O Exército Romano sempre surpreendeu. Sempre que falamos dos bélicos romanos, nos lembramos de sua alta disciplina e treinamento militar; suas forças profissionais organizadas em centúrias e legiões; seus legionários armados com os famosos Scutum, Lórica Segmentada e gládius hispanicus. Mas, na realidade, Roma estava longe de ser assim em seus primórdios. O fato é que, como nós no século XX e XXI, os romanos sempre estavam se adaptando e modificando o seu modus operandi, o seu jeito de guerrear. Essas mudanças no estilo de luta romana podem ser divididas em três principais períodos: O Exército da República, A Grande Reforma Mariana e o Exército do fim do Império Ocidental.
O EXÉRCITO REPUBLICANO
O exército da roma republicana não era o mesmo mostrado em filmes famosos, como O Gladiador. Porém, esse exército continha as sementes que dariam origem ao famoso Exército Imperial Romano. A República Romana tinha um exército bem similar aos outros povos que habitavam as terras ao redor do Mediterrâneo. Tal estilo predominou desde os obscuros tempos do Século VIII AEC até o Século II AEC.
Comparando com os dias atuais, o exército republicano tinha mais cara de uma milícia do que aquele famoso exército profissional, que engoliria várias terras da Europa, norte da África e Ásia Menor. Ou seja, era um grupo de pessoas levemente armadas e com pouco, ou nenhum, treinamento militar. Os cidadãos da cidade-estado de Roma tinham o DEVER de servir na defesa e nas campanhas militares do Senado, contra seus vizinhos, os povos da península itálica, como os Samnitas, Úmbrios, Etruscos, Mesápios, gregos, etc.
O primeiro sinal de mudança significante, a primeira “quebra” de paradigmas militares que mudaria a cara e o corpo do exército romano veio quando eles adotaram o estilo grego de lutar. Lembrando do primeiro episódio da Trilogia do Scicast sobre Roma (Episódio 84), muitas características culturais (e, nesse caso, militares) dos romanos vieram dos Etruscos, que por sua vez também adotaram boa parte de suas ideias dos Gregos. Ou seja, os romanos lutavam e pensavam “taticamente” como os gregos, através dos seus soldados Hoplitas e as unidades de Falanges.
Os romanos se equipavam com escudos, lanças e protetores peitorais feitos de bronze ou couro endurecidos. Formavam as famosas Falanges (unidade militar que variava na quantidade de soldados, mas que tinha sempre um formato similar: todos os soldados colocariam os escudos para frente, assim como as lanças, fazendo uma verdadeira “parede” espinhenta. Com o aumento da população e, consequentemente, o aumento no número dos “soldados-cidadãos” romanos, um poder muito grande caiu sobre a famosa “plebe” (o “povão”, aqueles que não eram tão ricos e de famílias importantes para serem Patrícios, mas não eram tão pobres e “inferiores” para serem clientes ou escravos). Esse crescimento de importância política agiria sobre Roma no futuro, com as Reformas Políticas à favor da Plebe.
No Século VI AEC, o exército foi organizado pelo rei romano Servius Tullius em 5 tipos de classes militares, cada uma com seu equipamento específico, baseado é claro na riqueza da pessoa; além de criar unidades militares de tamanho uniforme, a famosa Centúria (unidade que teria de 80 a 100 soldados).
Pelos idos do século III AEC, esse esquema militar desenvolvido por ordem de Servius Tullius, evoluiria para o chamado Sistema de Políbio. Nesse novo sistema, o “coração” do exército republicano romano estaria na famosa Legião, sendo dividido em 30 Manipulares Romanas que variavam de 60 a 120 soldados cada (Manipulares eram grandes “blocos” de soldados, geralmente de formato retangular ou quadrado, que se moveriam como “um só” soldado).
Os romanos basicamente lutavam em três linhas de manipulares, sempre com espaços abertos entre cada bloco de soldados e entre cada fila de blocos. As unidades manipulares com os soldados mais jovens e inexperientes, chamados comumente de Hastatii, formariam a primeira linha de combate. A segunda linha de manipulares seria formado pelos soldados com uma certa experiência na guerra e que tinham os melhores equipamentos, chamados de Principes. A última linha de blocos de soldados era dos Triarii, os verdadeiros veteranos de guerra, eram lanceiros e ainda lutavam com suas falanges. Muitos desses soldados carregavam um escudo em formato oval, a famosa espada curta Gladius, e duas lanças de arremesso (estas só para os Hastatii e Principes).
