Como as descobertas feitas pelos cientistas chegam até você, leitor? E por que todo o processo até chegar a nós, reles mortais, é árduo e cheio de possibilidades, sejam elas boas ou ruins?

Tudo começou há um tempo atrás, na Ilha do Soooool (Netinho, 1997). Brincadeira para quebrar o gelo, gente. Para começar, vamos usar a nossa área, biomédica, e nossa experiência, minha e da Crhis. Nós terminamos o ensino médio, prestamos vestibular, eu fiz biologia e a Crhis biomedicina, e logo que achamos algo legal, uma matéria que a gente curtiu mais, escolhemos um lugar para fazer iniciação científica. O que é isso? Eu (Thaís) por exemplo, gostei de imunologia. Fui atrás de um lugar na USP que estudasse imuno, e achei o departamento de imunologia. Lá são vários laboratórios, onde os professores que dão aula para os cursos de graduação têm suas linhas de pesquisa, de acordo com cada departamento. Achei um laboratório que me aceitou como estagiária, e lá começou a minha vida acadêmica, dentro da qual fiz a iniciação, mestrado, doutorado e agora o pós-doutorado.

No entanto, para você que está neste caminho, não se preocupe se sua paixão acadêmica não estiver no seu primeiro estágio/emprego. Eu (Crhis) comecei numa área muito diferente, meus primeiros passos foram com análise de água, a bioinformática, meu amorzinho, só surgiu em minha vida junto com a oportunidade do Mestrado. E de lá pra cá tem sido meu mestrado e doutorado, minha fonte de artigos, trabalhos e alegrias.  

Por que estamos contando tudo isso? Para trazer você, leitor, para mais perto de como fazemos pesquisa! Geralmente o que ouvimos/lemos nos veículos informativos é a pesquisa feita em laboratórios já totalmente digerida, para que seja mostrado o valor dessa nova informação para a sociedade, mas esse é só um dos caminhos que a pesquisa que fazemos pode tomar. Por exemplo, quando ouvimos falar nos jornais que o vírus Zika está associado com o nascimento de crianças com microcefalia, os jornalistas leram o trabalho que foi publicado em algum periódico científico, ou o que chamamos de revista, e contam de um jeito mais fácil de ser entendido pela população que não trabalha diretamente com esse tema.

Há todo um estudo em volta de como podemos fazer esse tipo de divulgação científica, seja com as publicações acadêmicas originais, sejam os livros didáticos para as escolas, e dentro do Deviante, até o Scicast e o Spin de Notícias são exemplos de como a divulgação científica é feita de maneira efetiva!

Voltando para a primeira fase da divulgação, quando começamos a iniciação, o mestrado, o doutorado, o que seja, estamos gerando conhecimento. Escolhemos uma área de pesquisa, no nosso caso imunologia e genética, mais especificamente vacinas e medicamentos, e começamos a desenvolver nossos projetos, que são baseados em desvendar uma pergunta inicial, que pode ser desde: “Tem vacina para essa doença?”, até “Como podemos achar um remédio que serve para essa doença?”. Depois da pergunta definida, estabelecemos uma hipótese, ou seja, uma possível resposta a nossa pergunta inicial. Estes dois passos nos permite planejar a metodologia que será usada para testar a hipótese e começamos os incansáveis experimentos para poder responder mini-perguntas no meio do caminho. Essas mini-perguntas ajudam a estruturar uma dissertação, uma tese, para que possamos provar porque aquela vacina funciona; como aquele remédio ajuda na doença; e também para justificar o investimento direcionado para a nossa pesquisa por tanto tempo.

Um espacinho para “curiosidades”: estes experimentos que fazemos e também a parte de divulgação como palestras e congressos, são financiados com dinheiro público, na maior parte das vezes, assim como as bolsas de estudo que financiam nossas vidas durante o período do mestrado, doutorado, etc. Podemos, então, dizer que esse dinheiro público financia a pesquisa brasileira, e que é destinado para projetos com relevância suficiente para a nossa população.

Ao decorrer do trabalho, onde diversas metodologias são aplicadas para responder às perguntas iniciais dos nossos projetos, temos uma coleção de resultados que precisam ser divulgados, seja porque o programa de mestrado/doutorado pede essa divulgação para nos conceder o título; seja porque os achados são tão quentes que precisam chegar na população rápido, para salvar vidas!

Nessa hora que nós como pesquisadores nos vemos numa encruzilhada. As revistas que queremos publicar, como a Science, Nature, entre outras, são concorridas, e por isso passar pela peneira deles é bem difícil, os editores são muito exigentes. Ainda, as taxas para publicação são incrivelmente altas, e fazem com que muitos pesquisadores escolham outras revistas para publicarem seus trabalhos. Para piorar a situação, essas revistas, e várias outras de menos prestígio, cobram cerca de US$30 para que você leitor, que não está dentro da área acadêmica, possa ler os nossos achados, que foram financiados com dinheiro público, brasileiro… Sim é triste ver que a ciência é elitizada assim. Inclusive, já existem iniciativas como a do SciHub que tentam fazer um banco de trabalhos pagos, mas disponíveis para a população fora da academia. Já falamos sobre o embate das editoras com a criadora desta iniciativa aqui.

Após o envio para a revista, por vezes ainda recebemos perguntas do revisor (pessoa que avalia o artigo para que este seja aceito ou não pela revista). Para algumas perguntas podemos simplesmente escrever uma resposta, outras no entanto, temos que voltar ao laboratório e realizar mais alguns experimentos para que todas as dúvidas sejam sanadas antes que os resultados possam ser publicados.  

Esse é o caminho de quando o seu trabalho é aceito. E quanta felicidade vem com o e-mail dizendo que foi aceito!! Tem gente que faz festa, guarda a garrafa e a rolha do espumante e pendura na parede do laboratório quando recebe esse e-mail! Por outro lado a rejeição é comum demais. A preparação de um artigo para a publicação implica na escolha de uma revista, e a formatação do texto, das figuras e das referências é única para cada revista. Ou seja, se o pesquisador recebe um e-mail da revista rejeitando o artigo, uma das opções é responder o que os revisores da revista perguntaram, sugeriram, ou até fazer mais experimentos. Outra opção é reescrever de acordo com as formatações de outra revista, o que demanda tempo e paciência.

Mas… nem tudo são flores, vida de cientista não é recheada de EUREKAS.  Mesmo com a alegria do aceite e já após a publicação, seu artigo ainda pode receber críticas de outros pesquisadores, informando que você errou em algum momento. Nessa hora, seu mundo fica cinza, e a única coisa a fazer é …. (cenas reservadas para os próximos episódios. Dica: Fica de olho nas atualizações do Spin de notícias!).


Crhis Vasconcelos Geneticista, bioinformata, nerd e muito moleca. Formada em biomedicina (mas uso mais linguagens de computação do que uma pipeta) e cursando Doutorado. Minha principal área é a bioinformática estrutural. Tomo doses diárias de seriados, mesmo que seja 20 minutinhos do episódio. Café é vida, mas nas folgas um violão e uma cerveja  me deixam feliz.