E aí, pessoa! Bom aí? Bom aqui! Não sei se você lembra do meu último texto sobre gramática, mas, recapitulando rapidamente, eu disse que saber português não é saber gramática e restringi essa gramática àquele livro de regras. Hoje eu vou falar da outra gramática, a GRAMÁTICA UNIVERSAL, que é um pedacinho do cérebro que nos prepara para aprendermos qualquer língua!
Quem observou isso há décadas, foi o Chomsky.
Ele está levando a linguística para as áreas da biologia, psicologia, neurociência. Afinal, ele precisa continuar a provar que existe esse “órgão” dentro do “sistema” cérebro. Essa é parte da teoria dele: ao invés de ver o cérebro como um órgão, que passemos a vê-lo como um sistema com vários órgãos, sendo um deles essa Gramática Universal. Esse órgão te capacita a aprender qualquer língua! Ou seja, Gramática Universal + o contato com o mundo = língua(s). Isso inclui todas as línguas do mundo, inclusive a de sinais. A criança, em contato com a língua percebe padrões e é capaz de criar frases nunca antes ouvidas por ela, baseada nesses padrões. É essa capacidade criativa que nos permite, a partir de um número finito de palavras, formas e organização, criar infinitas construções.
Você já teve a oportunidade de ver uma criança nesse processo de aprendizado de uma língua? Vejamos um exemplo: se para os verbos comer e beber dizemos eu comi e eu bebi, pela lógica do sistema, para o verbo fazer, a criança vai dizer eu fazi! Olha que massa!! Sem ir à escola, sem estudar “gramática”, ela já sabe que a concordância verbal da primeira pessoa do pretérito perfeito do indicativo para as segunda e terceira conjugações é –i. Obviamente, ela não sabe essa nomenclatura feia!
Vale fazer aqui uma intersecção rápida entre o aprendizado natural da língua e o ensino na escola.
Quem são as primeiras influências do contato das crianças com a língua? Os pais.
Quanto mais enraizadas estão as regras da gramática normativa, mais naturalmente as usamos no nosso dia-a-dia. Certo? Se os pais tiveram uma boa educação formal (na escola), se os pais, quando a criança fala “eu vi ela”, corrigem para “eu a vi”, essa criança vai ter muito mais facilidade na escola, quando lhe forem ensinados pronomes oblíquos átonos (mais palavrão, desculpem…). Isso termina acontecendo com as classes mais privilegiadas. Consequentemente, seus filhos saem na frente. Não tem nada a ver com ser mais ou menos inteligente. Você só nasceu, ou não, com pais que tiveram oportunidades, cujos pais também tiveram oportunidades… E é por isso que a melhora na educação pública é essencial. É por isso que a inserção de pessoas mais pobres na universidade também é essencial!
O que isso te diz?
Que é SOCIALMENTE importante aprender as regras da gramática normativa. Na vida, nas nossas interações sociais, variamos nossa forma de falar e escrever. Se estamos conversando com pessoas próximas, queridas, nem paramos para pensar na forma que usamos. Se sair um “Um casal de amigos meus foram ontem lá em casa”, no WhatsApp, ou um “nós vai”, na conversa na varanda, ninguém vai te amar menos. Mas esses mesmos erros de concordância verbal em uma prova ou entrevista de emprego serão julgados e você será prejudicad@.
Meu ponto, depois de dizer isso tudo, é: você sabe português. Você nasceu com a capacidade de aprender toda e qualquer língua! A maior parte das regras já está na sua cabeça. Por que, então, estudar a gramática? Porque existe uma demanda social que, da mesma forma que exige que você não use chinelo no trabalho ou na escola, exige uma forma de falar e escrever específica para esses ambientes.
Você pode estar pensando: Debbie, primeiro você reclama das nomenclaturas e depois diz que são necessárias. Ou isso é muito incoerente ou é muito triste.
Concordo: é triste! A língua é um sistema que naturalmente internalizamos, mas, infelizmente, hoje, nas aulas de português, esse conhecimento prévio do sistema não é levado em consideração. Aí fragmenta-se todo esse conhecimento em regras, com milhões de exceções, além de dar nomes feios que as pessoas nunca usarão na vida!
As aulas de português, que, primeiramente, não deveriam ser divididas em gramática, literatura e redação, têm um papel social importantíssimo. Em um primeiro momento, na alfabetização, para ensinar a escrever. A FALA é naturalmente aprendida, mas, a escrita é ensinada. Então é necessário, em um primeiro momento, relacionar sons e grafias.
Mas, depois é importante mostrar que a língua é parte integrante da nossa cultura e das nossas relações sociais, para, então, capacitar as pessoas a transitarem nas diversas esferas sociais, sem desmerecer nenhuma delas. A gramática tem que estar relacionada a tudo isso, não pode ser um elemento externo que estudamos separado da vida, decorando nomenclaturas! Como, então, estudar gramática?
São as nossas experiências sociais que geram necessidades de comunicação e, a partir dessas necessidades, produzimos textos. Cada texto vai ter uma característica própria e o conhecimento da gramática nos capacita a manipular melhor o texto, seja na compreensão ou na produção dele.
Vamos analisar um texto que acho que tod@s tem familiaridade: a receita de bolo. Por que alguém escreve uma receita? 1. Para lembrar depois como fez o bolo. 2. Para que outras pessoas consigam replicar aquela receita… Certo? Para alcançar esse objetivo (social) seguimos alguns passos: especificamos quais foram os ingredientes; depois o que fizemos (passo-a-passo). Na primeira parte, não usamos nenhum verbo, porque não há ação! Usamos muitos numerais, para quantificar as porções, alguns adjetivos, para especificar tamanhos, e um monte de substantivos, os ingredientes. Olha a gramática aí, gente! Na segunda parte, como queremos que quem está lendo faça alguma coisa, eu tenho que usar verbos e eles virão no infinitivo ou no imperativo. Olha a gramática aí gente!! Essas escolhas não são aleatórias. Elas servem ao propósito comunicativo de cada parte do texto! Não usar verbos, usar verbos, decidir o tempo verbal, usar ou não adjetivos e advérbios são escolhas que vão te ajudar a alcançar seu objetivo comunicacional mais facilmente.
Imagina ter essa consciência linguística para falar de maneira mais clara, ou escrever seus textos em provas! Imagina ser capaz de identificar quais são os objetivos d@ autor/a de um texto através da análise linguística! Imagina que esses objetivos estão vinculados às nossas vivências em sociedade e às nossas crenças do que é certo e errado. Imagina que por trás de cada texto tem uma ideologia escondidinha (ou não) que pode ser desvelada através das análises linguísticas.
Entender tudo isso é abrir uma porta para um mundo novo! E quem sabe, entender tudo isso nos ajude a construir um novo mundo…