Destacamos também a linha de frente dos Hastatii, onde se encontravam os Velites, soldados especializados em desgastar a frente de batalha inimiga, jogando dardos e lanças pequenas, que faziam muito estrago, não só em termos de morte, mas em destruir o equipamento defensivo do inimigo. Essa tropa, assim como a cavalaria romana, os Equites, serviam mais para dar suporte para as principais unidades romanas, as manipulares dos Hastatii, Principes e Triarii.
E assim, com a tática da Manipular Romana e ainda usando falanges em estilo grego, os romanos começaram a conquistar seu espaço no mundo antigo.
A GRANDE REFORMA MARIANA (de fins da República até meados do Império)
O fim do 2º Século Antes da Era Comum viu o nascer do Exército Romano clássico, o que a maioria das pessoas conhece e vê em filmes e séries televisivas, como o seriado Roma da HBO. A três guerras contra o império comercial de Cartago, pelo domínio de terras e rotas de comércio no Mediterrâneo Ocidental foram um verdadeiro teste para a força militar romana. Através dessas guerras foi provado que apenas o sistema de milícia-cidadã não era o suficiente. Roma precisava de soldados profissionais, treinados a vida toda para uma única coisa, a guerra.
Assim, uma série de reformas foram feitas no treinamento e nas táticas militares romanas, mudanças estas atribuídas ao comandante Caio Mário (avô de Caio Júlio César). Criou-se um exército formado em sua maioria de soldados profissionais treinados, vindos das classes baixas e da plebe romana. Cada um desses soldados serviria Roma durante 25 anos de suas vidas. Em troca desse serviço, se ainda estivessem vivos, estes soldados ganhariam terras e dinheiro, muito melhor do que lutar “por nada”, como eram antigamente no sistema de milícia.
A partir das reformas de Mário, todos os soldados seriam equipados pelo próprio Estado Romano, e não mais teriam de arcar com os custos de seu próprio equipamento, e o serviço permanente de 25 anos significava ganho de mais tempo de treinamento em combate e movimentação tática em campo. Claro que, Roma sendo Roma, os comandantes em geral continuaram patrícios aristocratas, querendo fazer fama e trazer honra e orgulho para suas famílias.
A legião romana agora seria formada não por manipulares formadas por diferentes tipos de soldados, mas por Cohortes. Estas Cohortes funcionariam semelhantemente às Manipulares, mas cada uma seria dividida em 6 Centúrias, cada uma com 80 soldados, além de conseguir fazer formações de ataque e defesa que funcionavam mesmo quando lutando separadas ou em grupo. Todos eram treinados e armados da mesma forma, para que os soldados pudessem ser efetivos em combate em qualquer parte da formação. Cada centúria era liderada por um suboficial chamado Centurião, que tinha a ajuda de um pequeno grupamento específico, que incluía o Porta-Estandarte da Cohorte, que era muito fácil de ser reconhecido em campo, devido à cobertura de pele de animal que envolvia seu elmo.
Os primeiros legionários da Reforma Mariana eram equipados com uma armadura de malha de ferro, mas a partir do primeiro século da Era Comum, a famosa armadura Lórica Segmentada começou a ser usada, que dava mais proteção, mas tirava um pouco da mobilidade do legionário. Elmos foram sendo modificados ao longo do tempo, mas sempre seguiam o padrão de serem todos de bronze ou ferro e de terem proteção para o queixo e bochechas. Além dos elmos, os escudos ovais foram sendo substituídos pelo famoso Ascutum – o grande escudo em formato retangular, curvado para trás, para que cobrisse todo o torso do soldados, permitindo às legiões romanas se compactarem em uma massa única de soldados, e realizar manobras defensivas como a famosa Formação Tartaruga. A famosa espada curta gladius hispanicus ainda era a arma favorita dos legionários, pois era pequena e muito eficaz na luta corpo-a-corpo apertada, quando em formação.
