Pode parecer estranho mas, não, nós não estamos no site do Buzzfeed! Mas que tal aproveitar o clima Passa ou Repassa e fazer um teste bem rápido e simples sobre o que você ai, sentado(a) na frente do PC ou rolando o touch do celular, conhece a respeito de HIV/Aids? Topa?
São cinco afirmações básicas, no estilo verdadeiro ou falso, com direito a gabarito caprichado e resultado no final. Não vale roubar no Google e, poxa, sem pular direto para as respostas porque aí é muita vacilação.
Então, partiu quiz?
Questões
1 – HIV e Aids são a mesma coisa.
- Verdadeiro ou falso
2 – Uma vez vivendo com o vírus, a pessoa sempre infectará alguém que entrar em contato com seu sangue, esperma, fluido vaginal ou leite materno.
- Verdadeiro ou falso
3 – As chances de se infectar com o HIV via sexo oral são baixíssimas.
- Verdadeiro ou falso
4 – A Profilaxia de Pré-Exposição (PrEP) é um dos métodos preventivos que reduzem as chances de infecção e já está disponível do Sistema Único de Saúde nacional (SUS).
- Verdadeiro ou falso
5 – O sexo anal sem camisinha é o tipo de exposição de maior risco de infecção por HIV.
- Verdadeiro ou falso
Valendooo… (por favor, leia com a voz do Gugu Liberato)
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Respostas
1 – HIV e Aids são a mesma coisa
Falso
Como dizia o poeta anônimo: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O primeiro é um vírus denominado Vírus da Imunodeficiência Humana e a segunda é uma doença chamada Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Portanto, o HIV é o agente causador da Aids, que por sua vez, só se estabelece se o vírus se multiplicar desenfreadamente. (As siglas podem parecer confusas porque são considerados os termos em inglês. Contudo, não é incomum encontrarmos VIH ou SIDA escritos por ai, principalmente nos materiais em espanhol).
Uma pessoa soropositHIVa, ou seja, que convive com o vírus no sangue, pode nunca chegar a ter Aids. Como isso é possível? Explico. A Aids é uma doença, como o próprio nome sugere, do sistema imunológico. Ela enfraquece as defesas naturais do corpo a tal ponto que ele ficar completamente vulnerável a qualquer tipo de problema (desde gripe até câncer) e não conseguir ter forças (ou linfócitos) para combater tais problemas. Por isso, não se “morre de Aids”. E essa expressão é horrível, diga-se de passagem. Infelizmente, quando ocorre um óbito, isto acontece em função de uma dessas infecções oportunistas que, sem resistência, se espalham pelo organismo, consumindo toda sua energia vital. Para que a Aids de fato se instale, é preciso que a quantidade de vírus circulando no corpo seja suficiente para que o HIV tome de assalto essas células de defesa (os linfócitos) e se replique à vontade, debilitando de vez o sistema imunológico da pessoa, adoecendo-a. Poréééém, se a quantia de HIV (chamada carga viral) é controlada através da medicação específica (chamados antirretrovirais), principalmente logo quando o vírus é detectado no sangue, a replicação desse bicho é interrompida e as células de defesa não são mais incomodadas a partir daí. Com o tratamento e, consequentemente, a carga viral mantida sob controle, a Aids muito provavelmente não se estabelecerá e a pessoa poderá seguir com sua vida.
2 – Uma vez vivendo com o vírus, a pessoa sempre infectará alguém que entrar em contato com seu sangue, esperma, fluido vaginal ou leite materno.
Falso
Com carga viral indetectável, a pessoa não transmite HIV. Oh meu deux, como assim? Explico novamente. Desde 2008 é sabido que, quando a terapia antirretroviral é disponibilizada e ingerida corretamente, a carga viral está suprimida (< 40 cópias/ml) por pelo menos seis meses e não apresenta de nenhuma outra infecção sexualmente transmissível (ISTs), a pessoa que vive com o HIV possui chances reduzidíssimas de infectar outros parceiros e parceiras sexuais, ou, no caso da gestante soropositHIVa, infectar o nenê através do parto ou do leite materno. (Dado relevante: Cuba foi o primeiro país a conseguir erradicar a chamada transmissão vertical, e com isso elimina a transmissão do HIV de mãe para filho(a), bem como da sífilis congênita)
Em outras palavras, o tratamento também é uma forma de prevenção. Daí ser tão fundamental tanto a continuidade e ampliação de programas públicos de assistência e de conscientização – atentos aos contextos de maior vulnerabilidade social, combatendo as desigualdades de acesso e os estigmas – quanto a adesão continuada dos indivíduos positHIVos aos esquemas do tratamento – encarando-os como um direito à saúde e ao bem-estar. Isto não significa dizer que só dando os remédios certos às pessoas que precisam a epidemia vai, com o tempo, desaparecer… No mundo, a experiência de quase 40 anos de combate ao HIV/Aids demonstrou ser óbvia a necessidade de garantir insumos suficientes e um atendimento digno e acolhedor, mas também de se divulgar informações importantes sobre onde e como se testar de um jeito seguro, quais métodos de prevenção estão disponíveis e o melhor modo de usá-los.
