O agronegócio desempenha um importantíssimo papel na economia do Brasil e, dentre as principais culturas do país, uma que merece destaque é a soja. De acordo com a Embrapa, o Brasil é o segundo maior produtor de soja do mundo, ficando atrás apenas dos EUA, tendo produzido 113,923 milhões de toneladas na safra de 2016/2017 (dados de junho de 2017).
As preocupações com uma cultura tão grandiosa como essa vão além de sementes de boa procedência (não vou falar sobre os transgênicos aqui! Isso é assunto para outros textos), disponibilidade de água e maquinário adequado. A presença de nutrientes em quantidades suficientes para suprir as necessidades da planta é fundamental. E para atingirmos essa quantidade devemos adubar o solo, certo? Na verdade nem sempre, a soja tem uma particularidade quanto à necessidade de adubação que é bastante interessante.
Não é de hoje que se fala da grande quantidade de proteína presente na soja e é verdade, em média, essa planta possui 40% de proteínas, bem mais que o feijão, que é outra leguminosa, por exemplo (quem quiser ver essa comparação é só olhar aqui). E proteína é composta de nitrogênio, que é um elemento não à toa conhecido como macronutriente, afinal todas as plantas necessitam desse elemento em grandes quantidades e a soja, especialmente, precisa de muuuuito nitrogênio. Para a produção de uma tonelada, são consumidos 80 kg de nitrogênio por hectare, e isso é muita coisa, principalmente quando pensamos em termos financeiros. Para comprar tudo isso de fertilizante e ainda espalhar pela plantação sairia caro demais.
E qual é a solução?
A solução é simples! Não é feitiçaria e muito menos tecnologia, é só a natureza mesmo. Cerca de 78% da nossa atmosfera é composta de nitrogênio, então por que não usar essa fonte incrível e que está ao nosso redor? Resposta: porque o nitrogênio do ar está na forma de N2 e a planta não consegue absorver. Mas, e se conseguíssemos converter esse N2 em outro composto passível de absorção?
No solo existem microrganismos conhecidos por realizar esse tipo de atividade que são chamados de Fixadores Biológicos de Nitrogênio. O que esses seres fazem é basicamente absorver o N2 do ar e metabolizá-lo. O produto desse metabolismo é outro composto nitrogenado que pode ser aproveitado pelas plantas. O processo industrial para essa conversão (utilizado por produtores de fertilizantes e da indústria bélica) já foi comentado aqui no Deviante em um texto muito bacana e se chama Haber-Bosh, sendo bem mais complexo e caro que a conversão biológica.
Dentre os microrganismos fixadores, o tipo mais comum e que hoje é o mais explorado na agricultura é aquele que se associa a leguminosas como a soja. Esse microrganismo, popularmente conhecido como rizóbio, forma nódulos nas raízes da planta hospedeira e fica alojado dentro desse nódulo. Dá-se início, então, a uma relação simbiótica em que o rizóbio absorve o nitrogênio do ar e o converte em amônia, que é absorvida pela planta hospedeira. Em troca, as bactérias absorvem determinados metabólitos resultantes da fotossíntese que estejam disponíveis na raiz.
Trata-se do famoso “Win-Win” (na verdade está mais para Win-Win-Win-Win), a planta ganha nitrogênio, a bactéria ganha abrigo e fonte de carbono, o produtor economiza dinheiro e o meio ambiente se beneficia da não adubação excessiva de nitrogênio no solo. Este poderia ser carregado pela água da chuva até atingir corpos d’água, onde nutrientes demais podem causar eutrofização (que é basicamente a morte de um corpo d’água, como um lago, por exemplo, por multiplicação excessiva de algas devido ao excesso de nutrientes, o que acarreta no consumo de todo o oxigênio da água, a morte de todos os organismos aeróbios, incluindo peixes, e sua consequente putrefação, também conhecida como decomposição anaeróbia e liberação de gases fedorentos).
Voltando aos rizóbios, você provavelmente aprendeu algo sobre eles na escola (a sua professora plantou um pezinho de feijão e depois mostrou os nódulos da raiz para você? A minha fez isso <3), mas o que você provavelmente não sabe é que essa relação simbiótica é a principal fonte de nitrogênio no cultivo da soja. As bactérias do gênero Bradyrhizobium são as que gostam de se hospedar na leguminosa mais rentável do Brasil, sendo as espécies Bradyrhizobium japonicum e Bradyrhizobium elkanii comercializadas como um insumo agrícola chamado inoculante no país inteiro.
Obviamente, esses não são os únicos microrganismos comercializados como inoculantes, mas, devido à importância da soja no cenário agrícola do Brasil, não é difícil de imaginar que se trata do maior mercado.
Novas pesquisas tem sido feitas para o desenvolvimento de produtos para outras culturas. Empresas privadas estão contando com importantes parceiros como a Embrapa Soja, em Londrina, e o mercado vem crescendo de forma considerável nos últimos anos. E é do interesse de todos que se utilizem mais e mais alternativas econômicas e ecológicas como essa.
É claro que além de bactérias fixadoras de nitrogênio temos outros microrganismos benéficos para as plantas. As BPCPs (não, não é nome de inseticida, é a sigla para Bactérias Promotoras de Crescimento de Plantas), constituem um grupo diversificado de bactérias que podem secretar substâncias que favorecem o desenvolvimento dos vegetais, combater pragas ou solubilizar nutrientes que estão indisponíveis no solo (bactérias solubilizadoras de fosfato, por exemplo). Ainda temos os fungos micorrízicos, que propiciam um tipo de extensão da raiz e permitem maior alcance de água e nutrientes. Ou seja, quanto mais entendemos o que está à nossa disposição no solo, mais podemos explorar seu potencial. A agricultura e todos nós só temos a ganhar com isso.
Bruna Santos
Biotecnologista que tem vontade de ser agrônoma. Apreciadora de cultura inútil, amante de filmes musicais e grande observadora do comportamento de seus dois cãezinhos. Não consegue fazer faxina sem ouvir um podcast.