreveu uma criatura a partir dos seus “livros de background”, como chamou – muito mais tarde – Umberto Eco. Marco Polo não conhecia rinocerontes. Não tinha informação nenhuma a respeito desse animal. Quando se deparou com ele, acessou sua ‘biblioteca cerebral’ e, a partir das informações que o mundo lhe deu, achou, nos seus livros de background, a entrada de ‘unicórnios’.
É isso que a Linguística Cognitiva vai explicar. Para esta área,
“a linguagem é vista como um repositório de conhecimento do mundo, uma coleção estruturada de categorias significativas que nos ajudam a lidar com novas experiências e a armazenar informações sobre experiências velhas” Oxford Handbook
George Lakoff, uma das sumidades em linguística cognitiva, tem hoje um podcast junto com Gil Duran, o FrameLab. Nos – ainda poucos – episódios, eles discutem como o conhecimento das nossas frames (formas de “emoldurar” o mundo) nos permite manipular melhor a linguagem. Gil chama os mecanismos de linguagem que facilitam a comunicação de truques mentais Jedi, e, assim como em Star Wars, há quem prefira o lado negro da força…
George Lakoff explica que essa ideia de “ilusão cognitiva”, trazida pela brincadeira com os Jedi, vem do contraste da ideia antiga de raciocínio, que o vinculava exclusivamente à razão e à lógica, com o que entendemos que envolve o raciocínio hoje. As pessoas raciocinam usando frames, metáforas, narrativas, imagens, lógica de emoções, entre tantas outras coisas.
Vejamos um exemplo:
Você está andando na rua, duas pessoas passam do seu lado conversando e você escuta a palavra ‘roda-gigante’. Quase que automaticamente, você sabe que a conversa está relacionada a um parque de diversão. Mesmo tendo ouvido apenas uma palavra, nosso cérebro é capaz de fazer ligações com todo um campo de outras palavras e outros significados e sentidos.
Esse é um truque Jedi: a ilusão por agrupamento (clustering ilusion)
Você vê rostos desde que nasceu. Seu cérebro aprendeu a identificar padrões que te dizem que determinado estímulo visual é um rosto. No entanto, algumas vezes, você termina encontrando esses padrões onde não há realmente um rosto. Algumas pessoas veem um rosto de homem na lua, outros em torradas.
Esses padrões podem ser construídos também em narrativas. Para Lakoff, todas as ideias que você tem são circuitos neurais ativados por um estímulo. Você, à medida que vai crescendo e interagindo com o mundo, vê árvores e carros e restaurantes, até o ponto em que não existe mais esforço em reconhecer essas coisas porque você já fixou sistemas neurais que te permitem reconhece-las.
Só que isso vai além do mundo físico. E, portanto, a forma como você moldou (framed) a sua compreensão de mundo está intimamente ligada à cultura da sociedade em que você nasceu, à classe social, à religião, ao gênero… É isso que constrói seu ponto de vista. Mas, como podemos ver, seu ponto de vista não é uma mera opinião. Assim como Marco Polo, você só consegue enxergar o que seu cérebro lhe permite enxergar, da forma como ele te permite enxergar.
Portanto, se um discurso, propaganda, ou qualquer tipo de narrativa, usa algo que não se encaixa na sua forma de ver o mundo, uma das coisas podem acontecer é que você pode, simplesmente, não enxergar (ou ouvir) ou perceber. Faça um teste:
Ainda na ideia de como a linguagem molda nossa forma de ver o mundo, a pesquisadora Lera Boroditsky apresentou em um TED talk muito interessante no qual fala de um grupo aborígene que ela estudou que não representa o tempo da mesma forma que a gente. Ela exemplifica com uma série de fotos do seu avô, de bebê até mais velho. Se você tivesse que organizar em ordem cronológica de tempo, como faria?
Provavelmente da esquerda para a direita, você colocaria da foto mais antiga à mais recente. Esse grupo aborígene vai sempre colocar de oeste para leste. Então, a forma de organizarem depende para onde estão virados. Pode ser da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, se distanciando ou se aproximando deles, dependendo de onde está o leste.
Boroditsky traz ainda a diferença de percepção de objetos se os definimos como masculino ou feminino. Costuma-se adjetivar uma ponte em alemão, língua em que também é feminina, como bela e elegante. Já em espanhol, em que é masculina, a caracterização costuma ser forte, esteriotipicamente, uma característica masculina.
Como dito no começo, essa foi só uma pincelada. São citados seis truques Jedi no podcast e o TEDtalk tem ainda outros exemplos. Mas o texto já está longo… está ficando tarde… “o sol está se pondo”(Miçangas Podcast). Se você gostou, comenta aí! Se não gostou ou tem algo a acrescentar, comenta também! Se acharem legal eu trazer o conteúdo do podcast FrameLab, me digam e farei mais textos como esse.
http://lithub.com/we-see-what-we-want-on-the-ever-widening-political-divide/
https://web.stanford.edu/class/linguist289/schank80.pdf
https://georgelakoff.com/press/academic-biography/