E atenção! Suor, lágrima, saliva, beijo no rosto ou na boca, picada de inseto, aperto de mão ou abraço, sabonete/toalha/lençóis, talheres/copos, assento de ônibus, piscina, banheiro e o ar NÃO TRANSMITEM O VÍRUS.
3 – As chances de se infectar com o HIV via sexo oral são baixíssimas.
Verdadeiro
Os índices de infecção por HIV no sexo oral são irrisórios. Entretanto, outras infecções estão ai. Sífilis e clamídia, por exemplo, são algumas dessas infecções que podem ser adquiridas com o sexo oral desprotegido. Diante dessa má notícia, é bom manter alguns testes médicos atualizados e, quando possível, usar alguma barreira física na hora de se aventurar pela virilha alheia (papel filme ou camisinha).
Calma, calma, calma, que eu também trago uma ótima novidade! Existe um estudo australiano de 2017 apontando para a possível eficiência do gargarejo de Listerine como forma de neutralização dos agentes de infecção sexual que podem se instalar na boca e garganta, em especial o da gonorreia. Ainda está em fase de revisão, porém, não custa nada dar uma bochechada com antisséptico oral depois daquela pegação com o ou a crush.
4 – A Profilaxia de Pré-Exposição (PrEP) é um dos métodos preventivos que reduzem as chances de infecção e já está disponível do Sistema Único de Saúde nacional (SUS).
Verdadeiro
A Profilaxia de Pré-Exposição (PrEP) é mais uma das opções preventivas disponíveis para você transar de maneira mais tranquila. A PrEP consiste no uso de duas drogas antirretrovirais (ARVs) combinadas em um só comprimido – o tenofovir associado a entricitabina (TDF/FTC 300/200mg) – todos os dias, e, necessariamente, antes do contato com o vírus. A dinâmica se resume, basicamente, na ingestão de uma pílula diária, ininterruptamente, ao longo da vida sexual ativa do sujeito interessado. Atualmente o Truvada, como a PrEP é comercialmente conhecida, circula no mercado internacional e em alguns programas públicos de saúde, inclusive no Brasil. Porém, uma tecnologia preventiva não substitui a outra e, ao contrário da camisinha (que é um método universal, ou seja, qualquer um pode pegar no posto ou, então, comprar a preços acessíveis), de acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas brasileiro, a PrEP está recomendada somente para homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, mulheres transexuais, usuários de droga e casais sorodiscordantes. E o que isso quer dizer? Quer dizer que, aqui em terras tupiniquins, exclusivamente essas pessoas podem acessar as pílulas de forma gratuita nos postos e hospitais do SUS credenciados. Se você não faz parte dessa galera e quer usar o Truvada mesmo assim, consulte um médico e pesquise os preços dos frascos na internet – spoiler: eles são bem caros.
E mais uma coisinha… A PrEP previne o HIV, apenas, e é um ótimo jeito de proteger quem, num acidente de percurso ou numa noitada mais desvairada (hmm, me chama! rs), não usou um segundo método. Para se livrar de todas as outras ISTs ou de uma gravidez indesejada, nada melhor do que a boa e velha camisinha. Por isso, custa muito pouco separar uma graninha por mês e procurar, dentre o rol imenso de opções e marcas, a que melhor se adapta a você e sua companhia. Experimente a feminina e a masculina; as mais largas ou as menores; as ultra lubrificadas ou as texturizadas; tem até as que brilham no escuro pra vocês brincarem de Jedi ou as sabor caipirinha, coca cola e todas as frutas que você conseguir imaginar pra fazer um bom banquete (eu disse banquete, ok? rs). Incluir o preservativo e as outras tecnologias de prevenção nos chamados roteiros sexuais é a parte mais fundamental deste processo de pedagogia erótica. É poder pensar a proteção como um direito teu de exercer tua sexualidade de forma mais sossegada e prazerosa. Enfim, informe-se, permita-se e divirta-se.
