O texto anterior mostra como o Estado Novo de Vargas abordou institucionalmente a questão da educação como construtora dos valores e modelos formadores desejados pelo governo. Os livros didáticos, publicados e distribuídos sob a supervisão do Ministério da Educação, constituem importante ferramenta nesse processo.

Sob a ótica de REZNIK (1992, p.154), pode-se apontar um conjunto de fatores que contribuíram para afastar os compêndios tradicionalmente utilizados em prol da circulação dos nacionais em todas as áreas de ensino. De acordo com o autor, “a expansão do ensino secundário na década de 30 e a sua rígida seriação cumprem um papel chave, pois impunham uma nova dinâmica para a produção e utilização dos livros didáticos”.

Os livros didáticos de História utilizados no Estado Novo eram sustentados pela factualidade dos “grandes episódios da nação”. Trabalhavam uma história de herança positivista, que tem como principal elemento a linearidade dos acontecimentos, caracterizando uma história determinista, com ênfase nas relações de causa e efeito. A história política tradicional, marco desta linha metodológica, é marcada por narrações épicas, pelo culto aos grandes “heróis da pátria”.

Nestes livros “patrióticos”, o povo brasileiro seria resultado de uma amálgama de três diferentes povos, dos quais o europeu seria o grande condutor civilizatório. “Os índios, por sua vez, eram retratados a partir das características do Romantismo, sendo os índios nativos diferentes dos atuais, construindo a raiz indígena brasileira a partir de um estereótipo heróico, de físico semelhante ao dos europeus, índios nobres e bravos que supostamente não haviam aceitado a escravidão, ocultando qualquer traço da opressão colonizadora. A produção de artefatos indígenas era retratada como semelhante a dos povos civilizados. Os negros, porém, eram pouco mencionados, sendo retratados apenas como mercadorias. O Brasil era apresentado como uma democracia racial que estava, aos poucos, ‘embranquecendo’ a sua população em virtude do maior índice de imigração dos europeus e da sua maior ‘robustez física’, além da proibição do tráfico de escravos. Nota-se, portanto, que a produção didática ignora o componente negro na constituição étnica brasileira em virtude dessa ser considerada uma raça inferior, ideia amplamente difundida por algumas correntes científicas da época, pautadas no chamado Darwinismo Social. A formação do povo brasileiro, portanto, era representada de forma a satisfazer as elites dominantes, tendo o povo europeu como principal agente civilizador do Brasil” (MEDEIROS, 2020, p. 846).

Buscando exemplos de tal modus operandi, o estudo realizado por VAZ mostra-se esclarecedor. De acordo com a estudiosa (VAZ, 2006, p. 87), verifica-se que ao tratar da Independência do Brasil, os livros didáticos utilizados durante o Estado Novo exprimiam o reverenciamento ao seu principal herói: D. Pedro. Ele era tratado como o “salvador da pátria”, personagem que resolveu todos os problemas do Brasil após o retorno de D. João VI a Portugal. Palavras de empenho e energia, inteligência e perspicácia, eram atribuídas a sua figura. D. Pedro sempre estava pronto em defesa da causa pública e os seus principais empecilhos apontavam os descontentamentos regionais nas províncias do Norte, que inicialmente se recusaram a aceitá-lo.

Atitude análoga ocorria ao se falar de Vargas: o homem que enfrentava diversas dificuldades em nome dos anseios do país. Sua “mística” de empreendedor entoava-se na descrição de seu governo, colocando o presidente no mesmo patamar de D. Pedro I e outros “grandes heróis do passado”, como o “condutor” do Brasil ao progresso. Getúlio Vargas, apresentado como herói, transmutava-se no homem preparado e capaz de defender os interesses do Brasil, como fizeram vários outros governantes do passado.

