Freud é um nome conhecido de muitas pessoas que estudaram filosofia em algum momento da vida. Para quem cursou psicologia, nem se fala. No entanto, suas teorias sempre foram muito intrigantes e, muitas vezes, geraram dúvidas e ceticismo. Sempre mexiam com algo mais profundo. Às vezes meio intangível. Tanto é que subconsciência é uma palavra que aparece constantemente quando se fala de suas principais teorias. Bem, mas se suas ideias são baseadas em coisas que não estão na nossa consciência, nem dá para provar que elas são falsas ou verdadeiras, certo? Não tem como alguém provar que isso está errado… ou será que tem?
Vamos pensar em uma situação que pode levar a uma interpretação freudiana. Você está escrevendo uma redação sobre suas férias. Escreve sobre sua visita ao quartel para ver seu irmão, sobre os desfiles que assistiu. Fala sobre como ficou admirado com os oficiais. Quer ser um agora! Ficou admirado com um cadete que tinha lá. Cara grande. Intimidador. Ou parecia que você havia escrito isso. Na hora da entrega da nota, você repara que escreveu que estava intimidado com o “cacete” grande. Isso mesmo, não com o cadete, com o cacete.
Alguns dias depois, outra coisa curiosa acontece. Seu melhor amigo resolve contar de um sonho que ele teve. Um sonho policial. Interessante. Inicialmente, nada demais. Porém, seu amigo contou que na hora que ele foi sacar a arma para apontar para o bandido, ele sacou uma banana. Isso mesmo, uma banana. Outro objeto fálico.
Quanto desejo reprimido… e como vocês vão saber o que é exatamente, se é um desejo mesmo, algo mais sexual, algo do seu subconsciente? Impossível saber não é mesmo?
Não é bem por aí…
O que você e seu amigo (e outras tantas pessoas) não sabem é que hoje é possível testar algumas das teorias de Freud utilizando Big Data. Sim, isso mesmo: Big Data. Para quem não sabe, Big Data, colocando de forma bem simples e direta, consiste em analisar milhões* de dados. Podemos dizer que é o nome dado a todo o processo de captura, processamento e análise de dados volumosos e complexos. Quando o facebook analisa os milhões de cliques de seus usuários para saber o perfil de cada um, estamos tratando de Big Data. Quando o Google analisa as incontáveis buscas feitas pelas pessoas, podemos dizer que se trata de Big Data. Aí você me diz: que raios isso tem a ver com Freud?
Comecemos de trás para frente, pelo sonho de seu colega…
Hoje é possível processar e analisar informações de sonhos de milhares de pessoas. Com o aplicativo Shadow, por exemplo, milhares de pessoas estão registrando o conteúdo de seus sonhos. Com a informação de diversas pessoas, a base de dados do Shadow é um ótimo local para se começar a testar as ideias de Freud. Com esse volume de dados incrível é possível entender o que faz com que uma comida apareça num sonho. E foi isso que o cientista Seth Stephens-Davidowitz fez. Ele analisou quais fatores fazem com que uma comida apareça no sonho. O principal fator é o quão comum é o consumo da comida. Tanto que temos frango, arroz e pão entre as 20 comidas que mais aparecem em sonhos. Outro fator importante é o quão gostosa é a comida. Não à toa, chocolate e pizza são as comidas mais frequentes em sonhos.
Ah, mas e a banana?
Bom, se a banana for um ponto fora da curva e não seguir a lógica das comidas, provavelmente não vamos conseguir prever sua aparição em um sonho com base no modelo de Stephens-Davidowitz. Simples assim. Para o alívio de seu amigo, a banana é a segunda fruta que mais aparece nos sonhos das pessoas. E adivinha só? É a segunda fruta mais consumida. E ainda, temos pepino – outro alimento com formato fálico – como o sétimo vegetal que mais aparece em sonhos. E, para surpresa de ninguém neste momento, pepino é o sétimo vegetal mais consumido. Isso tudo para dizer que não tem nada de estranho com o quanto esses objetos de formato curioso aparecem nos nossos sonhos. Eles seguem exatamente o comportamento que esperávamos. Se o formato significasse algo, alguma distorção considerável aconteceria e erraríamos nessa previsão.
Tá, aliviou para meu camarada… mas e o cacete?
Big Data mais uma vez é capaz de testar a teoria de que os erros revelam algum desejo sexual. Se a hipótese de Freud for verdade, então nossos erros seriam causados por algum desejo. Algo no subconsciente. Alguma coisa nossa, não uma obra do acaso. Novamente, Seth Stephens-Davidowitz colocou isso a prova.
O cientista estudou um conjunto de dados com 40.000 erros de digitação coletado por pesquisadores da Microsoft. Os dados envolviam, obviamente, erros de todos os tipos, vários sexuais inclusive. Outros, inocentes. Calculando o número de vezes que as pessoas trocam determinadas teclas, ele conseguiu criar um programa que errasse as teclas na mesma medida que as pessoas erravam. E adivinha só? O robô, sem nenhum subconsciente, safadeza ou qualquer outra coisa, escreveu as mesmas palavras com cunho sexual na mesma proporção que um ser humano. Novamente, nada além do esperado.
Resumindo, a gente erra algumas palavras, mas são erros comuns. Posto de outra forma, a chance de você escrever cacete ao invés de cadete é a mesma que a de escrever “padiente” ao invés de paciente. Apenas isso. Menos confusão na sua cabeça.
É o fim de Freud?
Seria ridículo pensar que essas duas análises acabariam com o legado de Freud. O texto aqui não tem a intenção de atacar suas teorias como um todo. Não dá para resumir um pensador desse nível em ideias que ocupam duas linhas. Minha intenção aqui é, antes de mais nada, mostrar a força do Big Data. Apresentar o quanto essas novas técnicas, tão na moda, podem agregar para a ciência como um todo. Em segundo lugar, é possível observar mais uma vez o benefício da troca de informações entre diferentes áreas. Assim como muitos economistas já trabalharam em conjunto com psicólogos para construir e provar tantos conceitos, hoje psicólogos e cientistas de dados podem dar grandes passos juntos. E, por fim, olha como a ciência é maluca e divertida. Quem imaginou que esses matemáticos, cientistas da computação, estatísticos, dentre outros envolvidos com Big Data, estariam lidando com Freud? Eu, com certeza, não.
* O número mínimo do montante de dados que pode ser taxado de Big Data ainda não é uma unanimidade. Podemos dizer que milhões é considerado Big Data.
Everybody Lies: Big Data, New Data, and What the Internet Can Tell Us About Who We Really Are
Big Data: para entender (e transformar) um mundo cada vez mais complexo
Psychosexual Stages | Simply Psychology