O Cerrado brasileiro é um bioma único. Apesar de haver outros semelhantes, como as pradarias e as savanas, a localização do cerrado, isolado na América do Sul, somado a suas vastas fauna e flora, dão a ele uma condição especial. É um dos cinco grandes biomas do Brasil, cobrindo entre 1,8 e 2 milhões de quilômetros quadrados, correspondendo a quase um quarto de todo o território nacional. Ele se estende em uma faixa contínua pelos estados de Goiás, grande parte do Tocantins, Distrito Federal, a maior parte do Mato Grosso do Sul, o sul do Mato Grosso, oeste de Minas Gerais, oeste da Bahia, sul do Maranhão, oeste do Piauí, porções dos estados de São Paulo, Paraná e ainda enclaves dentro da Floresta Amazônica.

Estima-se que o Cerrado possua mais de 6 mil espécies de árvores e 800 de aves, sendo considerado um hotspot, isto é, um dos biomas mais ricos em biodiversidade e ameaçados do mundo. Cerca de 40% das espécies de vegetação lenhosa e um alto percentual dos insetos, especialmente por volta de 50% das abelhas, são espécies endêmicas, ou seja, que não se encontram em nenhum outro lugar do mundo.

A presença do Cerrado no Brasil é determinada especialmente pelo fator climático. Esse bioma se encontra no clima tropical, com pluviosidade média a alta, entretanto, com duas estações muito bem definidas, uma de seca, durando cerca de cinco meses no meio do ano, e uma chuvosa, correspondendo ao restante dos meses. A vegetação do Cerrado, porém, varia de acordo com a umidade do solo, mas principalmente com a composição e ph dele. Nos fundos de vale, a vegetação é mais robusta e fechada, enquanto, nos demais relevos, ela consiste em vastos campos abertos com a presença de vegetação mais rasteira e árvores de pequeno e médio porte, com troncos finos e retorcidos.

cerrado latu sensu, mata de galeria, paisagens

A vegetação mais aberta, chamada comumente de Cerrado Lato Sensu, corresponde a mais de 80% da extensão total do bioma. Nesta categoria há também a presença de floresta mesofílica, campo rupestre, campos litossólicos miscelâneos e vegetação de afloramento de rocha maciça.  Quanto à vegetação de fundo de vale, temos a presença de matas de galerias, buritizais, veredas, campos úmidos, brejos permanentes e etc.

A biodiversidade do Cerrado é tão grande que se assemelha a formações florestais densas. 837 espécies de aves vivem no cerrado, sendo 29 endêmicas. Das 194 espécies da macrofauna, 14 são endêmicas. Mais de 14 mil espécies de insetos vivem no cerrado, representando cerca de 47% da diversidade de insetos do Brasil. Já as três bacias que compreendem o Cerrado, das quais o bioma apresenta boa parte de suas nascentes, possuem faunas diferentes. A ictiofauna (peixes) presente em cada cabeceira tem mais relações com a da própria bacia do que com as demais cabeceiras presentes no cerrado, fazendo com que apresente 3 biotas diferentes nesse quesito, a saber, as biotas aquáticas da bacia do Paraná, da bacia Amazônica e das bacias do Leste.

Os frutos são deliciosos, variados e desconhecidos da maior parte do povo de fora do Cerrado. Alguns são inesquecíveis, como o murici, a mamacadela e a cagaita. A siriguela e o ingá são iguarias de lamber os beiços. O buriti faz um doce que eu recomendo fortemente. Outros podem ser perigosos, como o pequi, que se mordido pode te levar ao hospital em minutos (na verdade depende de quantos minutos o SAMU leva para chegar). O pequi tem quatro camadas, sendo a primeira uma grossa casca, daí vem a fina popa, seguida de um mar de espinhos que protegem sua castanha. Ele deve ser consumido cozido e com absoluto cuidado.

Buriti, murici, mamacadela, cagaita e pequi

Por falar de coisas que podem te matar no cerrado, lembramos da fauna. Animais fantásticos, diferentes, esquisitos e graciosos. O lobo-guará é um dos símbolos do bioma, ao lado do tamanduá-bandeira e do tamanduá-mirim, que pode ser encontrado tretando em vídeos pela internet, com sua pose de maloqueiro.

“Cai dentro, mané!”

Outros belos espécimes são a ema, os tatus das mais variadas espécies, todos os tipos de serpente que habitam este país, e o maior predador desta nação, a onça-pintada. Há nas águas ainda o cágado, que não deve ser confundido com cagado (a diferença é o acento, afinal, como você poderia assentar estando nessa situação?). Essa fascinante fauna está, em sua maior parte, correndo risco sério de extinção, especialmente por perda de habitat.

cágado

O Cerrado, como segundo maior bioma brasileiro, é o mais importante hotspot do país, e tem um valor ambiental imprescindível. A preservação de sua diversidade de fauna e flora é uma das mais difíceis tarefas, daí a importância da conscientização. Esse bioma é visto como uma reserva de terras para cultivo e pastagem e, por conta disso, vem sendo desmatado e esquecido desde a revolução verde em meados do século passado. Temos visto cada vez mais sua área sendo transformada em fazendas, culturas, especialmente de cana de açúcar e soja, e agricultura extensiva. Há que se fazer algo pelo nosso Cerrado, e deve-se começar pela mudança da percepção social a seu respeito. O segundo maior bioma do país pede socorro.

 

Fonte:

ALVARENGA, L. J. (2013). A conservação do bioma Cerrado: o Direito ante a fragmentação de ciências e ecossistemas.

Eiten, G. (1972). The cerrado vegetation of Brazil. The Botanical Review

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (2002). Biodiversidade Brasileira.


Carlos Pinheiro. Jurista em formação, estudioso em política, geografia e história e entusiasta em astrobiologia