Paralelamente aos livros didáticos, utilizavam-se também as cartilhas escolares, que consistiam em publicações veiculadas em todo o território nacional, contendo textos de fundo moral religioso, ufanista e patriótico, destinadas à leitura das crianças em fase de alfabetização. Conforme se depreende da figura acima, um Vargas “paternal” transmite uma mensagem de amor e patriotismo aos infantes, ensinando o “caminho das pedras” para o (seu?!) sucesso. Aliás, as histórias, poesias, poemas, traziam os pressupostos inerentes ao regime então vigente: civismo, nacionalidade, culto à pátria e ao chefe da nação, ordem, trabalhismo, exaltação às datas cívicas.

As manifestações patrióticas — especialmente as desenvolvidas na Semana da Pátria — consistiam em elementos importantes na preservação da ordem e na legitimação de uma unidade social. A pátria, merecedora de sacrifícios, assemelhava-se a uma mãe e nela estariam todos em uma grande família. Eram proibidos textos que continham pessimismo ou dúvida quanto ao futuro da “raça brasileira”, e a educação dos jovens era associada à preocupação de evitar “más” influências — especialmente o comunismo.

GEORGE (2008, p. 9) sustenta que era intenção do sistema educacional “passar ideias não de criticidade ou idéias que despertassem as práxis reflexivas, mas de uma sociedade vista como uma corporação onde cada um tinha uma função determinada para o bem-estar do corpo. Era função idolatrar o ‘pai da nação’, era função obedecer ao que foi determinado, era função tentar absorver os conteúdos transmitidos na escola para no futuro ser um bom operário, domesticação de consciências”.

Desta forma, conclui-se que o Estado Novo tinha como referência o patriotismo, sendo a educação encarada como peça fundamental, sempre presente nas apresentações de cunho disciplinador.

O ensino da História, ou melhor, a lembrança constante dos “grandes vultos” da História Nacional, apresentava-se como mola-mestra deste sistema. A Semana da Pátria, ápice das festividades nacionalistas, fez parte na formação das crianças e jovens brasileiros, coexistindo, seja nas salas de aula, seja nos desfiles comemorativos, com o lema republicano e positivista da bandeira brasileira: Ordem e Progresso (ou seria Progresso com Ordem?!).

Estas comemorações funcionavam como exposições pedagógicas da sociedade, despertando na população uma imagem harmônica e bela, formadora de um novo amanhã… Com o Estado Novo, a educação foi entendida e utilizada como meio disseminador dos ideais nacionalistas de maneira nunca vista na história de nosso país.

Nos dizeres de CAMPOS (1992, p. 151), “a escola foi a instituição onde pareceu ser possível, naquele momento, atingir amplos segmentos da população no sentido de normalizar, homogeneizar, disciplinar, ordenar, higienizar hábitos e comportamentos”. Contra a anarquia da inteligência, um saber “pasteurizado”, que se pautava na obediência e fidelidade ao Estado (Novo).


Texto originalmente apresentado no 8º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História – set. 2022

 

Referências bibliográficas

CAMPOS, Cynthia Machado. Controle e normatização de condutas em Santa Catarina (1930 –1945). São Paulo: PUC, 1992. (Dissertação de mestrado).

GEORGE, Michael. A Educação e o Estado Novo: a ratificação da ordem dominante e a construção do imaginário político brasileiro. In: Revela – Periódico de Divulgação Científica da Faculdade do Litoral Sul Paulista, n. 02, mar. 2008. Disponível em: http://www.fals.com.br/revela/revela028/edicoesanteriores/ed2/educacaoestadonovo.pdf

MEDEIROS, Gabriel Saldanha Lula de. Era Vargas: a Educação como Instrumento Político. In: Id on Line – Revista Multidisciplinar e de Psicologia, vol. 14, n. 50, mai. 2020. Disponível em: http://idonline.emnuvens.com.br/id

REZNIK, Luis. Tecendo o amanhã: a História do Brasil no ensino secundário – programas e livros didáticos. 1931 a 1945. Niterói: UFF, 1992. (Dissertação de mestrado).

VAZ, Aline C. A escola em tempos de festa: poder cultura e práticas educativas no Estado Novo (1937-1945). Belo Horizonte: UFMG, 2006. (Dissertação de mestrado).