5 – O sexo anal sem camisinha é o tipo de exposição de maior risco de infecção por HIV.
Falso
A forma mais arriscada de se expor ao HIV é através de transfusão sanguínea. Se você respondeu verdadeiro pensando que o vírus só pode ser transmitido por via sexual eu sugiro que você veja urgentemente o filme Três Irmãos de Sangue, documentário que relata a trajetória de vida do ativistas dos direitos humanos Betinho, do cartunista Henfil e do músico compositor Chico Mário, irmãos hemofílicos que se infectaram com o HIV através da transfusão, lá no início da epidemia. Se você respondeu verdadeiro mesmo sabendo que há outras vias de transmissão do vírus, mas ainda assim achou que o sexo anal era o meio mais “perigoso” dentre todos eles, fica o alerta: é preciso ter constantemente o cuidado de não reproduzir os preconceitos que estão associados à epidemia, mesmo aqueles mascarados de “informação científica”.
Durante muito tempo, a Aids foi denominada de “praga gay” ou “câncer gay” e isso solidificou uma das mais nocivas correlações entre um determinado grupo identitário e uma terrível doença sem cura (como a imunodeficiência). A princípio – no final da década de 1980, quando surgiram os primeiros casos de óbito – não havia uma explicação segura do porquê este mal misterioso acometer, na maioria dos casos, homens gays e jovens. Até hoje a razão desta predominância ainda é nebulosa, e sinceramente, pouco importa. O imprescindível é entender como estamos lidando com este fenômeno desde então… E por isso, penso ser necessário manter vivas algumas questões fundamentais. Afinal, estamos a construir ou destruir programas de assistência e prevenção? A reverter ou reproduzir situações constrangedoras e discriminatórias que inibem e dificultam o acesso das pessoas aos sistemas de saúde? A endossar ou criticar o discurso que culpa a pessoa soropositHIVa pela sua própria condição? A ajudar ou a julgar?
A história da epidemia nos mostra que o fato de a doença se manifestar de forma concentrada em um grupo específico, associado a incapacidade inicial de se compreender como a Aids se espalhava e se desenvolvia, fez com que os cientistas da “primeira onda” (majoritariamente os epidemiologistas da virada dos 1980/90) atribuíssem o alastramento do HIV aos comportamentos e ao estilo de vida comuns entre a população homossexual. Assim, os chamados “fatores de riscos” relacionaram a “““promiscuidade””” (aspas infinitas! Essa é uma classificação médica antiquada e moralista da qual eu discordo plenamente) e o sexo anal como os meios principais de transmissão do vírus, produzindo uma causalidade sustentada por puro desconhecimento. Tal obsessão científica pela cultura sexual gay mascarou, nos anos que se sucederam, os casos de Aids entre mulheres e usuários de drogas injetáveis, e contribuiu para afirmar este que é um dos mais persistentes, cruéis e avassaladores estigmas sociais da Era Moderna.
Sim, a penetração anal é, entre os tipos de interação sexuais possíveis, a que mais expõe a pessoa ao risco porque o ânus é uma região altamente vascularizada (ou seja, tem muito vaso sanguíneo por ali) e que comumente sofre lesões ao ser penetrado. A combinação entre as micro feridas rodeadas por corrente sanguínea e o contato direto com o sêmen (fluido que pode conter o HIV) resulta em um quadro de maior probabilidade de risco, é verdade. Isso não significa, contudo, que, primeiro, mulheres não façam sexo anal, segundo, que os fluidos vaginais não possam conter o vírus, terceiro, que a vagina esteja imune ao HIV e quarto, que quem seja o ativo na situação não esteja também propenso à infecção e transmissão. Não à toa, durante os anos 2000, vimos crescer o fenômeno da “feminilização da Aids”, ou seja, um aumento proporcionalmente maior de casos positivos entre as mulheres, se comparados com os outros segmentos populacionais, inclusive dos homens que fazem sexo com homens.
