Videogames estão muito associados à indústria do entretenimento e à cultura pop de modo geral. Esta é a conexão mais óbvia que podemos fazer, uma vez que este é o principal objetivo de um jogo eletrônico.

Entretanto e felizmente, videogames estão começando a serem observados por outras perspectivas. Uma delas é a cultural. Prova disso é o evento Video Games Live que foi capaz de unir a música erudita/orquestrada com trilhas sonoras de jogos, mostrando a todos o quão rico musicalmente um jogo pode ser.

Expandindo ainda mais seu escopo, mais recentemente os videogames tem começado a ser utilizados como coadjuvantes no tratamento de doenças crônicas – como por exemplo o câncer – principalmente em crianças.

Pacientes oncológicos pediátricos frequentemente experienciam fadiga física e mental durante o tratamento quimioterápico. Isso contribui para diminuição de sua qualidade de vida. Nesse contexto, o conceito de empoderamento do paciente é fundamental para a evolução do tratamento, refletindo na habilidade do indivíduo em reagir mais positivamente à sua condição de saúde.

Intervenções de empoderamento podem reforçar a sensação interna de controle, aumentando sua resiliência e capacidade de enfrentamento dos sintomas relacionados tanto à doença quanto a tratamentos agressivos, como a quimioterapia.

empoderamento

O empoderamento do paciente acelera sua recuperação física e mental, como demonstrado na linha laranja no gráfico.

Assim, o pesquisador Meveshni Geovender e seus colaboradores publicaram em 2015 um artigo intitulado Clinical and Neurobiological Perspectives of Empowering Pediatric Cancer Patients Using Videogames, na revista Games for Health Journal. A idéia foi justamente analisar as vantagens em se utilizar videogames como estratégia de empoderamento de crianças com câncer do ponto de vista neurobiológico.

Segundo o artigo, avanços clínicos e tecnológicos em jogos eletrônicos voltados à terapia podem facilitar a “entrega” deste empoderamento a crianças que sofrem com o câncer, bem como desenvolver nelas um “espírito de luta”.

Neste sentido, estudos de neuroimagem tem demonstrado o papel do sistema recompensa (o mesmo que é ativado quando sentimos uma sensação prazerosa após executar uma determinada tarefa ou utilizar algumas substâncias específicas) na resilencia e no empoderamento de pacientes, e o videogame pode se constituir importante estratégia para atingir este objetivo em crianças com câncer ou outras doenças crônicas.

Mas como os games podem ter este papel? Resumidamente, o equilíbrio emocional e o empoderamento estão fortemente interconectados dentro da neurobiologia do paciente. Sendo assim, o stress normal (aquele com o qual lidamos diariamente em pequenas tarefas) costuma levar a uma liberação hormonal de cortisol (o hormônio do estresse) equilibrada, que resulta em um aumento da nossa capacidade de resiliência. Ou seja, é algo benéfico para nosso organismo. Por outro lado, o stress crônico excessivo (como aquele causado por uma doença crônica como o Câncer, ou um tratamento agressivo como a quimioterapia), pode levar a uma liberação de cortisol alterada (aumentada) que pode, em alguns casos, provocar danos neuronais que, em última estância, podem contribuir para que o paciente desenvolva, por exemplo, depressão. Dentro desse contexto, o estímulo correto do nosso sistema de recompensa, por meio de jogos eletrônicos específicos (o empoderamento do paciente por meio de videogames) pode, até certo ponto, contrabalancear os efeitos negativos do estresse, favorecendo uma condição de otimismo e esperança, ao invés do trauma e depressão.

O jogo "Patient Empowerment Exercise Videogame" sendo jogado no hospital. No jogo, por meio de diversos minigames, a criança se exercita e enfrenta robôs que representam seu câncer, tendo como aliados a equipe do hospital.

O jogo “Patient Empowerment Exercise Videogame” sendo jogado no hospital. No jogo, por meio de diversos minigames, a criança se exercita e enfrenta robôs que representam seu câncer, tendo como aliados a equipe do hospital.

Em outras palavras: um jogo metafórico no qual a criança com câncer seja representada por um super-herói que enfrenta inimigos (que representam as células malignas do seu organismo) pode, por exemplo, incentivar a criança a literalmente “lutar” contra sua doença e, ao vencer, entender que pode superar este grande desafio que se opôs à sua vida.

E se você acha que isso é apenas especulação, o artigo de Geovender cita diversos estudos interessantes. Em um deles, comparado-se com livros, por exemplo, videogames foram mais capazes de aumentar a sensação de controle do paciente sobre sua própria saúde. Em outro estudo, alguns pacientes relataram aumento de conhecimento, contato social, auto-confiança e otimismo. Há relatos inclusive do uso de realidade virtual associada à analgésicos sendo um tratamento mais efetivo para a dor do que utilizar apenas analgésicos.

Este empoderamento do paciente, portanto, é uma complexa jornada que pode resultar em maior controle sobre sua própria saúde. Várias estratégias já foram utilizadas para esta finalidade e é importante ter a consciência de que os games podem ter um papel fundamental nesta área.

Jogos que sejam capazes de provocar a motivação do jogador-paciente com uma história focada em metáforas e analogias para a recuperação da saúde, certamente favorecerão o sistema de recompensa de uma forma positiva, aumentando a resiliência e provocando mudanças comportamentais e de saúde para o paciente.