Todo mundo já ouviu o ditado “diga-me com quem andas que te direi quem és”. É senso comum que as pessoas são influenciadas pelas amizades mais próximas. Pais e mães costumam se preocupar com as companhias dos filhos. Colegas comentam que a pessoa A mudou depois que começou a andar com a pessoa B. Até mesmo a bíblia parece se preocupar com a influência que as pessoas sofrem. Segundo ela: “Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.“ Ou seja, cuidado com quem você anda!
A economia, em particular a área de economia comportamental, tem se dedicado bastante ao estudo do peer effect – ou efeito dos pares, em português. Este nome chique é apenas o que a gente entende como uma pessoa sendo influenciada pelo grupo. Isso, aliás, pode vir de forma tanto negativa quanto positiva. Porém, o que ocorre quando temos este fenômeno é que o indivíduo acaba desviando das suas escolhas racionais e do que acredita ser ótimo. Por esse motivo, o estudo dele é um prato cheio para economistas. Mas, afinal de contas, o que já sabemos sobre esse fenômeno? E qual a importância disso?
Como estudantes são influenciados por seus colegas
A escola parece ser o local onde mais observamos o efeito dos pares. É comum professores separarem alunos por conta da influência negativa que um exerce sobre o outro. Mas, se fossem somente as brincadeiras em sala de aula, ainda que essas dispersem a atenção do aluno, a preocupação seria menor. O grande problema é quando os alunos passam a tomar decisões que vão impactar diretamente seu aprendizado – e consequentemente seu futuro – por causa do medo da repressão dos demais.
Em 2015, os economistas Leonardo Bursztyn e Robert Jensen decidiram investigar como a pressão dos pares pode afetar o comportamento dos estudantes [1]. Os dois conduziram um experimento com alunos do último ano do ensino médio de quatro escolas diferentes, todas de baixa renda e baixo desempenho. Aos estudantes era oferecido um curso online preparatório para o SAT – teste similar aos nossos vestibulares. Para aderir ao curso, os estudantes deveriam preencher um formulário de inscrição. Como as escolas eram de baixa renda, e o curso oferecido era reconhecido como sendo de boa qualidade, os motivos para adesão dos alunos era forte o bastante.
Para analisar como os estudantes eram influenciados pelos colegas, dois formulários diferentes foram distribuídos aleatoriamente pelos pesquisadores. Em um deles estava escrito que a decisão de aderir ou não ao curso seria mantida em privado de todos os alunos, incluindo os de sua turma. No outro a decisão seria mantida em privado de todos alunos, com exceção dos de sua turma. Além disso, as turmas eram divididas de acordo com o desempenho dos alunos: as melhores eram chamadas de honors classes e as piores, non-honors classes. Assim, eles conseguiriam observar tanto as influências negativas, quanto as positivas.
O resultado foi que nas non-honors classes a taxa de inscritos foi 11% mais baixa quando os estudantes acreditavam que os colegas de classe saberiam de sua escolha. Nas classes de melhor desempenho, não foi encontrada diferença. Outro resultado interessante foi a respeito dos alunos que diziam que a popularidade era algo importante. Nas turmas de pior desempenho eles tinham menor propensão a se inscrever no curso, enquanto nas de melhor desempenho eles tinham maior propensão a se inscrever no curso.
Estes resultados nos mostram que os estudantes tomavam decisões que iam de acordo com a “norma” estabelecida pela maioria da turma. Os estudantes alteravam suas respostas de acordo com o que seus colegas pudessem observar. E essa mudança de resposta poderia ir em qualquer direção, desde que acompanhasse a maioria.
Como criminosos juvenis são afetados por seus pares
“Danbury não era uma prisão. Era uma escola do crime. Entrei como bacharel em maconha e saí com um doutorado em cocaína”. George Jung
Para muitos, a solução para a criminalidade é simples: colocar os bandidos na cadeia. No entanto, como muitos especialistas costumam afirmar, o problema é bem mais delicado do que isso. Em algum momento, não importa o tamanho da pena, a pessoa deve deixar a prisão. Seria importante, então, que o indivíduo saísse melhor do que entrou, recuperado. Mas e se a prisão fizer com que o indivíduo saia pior do que entrou?
Patrick Bayer, Randi Hjalmarsson e David Pozen analisaram dados de mais de 8.000 indivíduos, de 169 estabelecimentos educacionais (juvenile correctional facilities, aka prisões para menores em conflito com a lei) [2] com a intenção de entender como a relação entre os detentos influenciava seus comportamentos. Os dados utilizados contemplavam os antecedentes criminais, as atividades realizadas nas instituições e as prisões realizadas no ano seguinte à liberação de cada indivíduo. A intenção da pesquisa era entender como esses jovens eram influenciados pelos colegas com os quais eles conviviam durante o tempo de detenção.
A principal descoberta do artigo foi que os efeitos dos pares reforçam o comportamento criminal existente. Para jovens que cometeram um determinado crime e acabavam expostos a jovens que cometeram o mesmo crime, aumentava a probabilidade de reincidência no delito. Este reforço era significativo para diversos tipos de crimes como roubo, violência sexual e agressão.
Os resultados fortalecem a ideia da prisão, ao menos nos moldes mais tradicionais, como sendo uma escola do crime. Dependendo do tipo de pessoa com a qual ex-detentos conviviam, eles teriam maior ou menor propensão ao crime após o cumprimento da pena. Mais uma vez, comprovando que o efeito dos pares está em todos os lugares.
E qual a importância de tudo isso?
Os dois estudos apresentados aqui são apenas exemplos de uma ampla literatura existente sobre efeitos dos pares. Essas evidências trazem à tona diversos questionamentos que devemos ter ao moldar as nossas instituições e políticas públicas. Algumas escolas, por exemplo, já optam por separar seus alunos de acordo com alguns critérios que variam desde a nota até a opção de carreira. Seria a separação uma boa ideia? Qual o risco de deixar alunos ruins somente com alunos ruins? Esse tipo de medida não poderia agravar situações indesejadas?
No segundo experimento, as implicações são ainda mais preocupantes. Afinal de contas, ainda que se tenha a intenção de punir ou isolar o indivíduo, a recuperação sempre fará parte da pena. Apenas agrupar os indivíduos em celas sem nenhum critério rígido, ou até mesmo somente com base nos crimes cometidos, seria a melhor solução? E quando pensamos em medidas mais radicais como a redução da maioridade penal, será que estamos caminhando para o caminho certo? Vale a pena alocar jovens infratores com outros detentos mais experientes?
Se quisermos ser coerentes com a ciência, essas e tantas outras medidas precisam ser repensadas.
[1] Bursztyn, L. & Jensen, R., How Does Peer Pressure Affect Educational Investments
[2] Bayer, P., Hjalmarsson, R. & Pozen, D., Building Criminal Capital Behind Bars: Peer Effects in Juvenile Corrections