A conclusão é até bem simples: o preconceito e a desinformação matam e excluem mais pessoas do que a doença por si mesma, que é contornável. Enquanto não discutirmos abertamente e de maneira franca as formas e as situações nas quais o vírus circula e, enquanto não exigirmos das instituições públicas e privadas o compromisso irrevogável de garantir educação sexual, prevenção e tratamento para todos e todas, a epidemia, a LGBTfobia e a sorofobia seguirão se alastrando, infelizmente.
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Resultados
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Poxa vida! Calma que pra tudo há solução! Posso dar um conselho? Tira meia horinha do teu dia, rola mais pra baixo esse post e entra nos links que eu deixei ali no final. Vamos conversar mais? ;)
1 ou 2 acertos?
Já é bom um começo! Continue a nadar… ops… a se informar! (rs) Espero que eu tenha te ajudado a aprender mais um pouquinho com esse texto. :)
3 ou 4 acertos?
Tá melhorando! Sempre tem uma coisinha ou outra que a gente se confunde, suuper normal… Torço para que você siga se entrosando com o tema!
5 acertos?
Uhul! Muito bom! Posso te pedir um favor? Não deixe de compartilhar suas informações com seus amigos, familiares e peguetes. Quanto mais gente participar (na suruba?) melhor!
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E ai, foi bom pra você?
Pra mim é sempre um prazer enorme conversar um pouquinho mais sobre esse assunto tão importante. E pra terminar em grande estilo, uma chuva de links pra gente continuar falando sobre sexo, sobre autonomia, sobre preconceito e sobre HIV/Aids. Se joga!
Referências
https://www.vice.com/pt_br/article/9k8838/hiv-e-a-cultura-do-medo-parem-de-culpar-as-bichas – Texto sensacional redigido por Gustavo Bonfiglioli comentando a infeliz matéria da Folha de São Paulo publicada no dia 06 de junho, em pleno mês do orgulho LGBTQI+
https://ricovasconcelos.blogosfera.uol.com.br/2018/05/25/prevencao-nao-e-sinonimo-de-camisinha/ – Post do médico infectologista Rico Vasconcelos apresentando os outros tipos de tecnologias preventivas além da camisinha e onde ele cita a pesquisa com Listerine que comentei aqui em cima
http://www.clam.org.br/destaque/conteudo.asp?cod=12776 – Materiazinha marota que fiz para o site do Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) sobre alguns dos desafios de se atualizar o debate em torno da prevenção hoje
https://www.facebook.com/LokadeEfavirenz/ e https://www.youtube.com/watch?v=vv17hpH-s_w – Página no Facebook e teaser do canal Loka de Efavirenz, coletivo negro, LGBTQI+ e soropositHIVes da Universidade de São Paulo (USP)
https://www.youtube.com/channel/UCcg2yzyxjl1Lc8LMjo6y1Tg/featured – Canal Projeto Boa Sorte do youtuber Gabriel Estrela
https://www.youtube.com/watch?v=B-KntP7G_Yw – Primeiro vídeo da série sobre HIV, Aids e prevenção que a youtuber Lorelay Fox lançou no seu canal Para Tudo, em parceria com o Ministério da Saúde (inclusive, recomendo fortemente os outros vídeos da série… só procurar nos relacionados)
Existe uma série de vídeos falando abertamente de sexo produzida e apresentada por João Sá chamada “Sem Capa”. O conteúdo mescla informação com pornografia, então, é tipo um site NSFW (Not Safe For Work, ou, em bom português, Se Liga Ai Onde Tu Vai Abrir Essa Página Pra Não Passar Vergonha). Não vou deixar o link aqui, mas fica à vontade para dar uma pesquisada. ;)
https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2017/11/gabarito_desafio_unaids.pdf – Esse aqui é o gabarito do Desafio UNAIDS, contendo 50 perguntas sobre HIV/Aids selecionadas da internet. O Desafio consistiu em um convite proposto pela UNAIDS (Programa da ONU destinado a pensar e sugerir formas de combate efetivo da epidemia em todo o mundo) aos criadores de conteúdo online (Youtubers) para falarem sobre o assunto em seus canais. Tem muito informe útil nas respostas descritas nesse PDF. E no site do Desafio tem os vídeos participantes. Tá bem legal, vale uma olhadinha marota…
Raquel Oscar. Antropóloga, problematizadora nerd e acredita que a tecnologia vai salvar a humanidade – mas não do jeito que você imagina