Os suporte de unidades auxiliares ainda era comum. Unidades como Cavalaria, arqueiros e escaramuçadores, geralmente em sua maioria formada por soldados de povos conquistados ou aliados de Roma.
Uma das reformas de Mário mais impressionantes foi sobre o equipamento e construção de acampamentos militares. Cada legionário deveria carregar tudo que ele próprio precisasse para sobreviver, não só em combate, mas para montar acampamento e até equipamentos de engenharia. Os soldados carregavam tantas coisas, que no início da reforma ganharam o apelido de “As Mulas de Carga de Mário”.
Com essas grandes reformas de Mário, e com a República sendo substituída pelo Império, Roma pode mostrar suas grande força para o mundo. As campanhas de conquista dos povos germânicos, célticos e outros, feitas por vários imperadores, foram graças às reformas feitas por esse gênio na logística e táticas que era Caio Mário. Infelizmente (ou felizmente, quem sabe), o Império Romano começou a mostrar sinais de fraqueza e, nos séculos III e IV AEC, os sinais de desgaste eram visíveis.
O PERÍODO FINAL DO IMPÉRIO
Esse período final do império é similar ao período anterior, das reformas de Mário, porém muito alterado pela fraqueza política e financeira do império, especialmente na parte ocidental.
A maioria do exército era formado por soldados experientes e profissionais, incluindo os oficiais e generais. Mas, com o aumento de imigrantes de tribos germânicas e colonos do interior, a força efetiva em combate diminuiu drasticamente. A distinção entre as unidades “puramente romanas” (Legiões e Cohortes) e as unidades auxiliares de povos “não-romanos” desapareceu quase por completo.
Uma variedade maior de unidades, cada uma especializada em um tipo de combate, começou a crescer, como as unidades de cavalaria arqueira das tribos do Leste. Existem evidências de que a importância das unidades de cavalaria aumentou na Roma desse período, mas pode não ter sido tão significativa quanto alguns autores afirmam.
O crescimento no número de unidades de cavalaria especializadas (cavalaria arqueira, cavalaria pesada, etc) foi uma das principais mudanças feitas na formação das legiões e exércitos romanos, que fazia com que os exércitos romanos parecessem mais com os guerreiros da Europa durante o período da Idade das trevas (anos 500 até os anos 900), do que os antigos anos do começo do Império. Os soldados e cavaleiros agora carregariam a Spatha, uma espada mais comprida do que a gladius, uma arma trazida pelos povos germânicos, e o escudo, em vez do retangular, agora seria um redondo, e a Lórica Segmentada já tinha completamente desaparecido, devido ao custo muito alto de fabricação e manutenção.
No fim do Império Ocidental, e durante toda a vida do Império Oriental, existiam dois tipos principais de unidades militares: as tropas de campo chamadas de Comitatensis e as tropas de guarnição de fortes e fronteiras chamadas Limitanei. Por ter fronteiras muito extensas, a maioria dos exércitos romanos estavam totalmente voltados para guardar fortes e expedições de defesa do território imperial. Por conta essa imobilidade e conexão com a terra que guardavam, muitos generais usavam a força militar para se tornar “governadores autônomos” de várias regiões imperiais, não aceitando mais as ordens do imperador. Isso abriu precedentes para costumes tomados por guerreiros da Alta Idade Média, e a ideia de “feudo” também, onde a força militar e o controle das áreas envolta de um forte militar (e no futuro, castelos) seria a regra a ser seguida pela sociedade.
As legiões romanas, que fizeram Roma forte e conquistadora de um vasto império, foram forçadas a mudar tão drasticamente que muito de sua força militar desapareceria dessa “nova” Europa Germânica, e as ideias militares e táticas não voltariam a ser tão complexas, até os idos dos séculos XVI e XVII, com o ressurgimento da figura do soldado como profissão!
Fontes:
Traduzido e Adaptado de War History Online
Fontes de Pesquisa auxiliares:
Ancient History Encyclopedia – Roman Army
Dica de Livro: Adrian Goldsworthy (2003), The Complete Roman Army.
Bônus: vídeos do canal Lindybeige, especialista em consultoria histórica para filmes: